
“Silenciar o relato em primeira mão de uma criança sobre a sobrevivência em Gaza, onde mais de 13 mil crianças foram mortas desde Outubro de 2023, é censura e racismo”, afirma carta de mais de 850 profissionais de mídia e do cinema britânico, repudiando a ocultação pela BBC do documentário “Gaza: How to Survive a War Zone” [Gaza: Como Sobreviver numa Zona de Guerra]
Mais de 850 profissionais da mídia e do cinema britânico dirigiram uma carta à BBC, acusando-a de «racismo» e «censura», depois que tirou do ar um documentário, “Gaza: How to Survive a War Zone” [Gaza: Como Sobreviver numa Zona de Guerra], que expõe o impacto brutal sobre as crianças palestinas causado pela ofensiva genocida israelense no enclave.
Produzido pela própria BBC, o documentário foi transmitido no dia 17 de fevereiro no canal 2 da emissora, disponibilizado no streaming e, depois, sob pressão de Israel, censurado e tirado do ar.
A BBC anunciou que o documentário deixaria de estar acessível na sua plataforma de streaming enquanto estivessem ocorrendo “verificações adicionais”.
“Silenciar o relato em primeira mão de uma criança sobre a sobrevivência em Gaza, onde mais de 13 mil crianças foram mortas desde Outubro de 2023, não é uma questão de conformidade, mas de apagar o sofrimento palestino”, afirmaram os profissionais de mídia e cinema britânicos, denunciando cumplicidade da BBC.
A realizadora Jasleen Kaur Sethi, que subscreveu a missiva, disse que “no cerne deste filme estão as crianças que sobrevivem numa zona de guerra e, como documentaristas, temos o dever sacrossanto de as proteger», acrescentando que «a campanha para desacreditar este filme as desumanizou e, de forma vergonhosa, arrisca pôr as suas vidas e segurança em perigo”.
Os signatários lembram à estação britânica o dever de “resistir à pressão política que visa suprimir as narrativas que humanizam os palestinos”.
“Este filme é uma peça essencial do jornalismo, oferecendo uma perspectiva rara sobre as experiências vividas por crianças palestinas que vivem em circunstâncias inimagináveis, o que amplifica vozes muitas vezes silenciadas. Merece reconhecimento, não censura com motivação política», declaram os signatários, em referência à ingerência daqueles que são investigados, pela mais alta corte de justiça internacional, exatamente pelo genocídio e limpeza étnica que perpetram em Gaza”, prossegue a carta.
“Como profissionais dos meios de comunicação social, estamos extremamente alarmados com a intervenção de atores políticos, incluindo diplomatas estrangeiros, e com o que isso significa para o futuro da radiodifusão neste país”, alertam os signatários, que consideraram a decisão da BBC como “sem precedentes”.
Em particular, os signatários mostram-se indignados com o fato de que a censura à exposição desses crimes de guerra seja perpetrada atacando uma das crianças mostradas no documentário.
“Enquanto profissionais da indústria que criam histórias para o público britânico, incluindo para a BBC, condenamos a instrumentalização da identidade de uma criança e a insinuação racista de que as narrativas palestinas devem ser examinadas através de uma lente de suspeita”, afirma a carta.
“Se todos os documentários realizados em zonas de conflito fossem sujeitos a este nível de escrutínio politizado em relação aos colaboradores, a produção cinematográfica nestas áreas tornar-se-ia praticamente impossível”, sublinham.
A carta também denuncia a campanha lançada para desacreditar o documentário por nele ser dada voz a Abdullah al-Yazouri, uma criança de 14 anos, cujo pai foi vice-ministro da Agricultura no enclave cercado.
A este propósito, os signatários sublinham que “confundir tais papéis de governação em Gaza com terrorismo é factualmente incorreto e desumanizante”, acrescentando que “esta retórica generalizada pressupõe que os palestinos que ocupam cargos administrativos são inerentemente cúmplices da violência – um racismo que nega aos indivíduos a sua humanidade e o direito de partilhar as suas experiências vividas”.
“Enquanto jornalistas e cineastas, temos o dever de ajudar a contar a sua história e foi isso que este filme fez de forma tão brilhante”, disse Liam O’Hare, realizador e produtor de documentários, também signatário da carta. Ele instou a BBC “a não permitir” que uma campanha incidiosa “tenha êxito em silenciar as crianças de Gaza».