“Minhas prisões são distintivos de honra”, afirmou o deputado John Lewis, ao se referir às perseguições sofridas durante os longos anos de sua vida dedicados ao combate contra o segregacionismo. Lewis faleceu na sexta, 17
“Nossa luta não é uma luta de um dia, uma semana, um mês, um ano”, disse, em um de seus pronunciamentos, o deputado federal John Lewis, “é a luta de toda uma vida”.
Uma das características mais marcantes de Lewis, companheiro de lutas de Martin Luther King, era seu chamado ao otimismo, à confiança na vitória, a partir da luta, mesmo diante das maiores adversidades. O importante para ele era não deixar em paz os feitores da injustiça: “Não se deixe envolver por um mar de desespero, seja otimista. Nunca, nunca tenha medo de fazer algum barulho e de produzir algum transtorno, o necessário transtorno”.
John Lewis, membro do Congresso norte-americano desde 1986, pelo Estado da Geórgia, um dos maiores heróis da ampla e alongada luta dos norte-americanos contra o segregacionismo, morreu na sexta-feira (17) à noite, aos 80 anos de idade. Lutava contra um câncer de pâncreas.
O mais marcante dos momentos de sua jornada foi quando teve o crânio quebrado por um porrete de um policial do Alabama em 7 de março de 1965. A foto da violenta agressão à marcha encabeçada por Martin Luther King, de Selma a Montgomery, naquele que foi denominado o “Domingo Sangrento”, imagem que foi fartamente divulgada nos Estados Unidos, ajudou a acelerar o desencadeamento de um amplo movimento de massas pelos direitos civis dos negros por todo o país.
A pancadaria começou quando Martin Luther King, ele e mais uma série de ativistas começaram a caminhar na ponte Edmund Petrus à frente de 600 pessoas e prosseguiram desobedecendo às ordens de dispersão, há 55 anos.
A caminhada que ficou conhecida como a Marcha de Selma integrava uma série de manifestações e atividades em apoio ao direito dos negros ao voto, que era obstaculizado das mais diversas formas no sul do país.
Ele também integrou os 13 participantes do grupo “Viajantes da Liberdade” que circularam pelo sul dos Estados Unidos em 1961 desafiando as leis de segregação nos transportes interestaduais da região.
Naquele período liderou atos contra a segregação em banheiros, hotéis, restaurantes, parques públicos e piscinas. Por sua atitude desafiadora da segregação institucionalizada, foi preso e espancado por diversas vezes.
Essa luta pelos direitos civis teve como uma das suas maiores conquistas a revogação por inconstitucionalidade das chamadas Leis Jim Crow, que, desde 1870, determinavam instalações separadas para brancos e negros em todos os locais públicos nos Estados que faziam parte dos antigos Estados Confederados, os que foram à guerra contra a ação de Abraham Lincoln para findar com a escravidão nos Estados Unidos.
HERÓI DA HISTÓRIA NORTE-AMERICANA
A presidente da Câmara dos Representantes (Deputados) Nancy Pelosi, ao anunciar o falecimento de Lewis referiu-se ao deputado como “um dos maiores heróis da história americana”.
“De forma humilde chamamos o deputado Lewis de ‘colega’ e nos sentimos de coração partido com sua despedida”, acrescentou a deputada.
ATAQUE ESTÚPIDO DE TRUMP
Em sua estupidez, Trump, se referiu à postura crítica de Lewis a seu governo que se iniciava em 2017: “Ele é só conversa e nenhuma ação”.
Na época, a presidente do Comitê Nacional Democrata, Donna Brazile, condenou as palavras de Trump em um encontro nacional do Partido Democrata: “Ele entrou em ação ao marchar de Selma a Montgomery. Ele entrou em ação ao caminhar em direção a homens munidos de cassetetes através da ponte Pettus. Eles fraturaram seu crânio por causa da cor de sua pele. Mas John Lewis nunca parou de marchar por justiça e igualdade para todas as pessoas”.
A sua conhecida relação com os ativistas judeus que lutaram ao seu lado contra o racismo, a exemplo do rabino Abraham Joshua Heschel, que atravessou a ponte em Selma ao lado dele e de Luther King, não o impediu de uma postura crítica aos governos israelenses. Em 2015 decidiu se retirar antes do pronunciamento de Bibi Netanyahu ao Congresso norte-americano. Naquele pronunciamento, Netanyahu foi denunciado por Lewis por um “anti-diplomático e desrespeitoso ataque ao presidente Obama e ao povo norte-americano”. Naquela ocasião, Netanyahu foi ao Congresso dos Estados Unidos para detratar Obama em sua busca do acordo nuclear com o Irã, que seria depois rasgado por Trump.
Suas críticas à agressão israelense e solidariedade aos direitos do povo palestino não foram impeditivas à admiração por ele por parte do Comitê Judaico Americano que o saudou em sua passagem: “Um lutador de toda uma vida” ou pela Liga Anti-Difamação que o declarou: “um compasso moral de nossa nação”.
DA MARCHA A WASHINGTON AOS ATUAIS ATOS CONTRA O RACISMO
Lewis foi um dos oradores da Marcha A Washington por Emprego e Liberdade, de 1963, que ele ajudou a organizar e que reuniu um milhão na capital dos Estados Unidos e notabilizou Martin Luther King por seu pronunciamento conhecido como “Eu Tenho Um Sonho” diante do Lincoln Memorial.
Pouco mais de cinquenta anos depois daquele dia e pouco antes de seu falecimento, o deputado Lewis saudou as marchas que eclodiram por todo o país após o brutal assassinato de George Floyd por asfixia em Minneapolis.
“É muito emocionante, muito emocionante, ver centenas de milhares de pessoas por toda a América e em todo o mundo tomarem as ruas – para falar, para falar, para se envolverem naquilo que eu chamo de ‘bom transtorno’”.
“A sensação e a visão são tão diferentes”, acrescentou, “é tão mais massivo e inclusivo. Não há mais como retroceder”.