
O jornal francês Libération comentou o ataque de Trump ao Brasil com a sobretaxa de 50% em suas exportações para os EUA, apontando-o como “mafioso internacional”, em coluna assinada por Thomas Legrand. O que retoma um assunto muito falado nos próprios EUA.
“Ao pressionar os sistemas de justiça brasileiro e israelense, ao ameaçar seus interlocutores caso eles não assinem seus acordos, o presidente americano está se comportando como o chefe de uma organização criminosa”, afirma Legrand.
“Donald Trump agora tem tudo para ser o herói de uma nova parcela da série Narcos, pois transforma as relações internacionais, políticas e comerciais em um vasto campo de prevaricação, extorsão e ameaças violentas. O funcionamento mental do presidente americano é exatamente o de um chefe da máfia.”
“Agora ele está interferindo nos assuntos internos do Brasil e exigindo que seu aliado ideológico de extrema-direita Jair Bolsonaro não seja julgado pela Justiça de Brasília e que a Truth Social, sua rede social, que espalha notícias falsas e insultos públicos, não seja censurada no Brasil.”
“Recorde-se que o ex-presidente do Brasil está atualmente a ser julgado no seu país por corrupção e tentativa de golpe de Estado. Se as autoridades brasileiras não cumprirem as exigências imperialistas de Trump, as tarifas impostas ao maior país sul-americano aos Estados Unidos subirão para 50%.”
Para Legrand, Trump é um “Al Capone global”. Ele aponta que não é a primeira vez que o oligarca da Casa Branca usa “uma ameaça puramente econômica por motivos políticos que envolve interferência aberta”, lembrando a pressão que Trump exerceu sobre o judiciário israelense, que atualmente está julgando o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu por corrupção.
“O que é alucinante, e denota o fim dramático de qualquer forma de decoro nas relações internacionais por parte de Trump, é que ele se permite exigir que não apenas os executivos, mas também o judiciário de Israel e do Brasil, ajam de acordo com sua vontade, não respeitando suas próprias constituições”, ele conclui.
Se alguém tinha dúvida sobre esse caráter mafioso da investida de Trump contra o Brasil, o ex-guru do oligarca e ex-presidiário, Steve Bannon, cuidou de esclarecer, declarando em entrevista à jornalista Mariana Sanches, da UOL, o intento chantagista: “Derrubem o caso Bolsonaro e derrubamos as tarifas”.
NA CASA BRANCA, COMO NA MÁFIA
Nos Estados Unidos, a similaridade de Trump com os chefes da máfia também já foi várias vezes destacada, entre outros, pelo deputado Jamie Raskin, que preside o comitê judiciário democrata na casa, para quem “Trump dirige a Casa Branca como quem dirige a máfia”.
Raskin lembrou que a ex-estrela de reality show foi criado “no mundo sombrio do mercado imobiliário de Nova Iorque, ajudando-o a definir seu modus operandi”. Trump – acrescentou – também formou uma enorme rede de operadores políticos por meio de relacionamentos com as figuras-chave da cidade, algo que começou com seu pai, Fred Trump, que o orientou em um mundo onde “politicamente conectado” significava a capacidade de flexionar músculos financeiros para obter favores.
“A maioria das pessoas neste palco eu dei, só para você entender, muito dinheiro. … Eu dou a todos”, disse Trump uma vez durante um debate do Partido Republicano, mais uma vez mostrando suas conexões. Ele acrescentou na época: “Quando eles ligam, eu dou. E sabe de uma coisa? Quando preciso de algo deles … eles estão lá para mim.”
Mesma conclusão da respeitada revista norte-americana Vanity Fair: “A presidência do Poderoso Chefão: como o estilo de governo de Donald Trump imita a máfia”. Segundo a publicação, o modelo mais preciso para entender o durão transacional na Casa Branca é o ponto fraco politicamente conectado do setor imobiliário de Nova York dos anos 1970 e 80.
“MÉTODOS MAFIOSOS”, DENUNCIA ALBANESE
Essa característica de “padrinho mafioso” também veio à mente da Relatora Especial da ONU sobre os Direitos Humanos dos Palestinos, Francesca Albanese, ao ser sancionada por Washington por seu relatório denunciando o genocídio perpetrado por Israel em Gaza (aliás, com bombas fornecidas pelos EUA).
A maneira como os EUA estão tentando silenciá-la e a todos aqueles que denunciam o genocídio contra os palestinos cometido por Israel a lembra dos “métodos da máfia”, disse Albanese.
Ela lembrou que veio de um país “onde juízes, advogados e ativistas como [Giuseppe] ‘Peppino’ Impastato, Giovanni Falcone e Paolo Borsellino [políticos e advogados famosos que se tornaram símbolos da luta contra a máfia italiana] foram mortos por seu compromisso com a justiça”.
Albanese disse saber exatamente “o que as pessoas arriscam quando se opõem às grandes potências”, acrescentando que também sabe que tais métodos só funcionam se os afetados cederem a eles — o que “não fará”.
À semelhança do Libé – como popularmente é conhecido o jornal fundado por Jean-Paul Sartre – outro jornal francês, Les Echos, especializado em economia, descreveu o ataque tarifário de Trump contra o Brasil como uma “tentativa de extorsão” para “interferir na política interna”, e ressaltou que “o Brasil de Lula responde às taxas impostas por Donald Trump”.
O artigo, assinado por sua correspondente em Nova York, Solveig Godeluck, relata que o chefe da Casa Branca exige que o ex-presidente Jair Bolsonaro, seu aliado, não seja julgado por tentativa de golpe militar e que plataformas digitais americanas que difundem conteúdos duvidosos e antidemocráticos não sejam censuradas. E completa dizendo que “Lula subiu no ringue, ignorando a ameaça”.