(HP 16/05/2014)
A peça de Vianinha vai ao palco por iniciativa do CPC da UMES. A temporada vai até 8 de junho, sextas, sábados e domingos. A trilha sonora conta com a música “Chegança”, de Edu Lobo, e canções do maestro Marcus Vinicius
No dia 9 de maio estreou, no palco do Cine-Teatro Denoy de Oliveira, a peça “Os Azeredo mais os Benevides”, de Oduvaldo Vianna Filho* com um elenco de 20 atores.
O diretor da montagem, de iniciativa do Centro Popular de Cultura da UMES, é João das Neves**, que participava das atividades do CPC da UNE e junto com o autor e outros, a exemplo de Zé Renato e Denoy de Oliveira, promoveram a revolução estética – em que o anseio popular por justiça dá tônica, ritmo, condução e realidade às obras – com seus trabalhos interrompidos pelo golpe que depôs João Goulart em 1964.
Como recorda o diretor, o teatro onde a peça iria estrear no dia 1º de abril de 1964 foi destruído junto com o edifício que sediava a UNE. A peça chegou a ser premiada em 1966, pelo Serviço Nacional de Teatro (SNT), órgão do então Ministério da Educação e Cultura, e publicada em 1968, mas nada de levá-la à cena. Aliás, até hoje – a exceção de algumas boas escolas de teatro – ela não havia integrado os repertórios em nenhum dos palcos brasileiros.
A bem realizada trilha musical fica por conta da música de Edu Lobo, com sua “Chegança”, escrita especialmente para a peça, e agora completada por músicas do maestro Marcus Vinicius.
Em prefácio para o texto de Oduvaldo Vianna Filho – cuja edição prevista para 1982, pela Editora Muro, acabou não se realizando – João das Neves menciona uma estrofe que dá início a uma trajetória a ser esboroada pela realidade que a obra vai desnudando:
“Uma funda amizade aqui começou./ Um doutor de verdade e um camponês meu amor.”
E, como destaca João das Neves:
“Assim canta Lindaura, sublinhando o início da amizade entre seu homem, o camponês Alvimar, e Esperidião, um jovem e empreendedor senhor de terras. Uma amizade que vai sendo desmontada ao longo do texto, por mais que os dois homens se obstinem em preservá-la. O olhar frontal, reflexo não apenas da nascente confiança mútua e da confiança em si mesmo, mas também do engajamento no projeto comum de redenção da terra vai sendo substituído, passo a passo, pela submissão e humilhação finais de Alvimar.
A terra redimida aumentou a fortuna dos senhores e a miséria dos camponeses. E o canto de Lindaura, com ligeira variação – “Uma funda amizade/ aqui continuou…” – só faz ressaltar o absurdo desta amizade e o aviltamento que agora representa o ser amigo do inimigo de sua classe. A contradição sem solução possível que não a destruição do mais fraco.
Outro fato a ressaltar é o grande salto qualitativo que a dramaturgia de Vianinha realiza em tão curto espaço de tempo. Vale a pena ler ‘Os Azeredo…’ logo após ‘Quatro Quadras de Terra’, pois as duas têm muitos pontos em comum.
Vianinha era um perfeccionista obsessivo e a impressão que se tem é que, não satisfeito com o texto anterior, voltou a se debruçar sobre a temática, a conviver com seus personagens e a aprofundá-los, resultando deste mergulho “Os Azeredo Mais Os Benevides”. Um dos textos fundamentais no conjunto de uma obra que necessita uma correta reavaliação crítica para que dela possamos tirar, para além das afirmações categóricas e sectárias, as lições que seus caminhos e descaminhos podem nos proporcionar; caminhos e descaminhos que são o fruto de uma obstinada procura da verdade. Verdade que, como a impossível aliança de Alvimar e Esperidião, mostra, no fundo, que:
‘Se um pede e ninguém lhe dá a mão/ Se um passa fome e outro não/ Se a ajuda para no tostão/ Aonde está a amizade então?’”
* Vianinha viveu apenas 38 anos, mas de intensa atividade.
Foi um dos fundadores do Teatro de Arena (1955), com José Renato e Gianfrancesco Guarnieri. Junto com eles participou da revolução estética produzida pela montagem da peça “Eles Não Usam Black Tie” (1958), escrita por Guarnieri, com direção de Zé Renato e músicas de Adoniran Barbosa.
No Rio de Janeiro, criou o Centro Popular de Cultura da UNE (1960-64) e foi se destacando como um autor de peças sintonizadas com a realidade brasileira, que tiveram importante significado no desenvolvimento da estética nacional-popular.
Em 1964, foi criador do Grupo Opinião, com Paulo Pontes, Armando Costa, João das Neves, Denoy de Oliveira, Ferreira Gullar, Pichin Plá e Thereza Aragão.
Também trabalhou como ator de teatro, cinema e como autor de televisão – onde fez sucesso com a série “A Grande Família”, na Rede Globo (1973).
** João das Neves reúne em seu currículo prêmios Molière (vários), Bienal Internacional de São Paulo, APCA, Golfinho de Ouro, Quadrienal de Praga. Escreveu livros sobre teoria e história do teatro, entre os quais “Análise do Texto Teatral”, “1950-1980: Trinta anos de Teatro Brasileiro” (inédito); obras de ficção infantil, como “História do Boizinho Estrela”, e cerca de duas dezenas de peças teatrais. Dirigiu o teatro de rua do CPC da UNE até a sua extinção em 1º de abril de 1964. Alguns meses depois participa da fundação do Grupo Opinião, em parceria com Vianinha, Paulo Pontes, Armando Costa, Denoy de Oliveira e Ferreira Gullar, que também integravam o CPC. O grupo estreia com o espetáculo “Opinião”, reunindo Nara Leão, Zé Kéti e João do Vale. Seguem-se os sucessos de “Liberdade, Liberdade” (1965), “Se Correr o Bicho Pega, Se Ficar o Bicho Come” (1966), “Jornada de um Imbecil até o Entendimento” (1968). “O Último Carro”, escrita e dirigida por João das Neves em 1976, ficou mais de 2 anos em cartaz. Em 1979, João faz na Alemanha o curso de Ciências Teatrais e trabalha no Westdeutscher Rundfunk (Setor de Peças Radiofônicas da WDR). Em 1986 transfere-se para o Acre e funda o Grupo Poronga, conhecido pela montagem de “Tributo a Chico Mendes”, de sua autoria. Em 1988 volta ao Rio onde encena, no centenário da Abolição, “A Missa dos Quilombos”, de Milton Nascimento, Pedro Tierra e D. Pedro Casaldáliga. O espetáculo ocupou o centro histórico da cidade, atraindo mais de 40 mil espectadores. Volta ao Acre e encena “Caderno de Acontecimentos”. Em 1991 e 1992 dirige a convite da Secretaria de Cultura de Belo Horizonte uma oficina de interpretação no Parque Ecológico Lagoa do Nado, da qual resulta o projeto “Primeiras Estórias” – adaptação de 11 contos de Guimarães Rosa. Em 1997, dirige o concerto cênico “A História do Soldado”, de Stravinski. No ano seguinte, escreve e dirige “Uma Noite com Brecht”. No final de 2001, adapta e encena o clássico mexicano “Pedro Páramo” de Juan Rulfo. Em 2002, dirige “Território Interno”, solo de dança com a bailarina Diane Ichimaru. Em 2006, realiza a montagem de “Besouro Cordão de Ouro”, peça do poeta e compositor Paulo César Pinheiro. O espetáculo percorre diversas cidades e retorna ao Rio, em 2012, para nova temporada. Volta a trabalhar com Paulo César Pinheiro encenando, em 2011, o musical “Galanga, Chico Rei”. Em 2013, dirige “Zumbi”, remontando com 10 atores negros o clássico de Boal e Guarnieri, musicado por Edu Lobo, “Arena Conta Zumbi” (1965).
Ficha Técnica
Peça de Oduvaldo Vianna Filho
Direção: João das Neves
Música: Edu Lobo (Chegança); Marcus Vinícius
Elenco: Chico Américo; Danilo Caputo; Emerson Natividade; Erika Coracini; Ernandes Araujo; Graça Berman; Guilherme Vale; João Ribeiro; Junior Fernandes; Leonardo Horta; Léo Nascimento; Marcio Ribeiro; Mariana Blanski; Paula Bellaguarda; Pedro Monticelli; Rafaela Penteado; Rebeca Braia; Ricardo Mancini; Telma Dias; Zeca Mallembah.
Cenografia: João das Neves e Rodrigo Cohen
Figurinos: Rodrigo Cohen
Direção Musical: Léo Nascimento
Assistente de Direção: Alexandre Kavanji
Iluminação: Leandra Demarchi
Cenotécnico: Edson Freire Vieira
Assistente de Figurino: Arieli Marcondes
Preparação Corporal e Orientação de Movimento: Alício Amaral e Juliana Pardo
Produção: CPC-UMES
Ingressos: R$ 30,00 (meia-entrada R$ 15,00)
Horários: Sextas e Sábados 21h; Domingos 20h
Temporada: 9 de Maio a 8 de Junho
CINE-TEATRO DENOY DE OLIVEIRA
Rua Rui Barbosa, 323, Bela Vista. Tel: 3289-7475