Em ofício dirigido a Gilmar Mendes, que soltou, em poucos dias, 19 dos presos da quadrilha de Sérgio Cabral, o juiz federal Marcelo Bretas afirmou:
“… casos de corrupção e delitos relacionados não podem ser tratados como crimes menores, pois a gravidade de ilícitos penais não deve ser medida apenas sob o enfoque da violência física imediata.
“Os casos que envolvem corrupção de agentes públicos têm enorme potencial para atingir, com severidade, um número infinitamente maior de pessoas, bastando, para tanto, considerar que os recursos públicos que são desviados por práticas corruptas deixam de ser utilizados em serviços públicos essenciais, como saúde e segurança públicas e, no caso específico, educação.”
Gilmar Mendes respondeu, através de sua assessoria, que não iria comentar o ofício do juiz Bretas.
Abaixo, um resumo do ofício de Marcelo Bretas:
“Em decorrência das investigações realizadas”, relata o juiz, “foi possível identificar vários núcleos e operadores financeiros da referida organização criminosa, bem como a forma como ocultavam os proveitos do crime. Assim, na Operação Mascate foi apontado o esquema elaborado por Sérgio Cabral, com o auxílio de Ary Ferreira da Costa Filho e Carlos Miranda, para a lavagem de dinheiro provenientes do crime.
“… no curso dessas investigações foi revelado método de repasse ilícito, por meio da empresa Thunder Assessoria Empresarial, cujo sócio majoritário é Orlando Diniz [presidente da Federação do Comércio do Rio].
“Além disso, com o aprofundamento das informações trazidas no âmbito da Operação Calicute, foi verificado que o investigado [Diniz] possui estreita relação com os integrantes do referido esquema criminoso.”
BENEMÉRITO
Orlando Diniz é um dos patrocinadores da faculdade particular de Gilmar Mendes, o Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).
Porém, Mendes não achou que era suspeito libertar um corrupto que passou dinheiro para um instituto.
Assim, soltou Diniz porque, disse Mendes, “os fundamentos usados pelo magistrado de origem [Bretas], ao decretar a prisão preventiva, não se revelaram idôneos” e porque “muito embora graves, os crimes apurados na Operação Lava Jato e nas subsequentes operações foram praticados sem violência ou grave ameaça”.
Logo, idôneo é soltar ladrões somente porque têm dinheiro – e passam uma parte dele para arapucas de pseudo-ensino pertencentes ao ilustre ministro-relator. Mas foi “sem violência”, que eles arrancaram o dinheiro do povo para enfiar no próprio bolso…
Talvez o leitor não considere que isso é novidade. Mesmo assim, continua sendo uma indecência.
Vejamos quem é esse patrocinador de Mendes:
“… Orlando Diniz era integrante da organização criminosa”, mostra o juiz Bretas, “e participava tanto dos esquemas de dissimulação de capital, quanto financiava vantagens indevidas para a organização, por meios de contratações irregulares de funcionários no SESC/SENAC.
“… Orlando Diniz foi afastado das atividades das instituições, por decisão judicial, no final de 2017; contudo, continuava exercendo a administração de todo o sistema, o que estava a demonstrara necessidade imperiosa de sua segregação cautelar.
“… Sérgio Cabral, com o auxílio de Ary e Carlos Miranda, usavam mecanismos de branqueamento de capital, por meio de transferência de valores para algumas concessionárias de veículos que, posteriormente, repassavam tais montantes à empresa de propriedade de Carlos Miranda, retornando, dessa forma, o numerário à organização criminosa.
“No âmbito da referida operação, foi homologado acordo de colaboração premiada com Jaime Luiz Martins e com seu filho João do Carmo Monteiro Martins, ambos proprietários das concessionárias do grupo Dirija.
“Nos referidos depoimentos, foi relatado que, conforme acordado com Ary, algumas transferências foram direcionadas para a Thunder Assessoria Empresarial, cujo sócio administrador é Orlando Diniz.
“Segundo os colaboradores, também, a empresa de assessoria nunca prestou qualquer serviço para as concessionárias e os repasses eram realizados para devolver o numerário da organização criminosa, conforme acordado com Ary.
“… ditos colaboradores também informaram que, durante os anos de 2007 a 2011, Ary realizava a entrega de notas fiscais emitidas pela Thunder e as concessionárias transferiam recursos para a referida empresa.
“Eles afirmaram, ainda, que assinaram alguns documentos, também levados por Ary, dentre eles contratos da Thunder, para dar uma aparência de legalidade às transferências bancárias.
“… se identificou inúmeras transferências bancárias das concessionárias de veículos para a sociedade empresária de Orlando Diniz, que totalizam, no período de 2007 a 2011, o valor de R$ 1.422.000,00 (um milhão e quatrocentos e vinte e dois mil reais).
“Ademais, os registros telefônicos dão conta de dezenas de ligações de Orlando para Ary e Carlos Miranda, o que é capaz de confirmar o esquema engendrado.
“… Ary, Carlos Miranda e Sérgio Cabral foram condenados nos autos n° 0501853-22.2017.4.02.5101 (Operação Mascate), por delitos relacionados à lavagem de capital que envolviam concessionárias e a empresa de Carlos Miranda.
“Sob outra ótica, foi suscitada certa dúvida quanto à relação da Thunder com algumas empresas do setor de transporte rodoviário.
“Nesse sentido, fez-se menção ao apurado pelo Relatório IPEI n° RJ 2010027, em que a Thunder recebeu, entre os anos de 2007 a 2011, o total de R$ 1.595.840,80 (um milhão, quinhentos e noventa e cinco mil, oitocentos e quarenta reais e oitenta centavos) das empresas de ônibus Transportes América Ltda, Viação Rubanil Ltda, Transportadora Tinguá Ltda e Viação Madureira Candelária Ltda, sendo que tais empresas possuíam ligações societárias entre si e constam da relação da ‘caixinha’ da FETRANSPOR, fatos sob investigação na Operação Ponto Final.
“O depoimento de Carlos Miranda, prestado ao Ministério Público Federal, deu ênfase ao fato de que Ary, com a anuência de Sérgio Cabral, indicou as empresas de ônibus a Orlando Diniz para que este pudesse dissimular o capital desviado das instituições.
“Somou-se a isso, o fato da pessoa jurídica Thunder, no período de 2007 a 2015, ter apresentado apenas um empregado cadastrado, o que por si só já causa estranheza quanto à capacidade de realizar todas as atividades de consultoria às concessionárias de veículos e às empresas de ônibus.
“… a Receita Federal apurou que Orlando Diniz, durante os governos de Sérgio Cabral (2007 a 2014), passou a integrar o quadro societário de cinco empresas distintas, aumentando sobremaneira o seu patrimônio.
“… os elementos de prova coligidos indicaram que Orlando Diniz utilizava de sua atividade empresarial para fomentar os negócios da organização criminosa e, ao mesmo tempo, se beneficiava dos esquemas engendrados pelo esquema espúrio para ocultar o capital público desviado para si.
ANCELMO
“Orlando Diniz (…) contratou serviços de escritório de advocacia, incluindo o de Adriana Ancelmo [mulher de Sérgio Cabral], sem a necessidade de aprovação dos demais administradores.
“No acordo de colaboração de Álvaro Novis [doleiro] restou também esclarecido que Orlando Diniz tinha a conta de codinome ‘Leblon’ e possuía crédito com o esquema criminoso, tanto que em uma dada oportunidade chegou a retirar R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), que foram entregues por funcionário a Álvaro Novis.
“Rememore-se que esse último foi apontado como doleiro e operador financeiro da organização criminosa, e, ao que tudo indica, fazia a intermediação de numerários entre os setores empresariais e os agentes públicos.
O JURÍDICO
“… nos anos de 2012 a 2017, a FECOMERCIO e as entidades SESC e SENAC tiveram enormes gastos com serviços de escritórios de advocacia, na cifra superior a R$ 180.000.000,00 (cento e oitenta milhões de reais).”
Entre os escritórios contratados por Orlando Diniz está o do cumpadre de Lula, Roberto Teixeira, e seu advogado, Cristiano Zanin.
Mas, continuemos com o ofício do juiz Bretas a Gilmar Mendes:
“… o que despertou a maior atenção deste juízo foi o pagamento de R$ 19.879.160,05 (dezenove milhões, oitocentos e setenta e nove milo, cento e sessenta reais e cinco centavos) ao escritório de ANCELMO ADVOGADOS, entre os anos de 2014 e 2017, mormente quando com tal informação é analisada em conjunto com o depoimento da gerente das entidades, Verônica de Faria Gomes, especialmente no trecho abaixo:
“… em relação ao escritório ANCELMO ADVOGADOS jamais houve qualquer reunião com pessoas desse escritório, e imagina que, se houvesse, teria presenciado, já que participava das que haviam; nunca viu qualquer ato do escritório ANCELMO ADVOGADOS que pudesse ser interpretado como serviços prestados à FECOMÉRCIO; depois da prisão de ADRIANA ANCELMO soube que pessoas do escritório dela foram na FECOMÉRCIO”
“… Adriana Ancelmo foi condenada na Operação Calicute por empregar seu escritório, ANCELMO ADVOGADOS, como instrumento de lavagem de dinheiro.
“Além disso, ela ainda responde a outros processos neste Juízo por dissimulação de capital de outras empresas por meio de seu escritório (Operação Eficiência).
“… foram contratadas pelo SESC/SENAC: Ana Rita Menegaz e Sônia Ferreira Baptista, chefe de cozinha e governanta, respectivamente, da residência de Sérgio Cabral.
“A primeira foi contratada pelo SENAC em 12/03/2007 e permaneceu até 23/05/2017, com remuneração inicial na média de R$ 8.000,00 (oito mil reais) por mês, que foi constantemente atualizada até o valor o último salário, de R$ 18.248,00 (dezoito mil, duzentos e quarenta e oito reais).
“Já Sônia, começou em 02/02/2004, recebendo R$ 6.298,00 (seis mil, duzentos e noventa e oito reais) e seu último salário, em abril de 2012, foi de R$ 10.591,00 (dez mil, quinhentos e noventa e um reais).
“Aliás, essa última, em seu depoimento (Operação Calicute), afirmou que era contratada do SENAC, mas nunca compareceu ao local.
“Como é de fácil constatação, os integrantes do núcleo mais próximo de Sérgio Cabral, inclusive 3 (três) deles já condenados na Operação Calicute, Wilson Carlos, Carlos Miranda e Luiz Carlos Bezerra, tinham os parentes ocupando cargos com remuneração acima da média e, aparentemente, sem exercer atividade laboral.
“Já sobre a relação próxima com o ex-governador, além de possuir imóvel no mesmo condomínio de Mangaratiba, o ora paciente [Diniz] é vizinho da família Cabral no apartamento localizado na Rua Aristides Espínola, nº 27, sendo inclusive o prédio em que a ex-primeira dama, Adriana Ancelmo, permanece em prisão domiciliar.
“os relatos acima citados demonstraram concretamente, em análise inicial e provisória, a existência de núcleos organizados para o fim da prática reiterada de crimes contra a Administração Pública; núcleos estes que, inter-relacionados, formariam uma organização criminosa para o mesmo fim, qual seja, a lesão ao Erário com a subsequente lavagem, ocultação e divisão do produto ilícito entre agentes públicos corruptos e pessoas e empresas particulares voltados a práticas empresariais corruptas.
“… a repressão à organização criminosa que teria se instalado nos governos do estado e município do Rio de Janeiro haveria, como de fato houve de receber deste juízo, o rigor previsto no Ordenamento Jurídico nacional e internacional; sem esquecer da necessária e urgente atuação, tanto para a cessação de atividades criminosas que estejam sendo praticadas (corrupção e branqueamento de valores obtidos criminosamente, por exemplo) como para a recuperação dos valores desviados das fazendas públicas estadual e federal.
“… ao se falar em crimes de corrupção, se por um lado chama nossa atenção a figura do agente público que se deixa corromper, por outro lado não se deve olvidar da figura do particular, pessoa ou empresa corruptora, que promove ou consente em contribuir para o desvio de conduta do agente público, como aparenta ser o caso dos autos.
“No caso em tela, como agravante, ainda se noticiou, por parte dos funcionários do SESC/SENAC, que Orlando Diniz vem praticando atos próprios para se proteger de possível investigação.
“… o paciente se utilizava de sua empresa Thunder para branquear capital por meio de contratos fictícios com concessionárias de veículos automotivos e com as empresas de ônibus, tudo engendrado por Ary e Carlos Miranda, com a anuência de Sérgio Cabral.
“Tudo isso, como já dito em operações anteriores, a fazer crível, como tudo indica, que se está diante de uma organização criminosa bem estruturada e com real definição de funções para cada agente.
“… estar-se-ia diante de graves delitos de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
“E não só:
“(i) avaliando os elementos de prova trazidos aos autos, é de se considerar que a gravidade da prática criminosa de pessoas com alto padrão social que tentam burlar os trâmites legais, não poderá jamais ser tratada com o mesmo rigor dirigido à prática criminosa comum;
“(ii) o SESC e o SENAC prestam serviços sociais de extrema importância à população. O primeiro oferece atividades de cultura, saúde, turismo dentre outros. Já o segundo é a vertente da capacitação profissional, proporcionando a qualificação de mão de obra para o comércio, serviços e turismo. Ou seja, ambos buscam garantir à população o gozo de alguns direitos sociais previstos no artigo 6° da Constituição da República;
“(iii) os recursos do Sistema Fecomércio são provenientes da contribuição social compulsória paga pelos empregadores do comércio, consoante artigo 240 da Lei Maior, ou seja, tributo obrigatório.
“Contexto em que, o desvio de vultosas quantias desse sistema em proveito próprio ou para alimentar a organização criminosa, como parece ser o caso do Presidente Orlando Diniz, é ato de extrema gravidade que afeta todos os cidadãos, interferindo diretamente em direitos constitucionais garantidos.
“Aliás, os próprios funcionários, em seus depoimentos já mencionados linhas acimas, indicaram que, ao criticarem a administração do Sistema S pelo ora paciente, especialmente pelo suposto gasto excessivo e desnecessário com os escritórios de advocacia e com os empregados ‘jabutis’, sofreram ameaça a seus cargos.
“Nesse diapasão, este juízo entendeu mais do que comprovada a necessidade da prisão preventiva, não atendida por nenhuma outra medida cautelar alternativa, mesmo as estipuladas no já mencionado art. 319 do Código de Processo Penal, ante o comportamento acima descrito do ora paciente, que demonstrou praticar atos, aparentemente, voltados ao desvio de verba pública e ocultação de capitais.
“Não se olvide, ademais, que tão importante quanto investigar a fundo a atuação ilícita do esquema criminoso descrito, com a consequente punição dos agentes criminosos, é a cessação da atividade ilícita e a recuperação do resultado financeiro criminosamente auferido.
“Nesse sentido, deve-se ter em mente que no atual estágio da modernidade em que vivemos, uma simples ligação telefônica ou uma mensagem instantânea pela internet são suficientes para permitir a ocultação de grandes somas de dinheiro, como as que parecem ter sido pagas em propinas no caso ora sob investigação.
“… foi ressaltado, também, o depoimento prestado por Ana Rita Menegaz, na data da Operação, no qual ela admitiu ter sido contratada formalmente pelo SENAC para exercer o cargo de chefe de cozinha do ex-governador; e que, a partir de 2014, devido à divulgação pela mídia da situação, o SENAC firmou convênio com o governo do Rio de Janeiro para o fim de dar ar de legalidade ao ato.
“Referido depoimento foi capaz não só de comprovar a efetiva ocorrência dos funcionários ‘jabutis’, como também a perpetuação dos esquemas ilícitos no governo do Rio de Janeiro, mesmo após o fim do mandato de Sérgio Cabral comprovando, por conseguinte, a contemporaneidade dos fatos.
“Aliás, a influência de Sérgio Cabral no governo do Rio de Janeiro, fato ventilado pela defesa, parece perdurar até os dias atuais.
“Exemplo disso foi a situação recente de transferência do réu para o complexo penitenciário em Curitiba, devido ao suposto recebimento de regalias na cadeia pública do Rio de Janeiro.
“Ainda sobre a atualidade dos fatos, se mencionou que os pagamentos para a ANCELMO ADVOGADOS permaneceram até 2017, consoante Relatório da Receita Federal, produzido nos autos da medida cautelar de afastamento dos dados bancários e fiscal.
“… realizada uma análise detida entre as informações prestadas pelos investigados, após o início da operação, e os dados anteriormente coletados por meio das medidas cautelares, tornou-se ainda mais palpável a participação do ora paciente nos delitos de corrupção passiva, organização criminosa e lavagem de dinheiro.
“Por fim, esclareço que, diante da liminar deferida por V. Exa., foi proferido despacho em regime de plantão judiciário, dando-lhe imediato cumprimento.
“Sendo o que tenho a informar, coloco-me à disposição para eventuais esclarecimentos suplementares, ao tempo que apresento a Vossa Excelência protestos de elevada estima e consideração.
“Atenciosamente,
MARCELO DA COSTA BRETAS
JUIZ FEDERAL
7ª VARA FEDERAL CRIMINAL”
C.L.