O presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Guilherme Feliciano, concedeu entrevista ao HP, nesta quarta-feira, e falou sobre a importância da resistência à reforma trabalhista, reafirmada no Congresso da entidade, no último final de semana, que reuniu centenas de juízes de todo o país. Para Feliciano, “com a reforma trabalhista, a Constituição está sendo flagrantemente rasgada”.
Em seu Congresso, a entidade aprovou uma série de decisões no que se refere à aplicação da reforma trabalhista (Lei n. 13.467/2017), considerando especialmente as lacunas e inconstitucionalidades presentes na lei.
Para Feliciano, “o juiz do trabalho, a exemplo de todos os demais juízes do país, não deve, como também não pode, fazer sempre uma interpretação literal da lei. Pelo contrário, nós temos uma hierarquia de normas no Brasil e no ápice está a Constituição. Portanto, o juiz do trabalho, como todos os juízes do país, ao apreciar a lei da reforma trabalhista, terá de fazê-lo a luz da Constituição”, explicou em entrevista ao HP.
O magistrado ressaltou que não se trata de rebeldia ou desobediência civil – como alguns alardearam recentemente, inclusive o ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Ives Gandra Filho, o qual declarou que “se esses magistrados continuarem se opondo à modernização das leis trabalhistas, eu temo pela Justiça do Trabalho”. Feliciano esclarece que trata-se apenas do próprio trabalho dos juízes: “Isto é do dever do Juiz”, rebate. No Congresso foi aprovada uma carta de repúdio a Ives Gandra respondendo às acusações do ex-ministro. (Leia Aqui).
Feliciano explica que essa “reforma” foi feita “açodadamente”: “A reforma não foi discutida suficientemente com a sociedade civil. Inclusive com a sociedade civil organizada, ou seja, com sindicatos, associações de juízes, de membros do ministério público, etc. Ela tramitou por apenas quatro meses e o resultado foi uma lei que tem lacunas, que tem contradições internas e inconstitucionalidades”.
Dentre os principais problemas, o magistrado aponta a precariedade dos contratos de trabalho instituídos pela nova lei. “O contrato intermitente, a tempo parcial, a terceirização da atividade fim das empresas, autônomo exclusivo… a reforma apostou nestas novas modalidades, basicamente com a lógica de que se eu baratear o custo de trabalho eu aumento o emprego, o que é uma premissa falsa até mesmo na perspectiva liberal da economia. O empresário não olha para o mercado de trabalho e pensa ‘está baratinha a hora de trabalho, então eu vou contratar’, se não houver demanda. Então, baratear a força de trabalho sem criar condições para a economia crescer é simplesmente comprometer a proteção social que a legislação garante ao trabalhador, sem nenhum ganho do ponto de vista econômico”, explica o presidente.
Na questão da gratuidade do acesso à Justiça – que é restringida pela reforma, ao obrigar o trabalhador vencido a pagar honorários periciais mesmo em caso de beneficiário de justiça gratuita – bem como no pagamento dos honorários pelas partes vencidas, Feliciano caracterizou como formas de “provocar medo nos trabalhadores”. “São barreiras econômicas para que o trabalhador possa ter acesso à Justiça do Trabalho”. Tanto que houve uma diminuição em 45% dos processos trabalhistas na comparação com 2017 (antes da reforma), justamente porque o trabalhador tem medo: “são trabalhadores que estão com medo de litigar em função das barreiras econômicas criadas, o que é lamentável”.
Ele defende que “a Constituição diz que a assistência judiciária gratuita para o pobre deve ser integral. Ora, se o trabalhador é condenado e tem de pagar os honorários da empresa com os créditos que ele ganha no próprio processo, mesmo sendo pobre, essa assistência não é gratuita e muito menos integral. Ele está pagando com os créditos. Então a Constituição está sendo flagrantemente rasgada”.
Ao final, o magistrado lembra que existem atualmente no STF “21 Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) contra ela, deve ser um recorde”, afirmou.
Nesta quarta-feira, o SFT julga a ADI 5766 que julga a inconstitucionalidade do pagamento de honorários periciais e advocatícios de sucumbência pelo beneficiário da justiça gratuita.
ANA CAMPOS