A sentença de 145 anos e oito meses de cadeia (mais “pagamento de 4.320 dias-multa, aumentados ao triplo, fixando-se cada dia-multa em cinco salários mínimos vigentes à época do fato”), que a juíza Maria Isabel do Prado fixou para Paulo Vieira de Souza, o “Paulo Preto”, operador do PSDB, é proporcional à completa falta de escrúpulos do réu, em desviar dinheiro destinado a reassentar moradores de baixa renda, deslocados por obras públicas em São Paulo.
Foi condenado à mesma pena José Geraldo Casas Vilela, o então chefe da área de reassentamento da Dersa – a estatal rodoviária de São Paulo, da qual “Paulo Preto” era diretor.
A filha de Paulo Vieira de Souza, a psicanalista Tatiana Arana Souza Cremonini, foi condenada a 24 anos e três meses de cadeia (mais “pagamento de 600 dias-multa, fixando-se cada dia-multa em cinco salários mínimos vigentes à época do fato”) por incluir suas empregadas domésticas, “e até mesmo uma funcionária da empresa de seu marido”, como beneficiárias do desvio operado por seu pai, “sabendo que tais pessoas não preenchiam os requisitos necessários para receber o benefício, pois não residiam na região do entorno das obras, não fazendo jus, assim, a qualquer tipo de indenização”.
A funcionária terceirizada da Dersa, Mércia Ferreira Gomes, que colocava os nomes dos beneficiários fraudados no sistema da estatal, foi condenada a “12 anos e 15 dias de reclusão, em regime inicial fechado, substituída por duas penas restritivas de direito, e pagamento de 189 (cento e oitenta e nove) dias-multa, fixando-se cada dia-multa em 1/30 avos do salário mínimo vigente à época do fato”.
Três testemunhas que prestaram depoimento comprovadamente falso foram encaminhadas ao Ministério Público, para processo.
Além disso, a juíza determinou a devolução de R$ 7.725.012,18 (sete milhões, setecentos e vinte e cinco mil e doze reais e dezoito centavos) e o confisco de bens de Paulo Vieira de Souza, de sua filha Tatiana Arana Souza Cremonini e de José Geraldo Casas Vilela.
VEREDICTO
A sentença da juíza Maria Isabel do Prado, da 5ª Vara Federal Criminal de São Paulo, tem 1.133 páginas.
Lembramos de um jurista, ou suposto jurista, que reclamou do tamanho de uma das sentenças que condenou Lula, segundo ele, extensa demais – como se isso fosse argumento em defesa do réu.
Pois a sentença da juíza Maria Isabel do Prado que condenou “Paulo Preto” é quase cinco vezes maior que aquela. E não se pode dizer que seja excessiva ou prolixa em nenhum ponto.
Mas existe nela – não propriamente na sentença, mas em suas circunstâncias – algo peculiar: por muito pouco Paulo Vieira de Souza não sai livre, pois o processo esteve em vias de prescrever, diante de uma liminar de Gilmar Mendes, do STF.
O processo já estava na fase de alegações finais – que, obviamente, antecede a sentença – quando “Paulo Preto” fez uma série de recursos, meramente postergatórios, solicitando mais diligências.
O objetivo era esticar o processo até que Paulo Vieira de Souza completasse 70 anos, o que forçaria, no que se refere a ele, a prescrição do processo – e ele sairia livre do mesmo processo em que, na quinta-feira, foi condenado a 145 anos e oito meses de cadeia (mais a multa, que, nesse caso, não é desprezível).
A juíza Maria Isabel do Prado recusara o novo pedido de diligências, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) recusou – e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) recusou.
Mas, então, Gilmar Mendes concedeu uma liminar a favor de “Paulo Preto”, para que se fizessem diligências que a própria juíza do processo considerava desnecessárias, assim como o TRF-3 e o STJ (v. Lava Jato denuncia: decisão de Gilmar Mendes livra Paulo Preto da Justiça).
Se mantida essa liminar, Vieira de Souza estaria livre.
Porém, três dias depois, a 60ª fase da Operação Lava Jato revelou que Paulo Vieira de Souza possuía quatro contas em um banco suíço, em nome de uma empresa de fachada, o Groupe Nantes, por onde circularam, pelo menos, R$ 100 milhões (na verdade, como se viu depois, R$ 140 milhões).
“Paulo Preto” foi, então, outra vez preso, por ordem da juíza Gabriela Hardt, da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba (v. 60ª fase da Lava Jato: cartão da conta de Paulo Preto na Suíça derruba Aloysio Nunes).
Das outras duas vezes em que fora preso, Vieira de Souza contou com os préstimos de Gilmar Mendes para soltá-lo (matérias abaixo).
Porém, além dos fundamentos apresentados pela juíza Hardt serem eloquentes (“Paulo Preto” movimentou suas contas secretas mesmo depois de iniciados os processos em que é réu), alguns dias depois de sua prisão ele foi condenado a 27 anos de cadeia pela juíza Maria Isabel do Prado, por fraude nas licitações e formação de cartel em cinco obras públicas, quando era diretor da Dersa (v. Paulo Preto é condenado a 27 anos e Gilmar recua de obstruir processo).
O efeito mais interessante foi o recuo de Gilmar Mendes, na liminar que concedera no processo do desvio de recursos para reassentamento.
Com isso, a juíza Maria Isabel do Prado pôde emitir a sua sentença no processo, até então paralisado pela liminar de Mendes.
E condenou “Paulo Preto” a 145 anos e oito meses de prisão – mais a multa.
ROUBO
Somente para rememorar o caso, que já abordamos mais de uma vez:
1) Entre março de 2009 a março de 2012, Paulo Vieira de Souza (então diretor de Engenharia da Dersa), José Geraldo Casas Vilela (então chefe do Departamento da Área de Assentamento da Dersa), Mércia Ferreira Gomes (funcionária terceirizada da Dersa) e Tatiana Arana Souza Cremonini (filha de Paulo Vieira de Souza) desviaram recursos públicos federais e estaduais, destinados ao reassentamento de pessoas deslocadas pelas obras do Rodoanel Mário Covas – e outras obras.
2) Mércia Ferreira Gomes, a mando de “Paulo Preto” e José Geraldo Casas Vilela, inseria dados falsos no sistema de compilação de informações adotado pelo Programa de Reassentamento. Eram declarações falsas para fazer cadastros fictícios de falsos moradores: “Todos os denunciados tinham plena ciência desta prática e concorreram para a produção do resultado lesivo”, diz a juíza em sua sentença.
3) “Paulo Preto”, que foi diretor da Dersa de 2005 até 2010 (diretor de Relações Institucionais de 2005 a 2007 e diretor de Engenharia de 2007 a 2010), era o responsável pela liberação dos recursos públicos referentes às obras. Sua influência na Dersa foi, portanto, além do tempo em que era diretor, pois os fatos investigados no processo foram até 2012.
Desde 2010, quando o então candidato tucano José Serra disse que não o conhecia, era notória a declaração de Vieira de Souza: “Eu só fiz o bem para esse pessoal. Ninguém nesse governo deu condições das empresas apoiarem com mais recursos politicamente do que eu. Não se larga um líder ferido na estrada a troco de nada. Não cometam esse erro”.
Pelo jeito, ele não foi “largado”.
4) José Geraldo Casas Vilela era chefe de Mércia Ferreira Gomes e subordinado direto de Paulo Vieira de Souza, ocupando o cargo de chefe de Departamento da Área de Assentamento da Dersa por nove anos.
5) “Tatiana [Arana Souza Cremonini] é filha de Paulo Vieira e atuou ativamente na estrutura criminosa para incluir suas empregadas domésticas e até mesmo uma funcionária da empresa de seu marido como beneficiárias de unidades autônomas da CDHU, sabendo que tais pessoas não preenchiam os requisitos necessários para receber o benefício, pois não residiam na região do entorno das obras, não fazendo jus, assim, a qualquer tipo de indenização”.
6) Porém, nem sempre a quadrilha era cuidadosa: Auditoria Interna da Dersa “constatou que pagamentos irregulares foram realizados com a ausência de cadastro e relatórios sociais dos beneficiários, de laudos técnico-financeiros dos imóveis, não havendo plantas, desenhos ou fotos da área ou dos imóveis desapropriados”.
PREVENTIVA
A juíza Maria Isabel do Prado também decretou a prisão preventiva de “Paulo Preto”. No momento, ele já está preso em função de outra preventiva, esta decretada pela juíza Gabriela Hardt.
“Nego o direito ao réu Paulo Vieira de Souza de recorrer em liberdade”, escreveu a juíza Maria Isabel do Prado, “ou nas condições de recolhimento domiciliar, e decreto a prisão preventiva”.
Os motivos para a prisão residem, primeiro, em indícios de que “Paulo Preto” tentou tapear a tornozeleira eletrônica durante o período em que estava sob prisão domiciliar. Diz a juíza:
“… no dia 17/12/2018, diante da alegação de problemas na carga de bateria da tornozeleira eletrônica, a Secretaria deste Juízo providenciou a troca do equipamento.
“Houve posteriormente violação da medida cautelar, em razão do esgotamento da carga da bateria e violação do recolhimento domiciliar em tempo integral, ficando registrado no sistema de monitoramento o deslocamento do réu nos dias 08/01/2019 e 17/01/2019.
“É certo que há hipóteses de mera imprecisão do GPS.
“Este Juízo determinou a requisição de relatório da empresa encarregada do sistema de monitoramento eletrônico, para fins de certificar-se acerca de eventual falha do sistema ou da tornozeleira”.
Porém, o mais grave – e determinante para a nova prisão preventiva – foi que “a prova compartilhada encaminhada pelo Ministério Público da Confederação Suíça, ora apresentada pelo Ministério Público Federal, revela que Paulo Vieira de Souza seria, em tese, beneficiário econômico de CHF 35 milhões (equivalente a aproximadamente R$ 140.000.000,00) em quatro contas no banco Bordier & Cie, de Genebra, em nome da offshore panamenha Group Nantes S.A.
“Segundo informa o Ministério Público Federal, consta de tais documentos que Paulo Vieira de Souza teria aberto essas contas no ano de 2007, mantendo-as ativas até o ano de 2017, para a finalidade de supostamente receber propinas das empreiteiras Odebrecht, Camargo Correa e Andrade Gutierrez, bem como, para ocultação de tais valores.
“Conforme relatado pelo Ministério Público Federal, após o encerramento das referidas contas, um saldo de mais de US$ 29 milhões teria sido agrupado em outra conta bancária, tendo havido também supostamente duas transferências de cerca de US$ 34 milhões para o banco Deltec Bank and Trust Limited, em Nassau, Bahamas, em conta também de titularidade da offshore Group Nantes S.A.
“Segundo narra o Ministério Público Federal, em 01/02/2017 teria havido uma primeira transferência de US$ 17.212.200,00 para conta bancária de Group Nantes S.A., no Deltec Bank and Trust Limited, em Nassau, Bahamas.
“Posteriormente, em 7/02/2017, teria havido o encerramento de conta no banco Bordier & Cie e transferência do saldo de US$ 17.160.922,95 para a mesma conta bancária de Group Nantes S.A. supramencionada.
“Conforme afirmado pelo Ministério Público Federal, autoridades helvéticas teriam informado que Paulo Vieira de Souza seria supostamente o beneficiário econômico da conta existente em nome de Group Nantes S.A.
“O Ministério Público Federal afirma que parcela dos valores acima mencionados seria, em tese, proveniente de atos de corrupção atribuídos a Paulo Vieira de Souza, valendo-se do cargo de Diretor de Engenharia da DERSA, correspondendo a vantagens indevidamente obtidas no contexto das obras do Rodoanel Sul e do Sistema Viário Metropolitano.
“Outra parcela dos mesmos valores seria proveniente de suposto desvio e apropriação de valores destinados a reassentamentos no entorno do Rodoanel Sul e das obras Jacu Pêssego e Nova Marginal Tietê.
“Os novos fatos revelados surpreenderam este Juízo, visto que, mesmo após a propositura da ação penal, bem como, outras investigações e ações penais, e mesmo durante a vigência das medidas cautelares diversas da prisão, Paulo Vieira de Souza estaria reiterando condutas delitivas, a fim de ocultar valores supostamente ilícitos, como tentativa de se esquivar da aplicação da lei penal.
“Ante o exposto, decreto a prisão preventiva de Paulo Vieira de Souza e determino a expedição de mandado de prisão preventiva”.
C.L.
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