Nos 90 anos do Sindicato dos Metalúrgicos de SP, nossa homenagem a Joaquim dos Santos Andrade
O Sindicato dos Metalúrgicos São Paulo completa 90 anos. Creio que não estou cometendo nenhum exagero ao afirmar que o povo brasileiro, em especial os trabalhadores, tem uma dívida de honra com Joaquim dos Santos Andrade, o Joaquinzão, presidente da maior entidade operária da América Latina. Aproveito a oportunidade das merecidas comemorações para um pequeno resgate dos feitos deste valoroso companheiro.
No final dos anos 70 e durante toda década de 80, na retomada das mobilizações dos trabalhadores, o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo teve um desempenho acima de todas as expectativas na luta contra o arrocho salarial, contra a ditadura e pela Constituinte mais desenvolvimentista, nacionalista e popular que o Brasil já teve.
A LUTA CONTRA O PARELELISMO SINDICAL
A virada da conjuntura, iniciada em 1978, abriu a discussão sobre o aspecto principal da tática: integrar os sindicatos – até então amortecidos pela repressão e por 13 anos de ditadura – às greves espontâneas contra o arrocho, elevando a luta política contra a ditadura, pelas liberdades democráticas, em especial, pela anistia.
A direção do golpe principal era isolar o “paralelismo sindical” das tendências trotskistas em aliança com os círculos católicos.
A batalha decisiva foi a eleição nos metalúrgicos de São Paulo, principal categoria operária do país. A influência das correntes paralelistas se concentrava nos metalúrgicos de São Paulo e já havia levado a categoria a uma aventura grevista em 1979, que, além da derrota econômica, custou a vida de Santos Dias, metalúrgico da corrente católica, assassinado pela repressão. A greve acabou esvaziada, com o isolamento desta corrente no movimento sindical.
VITÓRIA DA UNIDADE
A vitória, em 1981, da Chapa 1 nas eleições do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, maior e mais importante sindicato do país, por uma diferença mínima de votos, acelerou a transição da estrutura sindical para a oposição ao regime e consolidou a derrota ideológica do esquerdismo e do paralelismo no movimento operário.
Eram três chapas: A Chapa 1, aliança do Joaquinzão – principal liderança dos dirigentes sindicais que transitavam para a oposição ao regime – com os comunistas do PCB e do MR8; a Chapa 2, aliança de trotskistas com a Igreja, que pregava o “sindicato paralelo”, fora da estrutura; e a chapa 3, presidida pelo metalúrgico, dirigente comunista do PCdoB, companheiro Aurélio Peres.
JOAQUIM MORREU POBRE
A história por vir de Joaquim dos Santos Andrade, a partir de 1978, é autoexplicativa. Transformou o Sindicato numa máquina combativa e de apoio ao trabalhador, exemplo para o movimento sindical; integrou os sindicatos na luta pela anistia; comandou a solidariedade a São Bernardo, em São Paulo; integrou, junto com Lula, com José Francisco (da CONTAG), com Hugo Peres (da Federação dos eletricitários), com as unidades sindicais do Rio e de SP, os principais pilares da CONCLAT (Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras); colocou a estrutura do sindicato a serviço da fundação da CGT (Central Geral dos Trabalhadores); foi o principal dirigente da greve geral de 21 de julho de 1983 (a capa da revista Veja foi “a greve a la Joaquinzão”).
No final de 1996, eu e Bira visitamos o Joaquinzão em sua casa de operário ferramenteiro da Matarazzo, na Penha. Estava bastante lúcido, apesar do AVC que sofrera. Fizemos denúncia contra anarco-sindicalistas que estavam fazendo uma greve irresponsável. Ele colocou um disco de Lupicínio Rodrigues para dizer o que isso representava e riu muito quando ouvimos “Esses moços”… “Saibam que deixam o céu/ Por ser escuro/E vão ao inferno/À procura de luz”.
SOLIDARIEDADE DOS METALÚRGICOS DE SP À GREVE DE SÃO BERNARDO
A tomada do Estádio da Vila Euclides no 1º de Maio de 1980 por 100 mil trabalhadores foi uma espetacular vitória dos metalúrgicos em greve. Com a diretoria e as principais lideranças presas, a orientação do Sindicato de São Bernardo foi para que os metalúrgicos se reunissem nos bairros. Mas o povo acorreu de forma irresistível para o Paço Municipal, convocado inclusive pela Unidade Sindical de São Paulo, através de matéria paga na imprensa.
Em São Bernardo a coisa não era muito diferente. Assim como na capital, a direção política do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo expressava a aliança entre os dirigentes sindicais – em trânsito para oposição à ditadura – e os comunistas.
Lula foi eleito presidente do sindicato, por indicação de Paulo Vidal (então presidente), em 1975, que, por sua vez, havia sucedido Afonso da Cruz, presidente indicado pelos interventores governamentais, de 1965 a 1969. Na greve de 1980, ao lado da liderança incontestável de Lula, estavam Alemão, da Villares, membro do Comitê Central do MR8, Batista, da Volks, membro do Comitê Central do PCdoB, e Osmarzinho, da Unidade Comunista.
ALIANÇA PREFERENCIAL COM OS COMUNISTAS
Contrastando com Joaquim dos Santos Andrade, que levou à frente a unidade com os comunistas – em 1984, ampliou a aliança com os comunistas do PCdoB, através da integração na diretoria do Sindicato dos companheiros Vital Nolasco e Neleu – Lula decidiu romper essa unidade nas eleições do Sindicato e não incluir as lideranças comunistas na sua chapa.
Eu, que me envolvi bastante com a formação da chapa (não de oposição, mas pela unidade) e com a campanha, considero motivo de orgulho a Chapa 2 em São Bernardo, que não se submeteu à ingratidão.
CONCLAT
A CONCLAT foi realizada nos dias 21, 22 e 23 de agosto de 1981, com a participação de 1.091 entidades sindicais e 5.036 delegados. Os delegados simpáticos ao pluralismo e contra a unicidade sindical eram comprovadamente minoritários.
“Na comissão que discutiu sindicalismo o interesse foi tanto que mais de mil delegados participaram […] Os apupos manifestaram a intensa rejeição às teses do pluralismo sindical” (PRATES; SANTANA, 2022, p.186).
“O representante da Confederação francesa (CGT) foi vaiado pela maioria dos delegados por defender o pluralismo sindical e afirmar que a unidade é possível quando se respeita a pluralidade. Já a União Nacional dos Trabalhadores de Angola (UNTA) foi efusivamente aplaudida […] ao atacar o pluralismo. A resolução final critica sem rodeios a ideia de divisão dos trabalhadores” (COSTA, 1995, p. 55).
Apesar do esforço da maioria dos delegados, a CONCLAT acabou mais estreita que começou.
O VETO A JOAQUINZÃO
O veto a Joaquim – presidente do maior sindicato da América Latina, corresponsável pela convocação da CONCLAT – na comissão pró-CUT a esvaziou. Ao excluírem os metalúrgicos de São Paulo e Joaquinzão, principal liderança da grande maioria do movimento sindical, que tinha a unicidade como princípio, emascularam a comissão, que ficou sem capacidade para o que quer que seja, a não ser tirar notas “unitárias”, numa conjuntura revolucionária.
O movimento sindical seguia em ascensão. Joaquinzão completou a virada que havia iniciado com a vitória nas eleições dos metalúrgicos de SP, em 1981, ampliando a participação das federações e da CNTI. Metade das confederações e federações de São Paulo se integraram ao movimento de unidade sindical, tomam a iniciativa, promovem uma significativa passeata pelo centro velho de SP contra o decreto-arrocho 2045 e convocaram a greve geral do dia 21 de julho de 1983, que reunificou o movimento. A II CONCLAT foi realizada ainda em 1983 e, em 1986, o Congresso de fundação da CGT.
As organizações sindicais aglutinadas em torno da Anampos tentaram dividir o movimento antecipando a greve. Para eles, deu tudo errado. Se isolaram e aderiram ao 21 de julho.
CONGRESSO DA MULHER TRABALHADORA
“O Congresso da Mulher Trabalhadora aconteceu de 17 a 19 de janeiro de 1986, em São Paulo, no Palácio de Convenções do Anhembi. Foi a maior e mais profunda manifestação feminina de nossa história. Marcou a retomada da mobilização das trabalhadoras brasileiras. Reuniu 4.126 delegadas, representando 714 entidades”[…] “O Congresso foi um marco histórico.” (PRATES; SANTANA, 2022, p.205).
O Congresso foi gestado, bancado e organizado dentro e pelo Sindicato dos Eletricitários de São Paulo, com apoio irrestrito de Joaquim, que indicou à secretaria executiva a companheira Marina, dos eletricitários, e as companheiras Gonçala, dos telefônicos, e Mariazinha, dos metalúrgicos de SP. E com funções executivas: Nair Goulart e Cida Malavazzi, do sindicato dos metalúrgicos, Maria Pimentel, da federação dos gráficos, Sônia Latgé, no Rio, do sindicato das indústrias urbanas, e Conceição Cassano, do sindicato das nutricionistas.
CGT
A CGT foi criada em março de 1986, em Congresso com a participação de 1.341 entidades e 5546 delegados (COSTA, 1995, p. 292), no qual Joaquinzão é consagrado e aclamado presidente por unanimidade.
Joaquim, Medeiros, Magri, as unidades sindicais estaduais, as confederações e as federações tiveram papel destacado durante quase toda a década de 80, tanto na CONCLAT, como na greve geral do 21 de julho de 1983. Assim como na vitória do Colégio Eleitoral com Tancredo em 1985, no apoio ao congelamento dos preços, na organização do 1º Congresso da Mulher Trabalhadora, em 1986, com mais de 4 mil delegadas, que antecedeu a convocação do Congresso de fundação da CGT, na Constituinte de 1988 e na significativa vitória nas eleições dos metalúrgicos de SP, em 1987, quando Medeiros assumiu a presidência e Bira (membro do Comitê Central do MR8) a secretaria geral. As críticas mais intensas (e injustas) a Joaquim, Medeiros, Magri se referem exatamente ao período em que eles foram mais efetivos no combate à ditadura e ao divisionismo.
A ditadura desabou, conquistamos uma Constituição desenvolvimentista, nacionalista, democrática, e popular, assegurando os principais direitos reivindicados pelos trabalhadores e a afirmação da unicidade sindical. Esta fatura estava liquidada.
Viva Joaquim dos Santos Andrade! Viva Joaquinzão!
CARLOS PEREIRA
Referências:
COSTA, Sílvio. Tendências e centrais sindicais – o movimento sindical de 1978 a 1994. São Paulo: Editora Anita Garibaldi: Editora da Universidade Católica de Goiás, 1995.
PRATES, Guiomar; SANTANA, Nivaldo. Cem Anos dos Comunistas no Movimento Sindical. São Paulo: Ed. Anita Garibaldi, 2022.