A juíza Gabriela Hardt, da 13ª Vara Federal de Curitiba, em decisão divulgada no sábado (29/12), concordou com os advogados de Dilma Rousseff e permitiu a ela acesso ao inquérito inicial – de 2013 – da Operação Lava Jato.
Dilma baseou seu pedido em notícias de que a confissão de Antonio Palocci a implicava nos crimes investigados pela Operação Lava Jato.
Por essa razão (“o fundamento do pleito da Defesa lastreia-se exclusivamente em informações publicadas na imprensa”), o Ministério Público foi contra que Dilma tivesse acesso ao inquérito – e também para “preservar a eficácia de eventuais investigações ou diligências em curso”.
Em sua decisão, a juíza Gabriela Hardt discordou dos procuradores:
“Quanto ao interesse [de Dilma] para acesso, tenho que há outras razões, que não somente a menção jornalística (…).
“Dilma Vana Rousseff é ex-Presidente do Brasil, tendo sido responsável pela indicação política de investigados e/ou condenados no âmbito da Operação Lavajato, vg. Aldemir Bendine, Antônio Palocci e Guido Mantega. Ainda, ela própria ocupou o cargo de Presidente do Conselho de Administração da Petrobrás, durante o período no qual também ocupava o cargo de Ministra de Minas e Energia do governo do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, outro condenado perante este Juízo.
“Sem qualquer juízo de valor, é visível que há uma certa proximidade de Dilma Vana Rousseff aos fatos investigados perante este Juízo.
“Assim, mesmo que ela não seja diretamente investigada nos presentes autos, considerando que se trata de inquérito-mãe da Operação Lavajato, que tramita com sigilo baixíssimo, reputo razoável franquear acesso a sua Defesa”.
GÊNESE
O inquérito a que Dilma pediu acesso (Inquérito nº 1.041) foi aberto a 8 de novembro de 2013, por solicitação do delegado Márcio Adriano Anselmo, da Polícia Federal (PF).
Naquele ano, o delegado Anselmo, ao revisar as gravações telefônicas autorizadas pela Justiça no posto de gasolina Torre, pertencente ao escroque Carlos Habib Chater, percebeu a existência de um esquema muito mais extenso que a lavagem de dinheiro de Chater, através do Posto Torre.
As gravações eram originárias de outro inquérito, que desde 2009 investigava as atividades ilícitas do deputado José Janene (PP-PR).
O sinal de que havia algo bem além do que a PF, a princípio, investigava, foi o aparecimento, nas gravações, de Alberto Youssef, já conhecido pelo escândalo do Banestado.
Ficou evidente que o esquema de Chater era subsidiário de outro esquema maior.
O delegado Anselmo solicitou, então, ao juiz titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sérgio Fernando Moro, o desmembramento do inquérito de 2009 (Inquérito nº 0714).
Ao aceitar a abertura desse outro inquérito, Moro escreveu:
“Como fundamentado em decisão de 11/07/2013, autorizei a interceptação telefônica para apuração de supostos esquemas de lavagem de dinheiro envolvendo Carlos Habib Chater e empresas controladas por ele, usualmente em nome de pessoas interpostas, especialmente a Angel Serviços Terceirizados Ltda., a Torre Comércio de Alimentos Ltda., o Posto da Torre Ltda.
“Referido empreendimento estaria envolvido em suposto esquema de lavagem de dinheiro que levou à constituição de empreendimento industrial pelas empresas CSA Project Finance Ltda. e Dunel Indústria e Comércio Ltda. em Londrina.
“A partir do início da interceptação, foram colacionadas mais provas do envolvimento de Carlos e associados em atividades ilícitas.
“Há indícios do envolvimento de Carlos em atividades que envolvem grande fluxo financeiro, aparentemente câmbio ilegal e lavagem de dinheiro, utilizando-se para tanto de empresas de fachada e pessoas interpostas.
“No curso da interceptação, surgiram, porém, indícios da prática de crimes por terceiros que não compõem o grupo criminoso dirigido por Carlos Chater, em espécie de encontro fortuito de provas” (grifo nosso).
O inquérito de novembro de 2013 “teria por objeto as atividades do suposto operador de câmbio negro Alberto Youssef, personagem notoriamente atuante no mercado paralelo de câmbio, cujas atividades ficaram conhecidas no assim denominado ‘Caso Banestado’”.
Assim, a Operação Lava Jato foi deflagrada para investigar as atividades de Chater e Yousseff.
Mas, logo depois de aberto o inquérito nº 1.041, hoje chamado “inquérito-mãe” da Lava Jato, foram descobertos mais três esquemas criminosos que se inter-relacionavam com o primeiro e entre si. Assim, depois da Operação Lava Jato propriamente dita, seguiram-se as Operações Dolce Vita, Bidone e Casa Blanca.
Como aparece na primeira denúncia contra Yousseff e Chater, os policiais e procuradores – e o juiz – tinham por foco, no início, a lavagem de dinheiro proveniente do narcotráfico. Essa era a suposta fonte do dinheiro ilícito (cf. Denúncia e Sentença do processo 5025687-03.2014.404.7000).
Foi então que apareceu outra surpresa: as escutas telefônicas revelaram que Alberto Youssef, “mediante pagamentos feitos por terceiros”, comprara um Land Rover Evoque para Paulo Roberto Costa, diretor de Abastecimento da Petrobrás durante oito anos – de 2004 a 2012, portanto, nos governos Lula e Dilma.
O Land Rover fora comprado no dia 15 de maio de 2013, por R$ 250 mil – e a PF encontrou a nota fiscal (ver ao lado), emitida em nome de Paulo Roberto Costa, embora o dinheiro tivesse Youssef como origem.
A impressão que se tem, ao reler hoje o relatório da PF sobre esse achado, é que os delegados e agentes ficaram tão boquiabertos quanto o país todo ficaria meses depois, quando assistiu aos depoimentos de Youssef e de Costa na 13ª Vara Federal de Curitiba. Por exemplo:
“Destaque-se que Paulo Roberto Costa é o mesmo em nome do qual foi emitida a nota fiscal da Range Rover Evoque, adquirida por Alberto Youssef. Questiona-se aqui por qual motivo Alberto Youssef teria adquirido o veículo, no valor de quase trezentos mil reais, para Paulo Roberto Costa” (p. 68 do relatório da PF).
Costa era desses corruptos que exigem receber até os centavos do roubo – sem que tenha o trabalho nem de pagar suas próprias contas. Por isso, a PF encontrou pagamentos, por Youssef, até de despesas banais.
Por exemplo, em e-mail datado de 2 de dezembro de 2012, a Marsans – uma agência de turismo que pertencia ao próprio Youssef – comunica que as despesas a serem cobertas são de R$ 2.799,89.
Resumidamente: Paulo Roberto Costa viajara do Rio para São Paulo, onde se hospedara no Hotel Tívoli Moffarej, e depois voltara ao Rio, usando os serviços da empresa de Youssef, sem pagar nada nem pelas passagens, nem pela estadia no hotel – que foram cobertas, com dinheiro das propinas que Costa recebia, diretamente pela “fonte pagadora”, isto é, Youssef.
São as despesas dessa viagem que a funcionária da agência de turismo pede a Youssef que cubra:
“Prezado sr. Alberto. Boa tarde! O valor total para depósito é R$ 2.799,89. Estamos à disposição para qualquer esclarecimento. Atenciosamente”
A questão, então, para a PF e para o Ministério Público, passou a ser: o que estaria um diretor da Petrobrás fazendo nesse imbroglio – inclusive recebendo um Land Rover e tendo viagens pagas por um notório escroque e doleiro?
A busca por uma resposta a essa pergunta deu origem a todo o processo que hoje se conhece, genericamente, por Operação Lava Jato, já em sua 57ª fase.
Até agora foram instalados 132 processos contra os corruptos que assaltaram a Petrobrás (83 em Curitiba; 47 no Rio de Janeiro; 2 em Brasília, onde, além disso, há 14 denúncias em preparo pelo Ministério Público).
Esse número não inclui os processos que, embora derivados da Lava Jato, foram desmembrados de seu âmbito por falta de relação direta com o assalto à Petrobrás (por exemplo, os quatro processos a que Lula responde na 10ª Vara Federal de Brasília, do juiz Vallisney Oliveira).
SIGILO
Sobre a argumentação dos procuradores de que o acesso de Dilma ao inquérito inicial da Lava Jato traria problemas para as investigações atuais, a juíza Hardt também discordou:
“… não vislumbro com facilidade de que maneira o acesso aos autos pela Defesa de Dilma Vana Rousseff poderia prejudicar investigações sigilosas em curso.
“Os presentes autos tramitam com sigilo nível 1, não havendo nele diligências pendentes às quais se recomenda elevado sigilo.
“Além disso, o cadastro [dos advogados de Dilma] aos presentes autos não franqueia acesso automático à integralidade dos processos da assim denominada Operação Lavajato, mas tão somente àqueles que tramitam com igual ou inferior grau de sigilo (…).
“Então, o cadastro da Defesa não permitirá acesso a investigações sigilosas, a processos nos quais tramitam acordos de colaboração ou leniência e nem a processos nos quais há medidas cautelares e coercitivas pendentes”.
C.L.