O diplomata brasileiro aposentado José Maurício Bustani, que conheceu de perto a truculência e falta de escrúpulos do recém demitido conselheiro de Segurança Nacional do governo Trump, John Bolton, disse em entrevista a Renata Sanches, do Estado de São Paulo, que ele “já vai tarde”.
Foi Bolton, quando era um dos mentores da guerra ao Iraque no governo de W. Bush, que perseguiu Bustani, então o primeiro brasileiro a dirigir uma organização internacional, a Organização para a Proibição de Armas Químicas (Opaq), chegando ao extremo de ameaçar sua família, até forçar sua demissão arbitrária.
O brasileiro se tornara um obstáculo à invasão planejada em Washington, já que trabalhava para a adesão do Iraque à Convenção das Armas Químicas, como se dispunha então o líder Saddam Hussein – o que teria desmoralizado o pretexto para o ataque norte-americano, as inexistentes ‘armas de destruição em massa’. Bustani havia sido eleito em 1997 e reeleito em 2000; foi o primeiro afastamento na história da ONU de um diretor em meio de mandato.
Como relatou Bustani, sua experiência com Bolton “foi traumática”. “Esse homem foi me visitar lá em Haia (sede da Opaq), uma história que está sendo contada em um documentário do cineasta José Joffily. Ele chegou na minha sala, me ameaçou, me deu 24 horas para abandonar a organização e ameaçou minha família. Disse que sabia onde moravam os meus filhos, que iriam atrás deles. Foi de uma violência inédita”.
“Nunca houve uma destituição como aquela” em um organismo internacional, destacou o diplomata. “Tanto que recorri à Organização Mundial do Trabalho e ganhei a causa. Hoje, não se pode mais mexer com nenhum diretor de organismo internacional”. Ele era o primeiro brasileiro diretor de um organismo internacional. O segundo é Roberto Azevêdo, da Organização Mundial do Comércio (OMC).
No entender de Bustani, “talvez com o discurso de campanha de Trump fizesse sentido ter Bolton como conselheiro de Segurança Nacional, porque era um discurso machista e belicoso”. “Como aqui temos a “bancada da bala”, lá Bolton era parte da “bancada da bomba” – compara.
“É um homem que só resolve os problemas com agressão, guerra e ataque. Várias vezes, ele instigou a questão do Iraque. Ele queria muito que Trump fizesse a mesma coisa com o Irã. Ele já foi tarde. Gostaria que ele tivesse sido demitido antes”, ressaltou.
Para Bustani, a explicação pela demissão de Bolton passa pelo fato de que “Trump está em campanha para a reeleição”, em que “o esfacelamento do Partido Democrata nos EUA” é um dos fatores centrais. “Trump não está interessado em provocar nenhum tipo de conflito armado agora, coisa que o Bolton gostaria muito de fazer. Bolton boicotou toda a negociação no Afeganistão, por exemplo”, apontou.
“Não é essa a agenda do Trump, que está preocupado em enfraquecer o Partido Democrata com suas fragilidades internas”, acrescentou o diplomata, revelando já esperar pela demissão.
“Bolton é sempre demitido, afastado do poder. É uma constante”. Bustani se referiu, então, ao conhecido episódio em que o presidente Jair Bolsonaro bateu continência para Bolton. “Ele já era fraco naquele momento. Não sou embaixador em Washington, mas conheço e já sentia que Bolton era uma figura vulnerável. Mas ele foi tratado com tapete vermelho, infelizmente”, numa exposição “inútil”. “Bolton era uma pessoa descartável e seria dispensada eventualmente. Foi uma falta de avaliação do Itamaraty de se perceber isso”.
Segundo Bustani, para o Brasil a queda de Bolton “não muda muito”, por causa de “ligação umbilical que esse governo tem com Washington”, o que considera “um erro”. Sem excluir uma “relação maravilhosa” com os EUA, o experiente diplomata sublinhou que “é preciso ter espírito crítico”. “Tem Europa, China, vários parceiros políticos e comerciais importantíssimos. Não se pode selecionar apenas um país”, reiterou.
Quanto a quem substituirá Bolton, Bustani avaliou que, se Trump teve a clareza de demiti-lo, “ele não colocará nenhuma pessoa da ‘bancada da bomba’ no lugar. Deve colocar alguém mais sensato”.
A relação entre a demissão de Bolton e a disposição de Trump em buscar outra via em relação ao Irã também foi abordada por Bustani.
“Bolton não queria outra coisa a não ser levar até às últimas consequências a questão do Irã. Ele tem uma obsessão enorme com o Oriente Médio, desde o Iraque”. O diplomata observou que o Irã estava seguindo o pacto sob o controle da agência atômica e estava “tudo bem”. Foi Trump que interrompeu esse acordo, “o que foi um erro”.
Bustani destacou, ainda, que “os europeus estão trabalhando intensamente, porque interessa ao mundo que se consiga manter a situação do Irã sob controle”. “Fico muito contente que ele tenha ido embora”, enfatizou, dizendo esperar que “venha um momento de calma e talvez de um acerto que a União Europeia está querendo fazer com os americanos em relação à questão iraniana”.
“Foi uma falta de avaliação do Itamaraty de se perceber isso” .
O Bustani,é um cavalheiro mesmo…