Jornalistas estrangeiros que entraram em Douma na segunda-feira (14) – entre eles aquele que é o mais laureado correspondente inglês no exterior, Robert Fisk – se chocaram abertamente com a ‘narrativa’ de Washington sobre ‘o ataque com gás’, após andarem livremente pela cidade e conversarem com moradores, desmantelando o pretexto de Trump e seus poodles para bombardear a Síria.
A delegação era integrada por Fisk, que escreve no Independent, por uma equipe da Agência France Presse (AFP), pela tevê alemã N-TV, por Pearson Sharp, do canal de TV de internet OAN (Califórnia), e também repórteres russos e sírios. Depois de chegarem a Douma, a maioria dos jornalistas preferiu dispensar a escolta militar e pôde percorrer à vontade a cidade recém libertada e conversar com quem quisesse.
As condições em que esses jornalistas puderam fazer suas averiguações e formar convicções é assim descrita por Fisk: “caminhei por esta cidade bastante livremente ontem sem qualquer soldado, policial ou monitor no meu encalço, apenas dois amigos sírios, uma câmera e um notebook”. Profundo conhecedor da realidade do Oriente Médio, Fisk chamou seu artigo de “Em busca da verdade em Douma”, que tem no testemunho de um médico de uma clínica subterrânea a poucos metros do local do suposto ‘incidente’, o Dr. Rahaibani, de 58 anos, talvez o maior relevo.
Após dizer a Fisk que o “vídeo” era “genuíno”, ele no entanto acrescenta “algo profundamente desconfortável” – nas palavras do veterano jornalista. “Os pacientes não foram suplantados por gás mas por falta de oxigênio nos túneis e porões cheios de entulho em que vivem, numa noite de vento e bombardeio pesado que causou uma tempestade de poeira”.
Fisk é cuidadoso em notar que o médico chama os jihadistas de “terroristas” – termo que “muita gente na Síria usa” mas que também é a denominação do regime “para seus inimigos”. E também em que foi o próprio Rahaibani que lhe disse que não estava na clínica naquela noite.
“Eu estava com minha família no porão da minha casa a trezentos metros daqui naquela noite, mas todos os médicos sabem o que aconteceu. Havia muito bombardeio [pelas forças do governo] e os aviões sobrevoaram Douma a noite toda – mas nessa noite, havia vento e enormes nuvens de poeira começaram a entrar nos porões onde as pessoas moram. As pessoas começaram a chegar aqui sofrendo de hipoxia, falta de oxigênio. Então alguém à porta, um “Capacete Branco”, gritou “Gás!” e o pânico começou. Pessoas começaram a jogar água umas sobre as outras . Sim, o vídeo foi filmado aqui, é genuino, mas o que você vê são pessoas sofrendo de hipoxia – não de envenenamento por gás”.
“ASMA, NÃO GÁS”
Por sua vez, a equipe da AFP gravou entrevista com Marwan Jaber, um estudante de medicina, que estava de plantão no dia do “incidente”, e afirmou que algumas das vítimas “sofriam de asma e inflamação pulmonar. Elas receberam tratamento de rotina e alguns até mesmo foram mandados para casa”. “Então, alguns estranhos entraram enquanto estávamos em estado de caos e jogaram água nas pessoas, e algumas delas estavam até mesmo filmando”.
Esses dois depoimentos convergem para o que já havia sido afirmado na investigação preliminar dos especialistas russos, imediatamente após a libertação de Douma. Não encontraram quaisquer sinais de ataque com gás, corpos de vítimas ou mesmo quem tivesse visto alguma coisa. Não havia sinais de gás nas amostras de terra colhidas.
Também haviam sido documentados os testemunhos de um médico e um estudante plantonista, com uma descrição similar à dos agora entrevistados pelos jornalistas estrangeiros, sobre estranhos que chegaram, começaram a gritar “gás!” e deflagraram as cenas de pânico convenientemente filmadas e que depois correram mundo. No caos que se seguiu, a equipe médica sequer se apercebeu da filmagem.
Também a tevê alemã registrou a declaração de um médico local, de que “sábado, há uma semana, nós tratamos pessoas com problemas respiratórios, mas gás cloro ou envenenamento por gás – não, esses são sintomas diferentes”.
O repórter norte-americano Sharp relatou que os jornalistas puderam ver o local do alegado ‘incidente’, visitar o hospital mostrado no vídeo e conversar com cerca de 40 moradores, que não tinham visto nem ouvido nada sobre o suposto ataque químico. Ao perguntar às pessoas então o que elas achavam que tinha acontecido, a resposta recebida era “um embuste”, porque “os rebeldes estavam desesperados e queriam tirar o exército sírio para poder escapar”.
Houve aqueles que mantiveram a versão de Washington, no caso, a Associated Press, que jura ter ouvido testemunhas de que “houve o ataque químico”. A equipe da tevê alemã encontrou um cidadão que, sem mostrar o rosto, asseverou ter “cheiro de gás cloro” naquela noite. Outro entrevistado disse ter sentido o “cheiro de cloro”, mas ficou bom depois de tomar um copo de água.
Sobre a impressão que lhe foi causada pela população recém-libertada: “felizes de ver estrangeiros entre eles, mais felizes ainda que o cerco tenha finalmente acabado”. Fisk se referiu, ainda, a “tantas pessoas” em Douma que lhe disseram que “nunca acreditaram” nas histórias de gás – que, clamaram, partiram dos grupos islamistas armados.
Para ele, a verdadeira história de Douma é da população que decidiu não partir nos ônibus da retirada. Por anos, a população de Douma teve de conviver forçadamente com os jihadistas, sobrevivendo como trogloditas em túneis e cavernas, até três andares abaixo do solo, escavados por prisioneiros. Como uma mulher contou ao correspondente inglês, todos os membros dos ‘Capacetes de Branco’ de Douma partiram, junto com os grupos armados, para Idlib nos termos do acordo de retirada.
ANTONIO PIMENTA