
O jornal britânico Financial Times (FT) afirmou em editorial que o presidente brasileiro Jair Bolsonaro está se autodestruindo em meio à crise do coronavírus, com o país vivendo uma “crise tripla, na economia, na saúde e na política” e que ele próprio está cavando o buraco para seu impeachment.
Publicado na terça-feira (28) sob o título de “A autodestruição do ‘Trump Tropical’”, o editorial registra que Bolsonaro apostou cada vez mais alto em negar a seriedade do coronavírus. Cita a saída do ministro Sérgio Moro e acrescenta que Bolsonaro tem acusado repetidamente os opositores de conspirar para derrubá-lo.
“A realidade é que o presidente do Brasil está justificando seu impeachment sozinho”, enfatiza o jornal.
Moro foi o segundo ministro-chave a sair em oito dias, depois de Bolsonaro demitir na semana anterior o ministro da Saúde, Luis Henrique Mandetta, por resistir aos seus esforços de minimizar a pandemia de coronavírus, destacou o FT.
A demissão de Moro foi considerada “particularmente séria” pelo jornal.
Em primeiro lugar, por ser um herói do eleitorado conservador de Bolsonaro por sua atuação na Operação Lava-Jato.
Em segundo lugar, por que Moro, ao sair, alegou que o fazia em protesto contra a decisão do presidente de demitir o chefe de Polícia Federal e substituí-lo por um indivíduo mais flexível, disposto a compartilhar informações sobre as investigações atuais.
“Os brasileiros suspeitam que as manobras de Bolsonaro visavam proteger seus filhos poderosos de processos em investigações que cobriam financiamento ilegal de campanhas e vínculos com paramilitares”, afirmou o FT.
A publicação inglesa o retrata como ‘Trump dos Trópicos’ por sua atuação nas mídias sociais, sua capacidade de insuflar apoiadores e seus ataques tóxicos aos oponentes, acrescentando que Bolsonaro perturbou a elite do Brasil “por desconsiderar a Constituição, demonstrando intolerância por gays, mulheres e negros e indiferença à queima da floresta amazônica”.
Mas – acrescenta – teria sido tolerado ‘pelos investidores’ como “a melhor esperança de retomada da economia”. Na verdade, como fachada para uma aventura ultraliberal e privatista – o que, claro, o FT não diz.
Porta-voz dos especuladores da Bolsa de Londres, não é de estranhar que o FT tenha buscado o romance “O Médico e o Monstro”, do escocês Robert Louis Stevenson, para espelhar a crise vivida pelo governo Bolsonaro.
O que o jornal via como a ‘boa medicina’ do Dr. Jekyll era o Guedes com sua reforma da previdência e promessa de assaltos aos cofres públicos. Aos olhos dos negocistas, Guedes seria “o adulto na sala”, em meio aos talqueis e desvarios de Bolsonaro.
“Agora, como na novela gótica de Stevenson, Hyde assumiu”, assinala o editorial, em referência ao personagem do monstro. Qualquer sentimento positivo persistente evaporou-se em meio a uma tríplice crise: um aprofundamento da emergência de saúde pública, uma profunda recessão econômica e uma calamidade política.
Conforme a publicação, o Brasil fez tão poucos testes que os números oficiais sobre a Covid-19 não são confiáveis – mas mesmo esses mostram a escalada das infecções. O FT registrou que o pico da pandemia de Covid-19 ainda está por vir, mas o sistema público de saúde já está com dificuldades.
O que não é melhor no plano econômico. “A economia dependente de commodities está muito vulnerável; o FMI prevê que o PIB encolherá 5,3% este ano, muito pior que a África subsaariana”, sublinhou.
Ainda segundo o jornal britânico, o Congresso brasileiro começou a flexionar os músculos, há rumores de novas saídas de ministros, os militares estão crescentemente sob incômodo, mas os apoiadores mais extremados de Bolsonaro permanecem fieis.