(Letras do HP, 30/09/2015)
O dramaturgo, ficcionista e poeta Jorge Rein tem compartilhado, em redes sociais, pequenas narrativas em prosa, poemas bem escritos e argutas reflexões, dizendo aos amigos, como a dar de ombros, que “são textos que não vou publicar” [em livro], lá muito do jeito dele, de uma modéstia constitutiva. Devidamente autorizados, apresentamos aqui dois destes belos seixos.
Uruguaio de nascimento, Jorge escreve num português de fazer inveja, sua primeira autoexigência ao mudar-se para o Brasil na década de 1970, e possui um curioso método de composição. Desde a época em que precisava fazer longos percursos de ônibus do subúrbio até o centro da capital uruguaia, Jorge constrói e edita mentalmente os textos que cria. Tudo o que fazemos usando o teclado e a tela do computador, ele realiza mentalmente. Quando vai digitar o assim concebido, os ajustes que ainda precisa fazer, segundo conta, são mínimos.
Com várias peças de teatro encenadas em Porto Alegre, São Paulo, Montevidéu, Jorge é autor dos livros “&”, “Cidade Imaginária”, ambos em pareceria com a xilogravurista Anico Herskovits, e “A veloz raposa castanha salta por cima do cachorro”, entre outros. Em 2003, recebeu o Prêmio Funarte de Dramaturgia.
Sidnei Schneider
A forca do pensamento positivo
JORGE REIN
– Serei poupado – falava o condenado, mas não com seus botões, que as vestes lhe ficavam largas, soltas e brancas, como convém a um mártir preocupado com a aparência histórica.
– Minha morte inexiste – ainda teimava, em franco desafio às evidências e ao capelão que salmodiava os salmos ao pé do seu ouvido.
– Não é mais do que um passeio – imaginava, sem conseguir identificar seu próprio medo no suor das mãos esquivas dos companheiros que lhe estreitavam despedidas.
– Três degraus para a glória – decorava, galgando decidido até o patíbulo.
– O auxiliar, cioso dos detalhes, dá um jeito de ajeitar o nó da minha gravata – desculpava a intempestiva atitude do carrasco tirando-lhe as medidas do pescoço com o laço de corda.
– O povo me aclamando – confundia, observando as disputas dos curiosos pelos melhores bancos.
– O locutor me apresenta, emocionado, sem esquecer nenhuma das minhas qualidades– arrolados os crimes, proferida a sentença.
– Meu primeiro discurso – sua última vontade.
– O nervoso da estreia – diagnostica, quando a falta de ar faz dois nós na garganta (um interno e o outro lhe arrematando em pêndulo o que resta de vida). O tempo, apenas, de dar a absolvição aos negligentes secretários, responsáveis pelo cerimonial e o protocolo, que esqueceram as tesouras douradas para cortar a fita inaugural da sua escultura, sustentada no ar como um absurdo.
Moral da história: não devemos dar confiança demais à propalada forca do pensamento positivo.
Reflexões de um ingênuo
A argumentação que pretende sustentar a proposta de criação de um partido feminista me parece tão frágil quanto foi, na sua época, a iniciativa de fundação dos partidos verdes (no Brasil e no mundo), e que deu no que deu. Tanto a preocupação com o meio ambiente, quanto a defesa ferrenha dos direitos das mulheres e o reconhecimento – de fato e não apenas teórico – do seu papel fundamental na construção de qualquer sociedade, deveriam ser pauta de todos os partidos. Por outra parte, a mera adesão ao feminismo, não garante a coesão ou a mínima coerência no tratamento de outras relevantes questões sociais. Trata-se, então, de um paradoxo: a inclusão excludente. Se enveredarmos por esse caminho, estaremos legitimando a intenção individual de cada eleitor fundar o seu próprio partido, em nome não só da sua ideologia, mas também da sua sexualidade, a sua raça, o seu credo, a sua localização geográfica, sua posição social, o seu contexto, sua profissão ou ofício…