Muito antes dos senadores, rascunhos de emendas para alteração de uma medida provisória (MP) que estava em discussão no Congresso foram enviados pelo senador Romero Jucá (RR), presidente do MDB, para a empreiteira Odebrecht analisar primeiramente.
Era a MP 651 – que se tornou a lei nº 13.043 de 13/11/2014 – e ficou conhecida como “pacote de bondades”. Ela alterava regras do mercado financeiro e tratava de tributação. O texto recebeu 23 emendas de Jucá, das quais sete foram aprovadas totalmente ou em parte. Uma das medidas sugeridas por Jucá que não foram aceitas foi apresentada em outra MP (656) e visava a redução de alíquotas de PIS e Confins, também de interesse da Odebrecht.
Em março deste ano, a Primeira Turma (ministros Marco Aurélio Mello, Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Rosa Weber e Luís Roberto Barroso) do Supremo Tribunal Federal (STF) tornou Jucá réu por crime de corrupção e lavagem de dinheiro ao receber propina de R$ 150 mil da Odebrecht em troca de inserir itens de interesse da empreiteira em duas MPs em tramitação no Congresso.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) para anexar e-mails apresentados por delatores da empreiteira nesta ação, entre eles o próprio Marcelo Odebrecht.
Um desses e-mails anexados pela PGR contém os rascunhos enviados à Odebrecht pela então assessora de Jucá, Mariângela Fialek, em 2014. Ela agora trabalha, desde maio de 2016, como subchefe de assuntos parlamentares da Secretaria de Governo da Presidência da República.
Carlos Fadigas, então presidente da Braskem, braço petroquímico da Odebrecht, relatou em 30 de setembro de 2014 em e-mail enviado a executivos da empreiteira que procurava conseguir a redação da MP 651 para garantir que ela atendia as exigências da empreiteira.
“A assessoria do relator RJ esteve com Dyogo, que disse que nossos pontos estão incluídos (inclusive nafta). Estamos tentando obter a última redação para entender se a redação de fato nos atende. Devemos ter mais informações até amanhã”, escreveu Fadigas. “RJ” é Romero Jucá.
Em 2 de outubro de 2014, Fadigas diz em novo e-mail enviado a Marcelo Odebrecht que “a emenda foi entregue ao deputado Newton Lima Neto e Romero Jucá”.
Newton Lima (PT-SP) era o relator da medida provisória na comissão especial criada no Congresso para analisar a proposta. Jucá era o presidente da comissão.
Em 7 de outubro, o então diretor de Relações Institucionais da Odebrecht, Cláudio Melo Filho, informou que se reuniria com o senador do MDB para discutir o tema. Segundo o Melo Filho, os interlocutores da Odebrecht no Ministério da Fazenda informaram que havia problemas com o benefício, mas a emenda seria mantida.
“A orientação veio de Jucá. Acha que ou passamos agora ou vamos perder a oportunidade”, escreveu Cláudio Melo em um dos e-mails.
No dia 7 de outubro de 2014, Eduardo Bezerra, funcionário da direção de Relações Institucionais da empreiteira, enviou um e-mail a Cláudio Melo Filho com o tema “Parecer MP 651 versão para envio Comissão Mista”.
No mesmo dia, minutos depois, os executivos envolvidos na discussão comentaram o texto reclamando de mudanças e exclusões de temas considerados importantes para a Odebrecht.
No dia seguinte, o executivo Maurício Ferro enviou e-mail a todos os envolvidos ressaltando que seria “importante incluir e RJ manter o discurso que é ele quem quer”.
Um dia depois, Cláudio Melo Filho informou à direção da Odebrecht que o senador do MDB era o relator de outra medida provisória, a 656, e que incluiria os pontos excluídos de interesse da empreiteira no outro texto.
De acordo com os e-mails anexados, Jucá apresentou no dia seguinte o parecer aos integrantes da comissão especial que analisava a MP incluindo uma emenda apresentada por ele próprio que atendia parcialmente os interesses da Odebrecht.
À noite, Mariângela Fialek enviou a Eduardo Bezerra o texto do parecer votado naquele dia. No e-mail, a então funcionária do gabinete de Jucá encaminha um documento enviado anteriormente a servidores do Ministério da Fazenda com orientações sobre uma errata ao relatório.
A errata só foi apresentada aos parlamentares no dia seguinte por Jucá, segundo confirmam registros oficiais do Senado. A MP foi aprovada e, no mesmo dia da votação, Eduardo Bezerra enviou e-mail aos executivos da construtora afirmando que o contato com “RJ” foi decisivo.
Durante a negociação para a formatação da MP da Odebrecht, Cláudio Melo Filho relatou a Marcelo Odebrecht que Jucá lhe pediu ajuda financeira para campanha de seu filho, Rodrigo Jucá, candidato a vice-governador em Roraima
Melo para Marcelo Odebrecht em 23 de outubro de 2014:
“O Sen Juca acabou de me ligar pedindo uma ajuda na briga dele/filho Vice Gov no Estado. (…0 Temos como ajudar com alguma coisa??”.
Marcelo procura saber de Melo quanto seria a doação:
“entre 150 e 200, acho que resolve, pois ele agradeceu muito o apoio que demos, mas me disse que diante do problema, poucos são aqueles que ele pode pedir ajuda.”
Melo Filho fez o pagamento da propina ao filho de Jucá em 24 de outubro, disfarçada de doação oficial. Dias depois, Melo Filho fez questão de destacar o papel decisivo de Jucá na atuação dos interesses da empreiteira no Congresso: “Ressalto o posicionamento forte do sen Juca para que fosse aprovado, pois a oposição lutou muito para reverter”.