Jornalista palestina denuncia “escalada do genocídio em Gaza e na Cisjordânia”

Participaram do debate (a partir da direita) Thiago Tanji, presidente do Sindicato dos Jornalsitas de SP; Mariana Conti, Psol;Kais Husseisn (jornalista da Fepal; João Aguiar (PT), jornalista palestina Sarah e Aldo Cordeiro, Editorial Contrabando (fotos de LWS)

Em debate no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, Sarah Abu Alrab alertou que os meios de comunicação predominantes têm liberada a entrada pelo governo de Israel  “para servir como espaço de propaganda do Estado e do exército, contrariando os fatos e a verdade”

“Israel sempre prendeu e assassinou a população palestina, mas nos últimos dois anos temos uma escalada do genocídio em Gaza e na Cisjordânia. Se antes eram os soldados que impediam a colheita de azeitonas na região de Ramalah, hoje bastam crianças dos assentamentos de colonos, pois vêm armadas com fuzis”.

O relato é da jornalista palestina Sarah Abu Alrab,em visita a São Paulo , presenete a um debate na noite de sexta-feira (19) no Sindicato da categoria na capital paulista.

Conforme a jovem repórter houve uma redução drástica do espaço para exercer a profissão, com a Faixa de Gaza completamente sitiada e a Cisjordânia 80%  controlada, com as pessoas confinadas em bolsões separadas por postos de controle militares-policiais israelenses, que ficaram conhecidos pela famigerada palavra inglesa de “checkpoints “.

Sarah explicou que o cerceamento e terrorismo de Estado exercidos por Israel é visivelmente imposta: “todos os que dão voz a uma denúncia concreta passam a ser alvo de perseguição”.

JORNALISTA DESCREVE PERSEGUIÇÃO AOS QUE DENUNCIAM

Segundo ela, grande parte da imprensa que o governo israelense libera para entrar nos territórios ocupados, chega “para servir como espaço de propaganda do Estado e do exército, contrariando os fatos e a verdade”.

“Há inúmeros casos de racismo e de supremacia branca que passam desapercebidos, também somos desumanizados e apontados como terroristas. São jornalistas internacionais que cometem erros crassos ou de forma recorrente se utilizam de fatos que não são reais para construir histórias. Como profissional, isso torna nossa condição de sobrevivência  cada dia mais difícil”, assinalou.

De acordo com Sarah, em Gaza a situação é ainda pior. “Se na Cisjordânia se consegue sobreviver por uma questão de sorte, em Gaza é uma questão de vida ou morte. “Na Cisjordânia você diz ‘Olá, tudo bem?’ Em Gaza a pergunta é se sobrou alguém vivo”, desabafou.

Agradecendo a presença das lideranças e do público presente, Sarah enfatizou que a energia canalizada é um forte estímulo e servirá “para continuar lutando por um jornalismo que cumpra o seu papel, desconstruindo a narrativa israelense de mentiras”.

“POLÍTICA DE MORTICÍNIO DELIBERADO”

O presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP), Thiago Tanji, saudou o exemplo de Sarah, lembrando o risco que representa para um profissional palestino se confrontar “com uma política de morticínio deliberado aplicada pelo Estado de Israel”.

“O inaceitável ataque aos jornalistas em Gaza e na Cisjordânia, chegou ao cúmulo em que os coletes com a palavra “Imprensa” estampados para dar livre e protegido trânsito aos jornalistas, lá se tornaram em alvos das tropas de ocupação e extermínio”, denunciou Tanji.

“É preciso registrar que nem durante a Segunda Guerra houve tantos jornalistas assassinados, colegas que estavam portando capacetes e colete com os dizeres Press, claramente identificados, amparados por acordos, por legislação internacional. O fato é que são profissionais que saem para exercer o seu trabalho mas não sabem se vão voltar”, acrescentou.

Vereadora de Campinas pelo PSOL, Mariana Conti, que participou da mais recente flotilha de apoio à Gaza, frisou que são a desinformação e a manipulação que levam pessoas a portarem a bandeira de Israel em atos, “pois ela está carregada de neofascismo”. Na verdade, condenou, “os Estados Unidos criaram um regime nazifascista para chamar de seu, carregado de limpeza étnica”. “E agora querem ditar as regras também em toda a América Latina revivendo a sua doutrina Monroe, cercando a Venezuela, atacando a soberania dos nossos povos”.

Em seu pronunciamento, Kais Husein, jornalista da Federação Árabe Palestina do Brasil (Fepal) recordou que no momento em que estamos assistindo um “holocausto televisionado”, “neutralidade torna-se cumplicidade”. A política de Israel, sublinhou, “é de eliminar os profissionais claramente identificados por lutarem contra o apartheid para silenciar o presente e invisibilizar o futuro”.

“Fazer jornalismo em meio a um genocídio não é manter distância emocional. É manter proximidade com os fatos, mesmo quando eles desestabilizam convenções profissionais. O jornalismo não será julgado pelo equilíbrio retórico de suas manchetes, mas pela clareza com que nomeou crimes enquanto eles aconteciam. A história não perguntará se a imprensa foi cautelosa. Perguntará se ela foi honesta. E, diante da Palestina, essa resposta ainda está em aberto”, concluiu Husein.

A mesa foi coordenada por João Aguiar do Núcleo Palestina do PT. Ele fez parte da delegação brasileira que participou da Flotilha que buscou enviar mantimentos humanitários para Gaza, ainda sob cerco e bombardeio. Aguiar chegou a ser detido pelas forças da ocupação israelense depois de ter o barco no qual navegava interceptado ao se aproximar do território palestino.

Aguiar ressaltou “a importância de estarmos recebendo a jornalista palestina em uma entidade como a sede sindical do jornalismo de São Paulo, pois é através do verdadeiro jornalismo que se pode fazer a verdade ecoar e, com isso, denunciar e isolar o genocídio para levantar o clamor mundial até fazer com que pare o massacre”.

Nathaniel Braia, editor internacional do jornal Hora do Povo, denunciou os “constantes ataques de assaltantes de terras que setores da imprensa denominam pelo nome neutro de colonos, incendeiam casas e carros, matam ovelhas de pastores palestinos e atacam aos que fazem a colheita no olivais da Cisjordânia. Tudo para tornar inviável o estabelecimento de um Estado Palestino, conforme decidido pela esmagadora maioria dos países que integram a ONU”. Voltando-se para a jornalista Sarah, Braia lembrou que ela atua em um dos centros mais combativos da Resistência Palestina, a cidade de Jenin “onde foi assassinada a jornalista Shireen Abu Akle, quando transmitia para a Al Jazeera, durante uma razia das tropas de ocupação israelenses, exatemtne na mesma Jenin”. Braia declarou que as páginas do HP estão à disposição das denúncias provenientes dos jornalistas palestinos.

O evento teve a coordenação da Contrabando Editorial, apoio do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, do Núcleo Palestina do PT e a presença de ativistas do Vozes Judaicas pela Libertação e diretores do Sindicato dos Escritores do Estado de São Paulo.

Segue a íntegra da carta da Fepal sobre o jornalismo e a palestina, lida por Kais Hussein:

JORNALISMO NÃO É NEUTRO EM CONTEXTO DE GENOCÍDIO

Em situações de genocídio, o jornalismo deixa de ser apenas um campo profissional e se torna um ator político inevitável. Não por escolha ideológica, mas por posição histórica. A neutralidade, frequentemente invocada como virtude, torna-se, nesses contextos, uma forma sofisticada de cumplicidade.

O jornalismo moderno foi construído sob a promessa de mediação imparcial dos fatos. Essa promessa, no entanto, pressupõe condições mínimas de simetria: acesso à informação, possibilidade de verificação, liberdade de circulação e segurança para as fontes. Em Gaza, nenhuma dessas condições existe. Persistir na ideia de neutralidade, portanto, não é rigor técnico — é ficção editorial.

Quando uma ocupação colonial controla o território, bloqueia jornalistas estrangeiros, destrói redações, assassina repórteres locais e administra a fome como arma, o jornalismo não pode se comportar como se estivesse cobrindo uma eleição ou uma disputa diplomática. O enquadramento técnico tradicional colapsa.

Nesse cenário, a pergunta não é se o jornalismo deve “tomar partido”, mas se ele está disposto a reconhecer quando sua linguagem, suas escolhas editoriais e seus silêncios operam a favor do perpetrador do crime.

DESTRUIÇÃO DA IMPRENSA PALESTINA COMO POLÍTICA DE ESTADO COLONIAL

O assassinato sistemático de jornalistas palestinos não pode ser analisado como uma sucessão de tragédias individuais. Trata-se de uma política estruturada de eliminação da capacidade palestina de produzir informação, memória e prova.

O número de jornalistas palestinos assassinados em Gaza desde outubro de 2023 supera qualquer registro contemporâneo em conflitos armados. Mais do que a escala, o método revela intencionalidade: mortes em casas identificadas, bombardeio de sedes de veículos, ataques a tendas de imprensa, eliminação de profissionais claramente identificados como jornalistas.

Essa política opera em consonância com outras medidas: a proibição da entrada de correspondentes estrangeiros independentes, a destruição de arquivos audiovisuais e a criminalização retrospectiva de jornalistas mortos, frequentemente rotulados como “ligados ao terrorismo” após serem assassinados.

O objetivo não é apenas silenciar o presente, mas inviabilizar o futuro. Um genocídio sem registros é um genocídio com maior chance de impunidade.

O JORNALISTA PALESTINO COMO ÚLTIMA LINHA DE VERIFICAÇÃO

Com a exclusão da imprensa internacional, os jornalistas palestinos tornaram-se a última linha de verificação independente em Gaza. Eles não apenas produzem conteúdo; eles sustentam a própria possibilidade de conhecimento sobre o que ocorre no território.

Essa posição extrema transforma o exercício do jornalismo em Gaza numa atividade de risco absoluto. O jornalista não atua sob proteção institucional, não tem rotas de evacuação, não dispõe de equipamentos adequados nem de garantias mínimas de sobrevivência.

Ainda assim, é essa imprensa que fornece as imagens, os dados, os testemunhos que abastecem redações internacionais. Paradoxalmente, ela é tratada como fonte descartável: sua morte é noticiada, quando muito, como rodapé.

Esse desequilíbrio revela uma hierarquia colonial da credibilidade jornalística: jornalistas palestinos produzem informação válida apenas enquanto vivos. Mortos, tornam-se estatística.

O VOCABULÁRIO COMO DISPOSITIVO DE ENCUBRIMENTO

A cobertura midiática internacional falha não apenas pelo que omite, mas pelo vocabulário que escolhe.

O uso reiterado de termos como “conflito”, “escalada de violência” ou “operações militares” não é tecnicismo. É enquadramento político. Esse vocabulário dilui responsabilidades, apaga a assimetria estrutural e transforma limpeza étnica em evento contingente.

Para jornalistas, isso não é detalhe semântico. É método de construção da realidade. Ao evitar a palavra genocídio, mesmo diante de relatórios, dados e padrões claros, a imprensa não está sendo cautelosa — está atrasando deliberadamente o reconhecimento histórico do crime.

O jornalismo não apenas informa o presente; ele molda o arquivo do futuro. E arquivos enviesados produzem justiça tardia ou inexistente.

A FOME, O SILÊNCIO E A FALÊNCIA DA COBERTURA HUMANITÁRIA

O uso da fome como arma de extermínio é uma das características mais documentadas do genocídio em Gaza. Ainda assim, a cobertura midiática internacional trata a fome como “crise humanitária”, desvinculada de decisões políticas concretas.

Esse deslocamento semântico transforma crime em desastre natural. Retira o agente do centro da narrativa e o substitui por abstrações.

Para o jornalismo, isso representa uma falência grave: a incapacidade de conectar causa e consequência. Fome não acontece em Gaza; ela é produzida, administrada e mantida pela ocupação israelense com apoio logístico e político internacional.

O silenciamento da imprensa palestina ocorre precisamente no momento em que essa fase do genocídio se intensifica. Não é coincidência. É cálculo.

A MÍDIA OCIDENTAL COMO INFRAESTRUTURA DE LEGITIMAÇÃO

A mídia ocidental não atua apenas como transmissora de informações, mas como infraestrutura de legitimação política.

Ao priorizar fontes oficiais da ocupação, ao tratar denúncias palestinas como “alegações”, ao exigir níveis de prova inalcançáveis em território sitiado, ela constrói um padrão assimétrico de credibilidade.

Esse padrão não é neutro. Ele favorece sistematicamente o perpetrador e enfraquece a vítima. No caso do jornalismo, isso significa participar ativamente da produção de consentimento para o genocídio.

No Brasil, essa lógica se reproduz com particular intensidade. A autocensura, o alinhamento editorial e a reprodução acrítica de narrativas internacionais colocam a imprensa brasileira não como observadora, mas como agente secundário do apagamento.

JORNALISMO, RESPONSABILIDADE HISTÓRICA E O TESTE DA

PALESTINA

A Palestina se tornou o maior teste contemporâneo do jornalismo enquanto prática ética.

Não porque seja o único genocídio em curso, mas porque é o mais documentado — e, paradoxalmente, o mais negado.

O assassinato de jornalistas em massa não é apenas um ataque à imprensa palestina. É um ataque à própria ideia de jornalismo como campo autônomo de produção da verdade.

Se o jornalismo aceitar que seus pares sejam exterminados sem reação estrutural, se aceitar que a verdade seja filtrada por comunicados militares, se aceitar que genocídio seja tratado como controvérsia semântica, então ele terá falhado não apenas com a Palestina, mas consigo mesmo.

CONCLUSÃO: O QUE SIGNIFICA FAZER JORNALISMO EM UM

GENOCÍDIO

Fazer jornalismo em meio a um genocídio não é manter distância emocional. É manter proximidade com os fatos, mesmo quando eles desestabilizam convenções profissionais. O jornalismo não será julgado pelo equilíbrio retórico de suas manchetes, mas pela clareza com que nomeou crimes enquanto eles aconteciam. A história não perguntará se a imprensa foi cautelosa. Perguntará se ela foi honesta. E, diante da Palestina, essa resposta ainda está em aberto.

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