
Representantes de entidades de magistrados da Justiça, procuradores e advogados trabalhistas promoveram manifestação nacional, nesta quarta-feira (7), em repúdio à recente decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que suspendeu o andamento de todos os processos trabalhistas que discutem a legalidade da contratação de pessoas físicas como pessoas jurídicas – a chamada “pejotização”, que isenta as empresas do cumprimento de obrigações0 trabalhistas previstas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
A suspensão, assinada no mês de abril, impactou milhares de processos em todo o país. A medida valerá até que o plenário do STF julgue um entendimento geral sobre o assunto.
De acordo com as entidades Anamatra (Associação Nacional das Magistradas e dos Magistrados da Justiça do Trabalho), ANPT (Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho) e Abrat (Associação Brasileira da Advocacia Trabalhista), que promoveram os atos em Brasília e vários estados do país, a decisão fere a competência constitucional da Justiça do Trabalho, além de promover riscos de precarização do trabalho.

O evento no Distrito Federal aconteceu no Fórum Trabalhista de Brasília, e contou com a participação de diversas entidades da magistratura, do Ministério Público, OAB/DF, além de acadêmicos, integrantes da sociedade civil, entre outras autoridades.
“A mobilização das entidades trabalhistas é necessária para a defesa institucional da Justiça do Trabalho e de sua competência, essenciais para a concretização dos direitos sociais constitucionalizados”, defendeu a presidente da Anamatra, Luciana Conforti.
“Nosso sindicato vai seguir firme na luta pela reafirmação da importância da Justiça do Trabalho na garantia dos direitos sociais e na promoção da justiça nas relações laborais. O debate sobre sua competência é essencial para o equilíbrio do sistema jurídico e para a proteção dos trabalhadores brasileiros”, afirmou o diretor do Sindicato dos Servidores da Justiça do Distrito Federal (Sindjus/DF), Cledo Vieira.
INSEGURANÇA SOCIAL
Em São Paulo, o ato teve o apoio da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP), do Instituto dos Advogados de São Paulo (ASP), da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), da Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo (AATSP) e da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da Segunda Região (AMATRA-2).
De acordo com Valdir Florindo, presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª região, “o ato está sendo organizado com o objetivo de defender a autonomia, a competência, a liberdade e aquilo que a Constituição assegura para a Justiça do Trabalho, que é defender questões relativas às relações de trabalho. É isso que esperamos: cumprir a Constituição Federal”.
Conforme o desembargador, a suspensão dos processos “traz consequências seríssimas, porque paralisa a busca por justiça de milhares de trabalhadores e amplia a insegurança social ao postergar a solução de conflitos essenciais para a subsistência de muitas famílias”.
O presidente da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em São Paulo, Otavio Pinto e Silva, também falou sobre os impactos da decisão do STF, em entrevista à Agência Brasil. “Nosso entendimento é que a Justiça do Trabalho deve resolver todos os casos que envolvem a prestação de serviços por um trabalhador para a empresa. A preocupação que a advocacia trabalhista tem é de que a decisão do ministro Gilmar Mendes já afetou, pelo Brasil afora, algo estimado em torno de 500 mil processos. Então há sim a necessidade de se discutir o tema e mostrar aos ministros do Supremo que a Justiça do Trabalho deve ser o órgão encarregado para resolução desses conflitos”, disse.
E explica ainda que “a população é afetada porque acontece muitas vezes de as empresas decidirem por contratar um trabalhador e, em vez de fazer o registro do contrato pela CLT ou registrar na carteira – e assim garantir acesso a férias, 13º salário, fundo de garantia e hora extra – acabam por estabelecer que não, que isso é um contrato entre duas empresas. Mas no nosso entender, o trabalhador não é empresa. Ele tem que ser contratado como empregado, se estiverem presentes os requisitos previstos na CLT para uma relação de emprego”, disse.

RESPEITO À CONSTITUIÇÃO
No Rio Grande do Sul, onde o ato aconteceu em frente ao Fórum Trabalhista de Porto Alegre, o vice-presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4), desembargador Alexandre Corrêa da Cruz, salientou que “o não cumprimento da Constituição traz prejuízos aos princípios da dignidade do ser humano e também ao dispositivo que trata da ordem econômica ao nosso país”.
O desembargador classificou ainda a pejotização como “terceirização irregular”.
Em Campo Grande (MS) a mobilização foi organizada pela Anamatra-24, o MPT-MS (Ministério Público do Trabalho de Mato Grosso do Sul), AAT, Sindjufe (Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário Federal) e OAB.
“É importante que a sociedade tenha ciência do que está em jogo nesse momento: o respeito à Constituição da República. Qualquer decisão que retire da Justiça do Trabalho a competência para analisar lides oriundas das relações de trabalho viola a Constituição da República. É importante que todos tenham ciência dessa discussão, que impacta profundamente o Poder Judiciário como um todo, não só a Justiça do Trabalho, além de interferir no trabalho da advocacia e nas relações de trabalho em geral”, afirmou o presidente da AMATRA-24, juiz André Nacer.
Protestos aconteceram também no Rio de Janeiro, Recife, Goiana e em diversas outras capitais.

MANIFESTO
Para a convocação do ato nacional, as entidades lançaram um manifesto conjunto em que destacam que a decisão do ministro “ameaça a efetividade dos direitos trabalhistas, uma vez que impede o julgamento dos processos, com base em fatos e provas, atingindo os trabalhadores mais vulneráveis”.
“O surgimento de novos modelos de organização laboral, decorrentes da constante evolução da dinâmica do mundo do trabalho, não afasta a competência da Justiça do Trabalho para conhecer, processar e julgar eventuais conflitos e repercussões jurídicas deles decorrentes”, diz o documento.
As entidades alertam que, “permitir a ‘pejotização’ apenas com base em um contrato formal, sem investigar a realidade da prestação de serviços, abre precedente perigoso para a precarização das relações de trabalho, afastando direitos como férias, 13º, FGTS, jornada limitada, entre outros”.
Para além das questões jurídicas envolvidas na decisão do ministro Gilmar Mendes, as entidades também ressaltam os aspectos econômicos e sociais da “pejotização”, que colocam em risco a Previdência e as políticas públicas do governo federal.
“É preocupante a evasão decorrente da ‘pejotização’, no que respeita aos recolhimentos previdenciários, fiscais, do FGTS (que financia o sistema público de habitação) e do sistema “S” (responsável pela capacitação e qualificação de trabalhadores, entre outras atividades)”, afirmam.
E ressaltam ainda que a manifestação nacional ocorrida hoje, “é um ato em defesa da Justiça do Trabalho, da Justiça Social e dos direitos assegurados pela Constituição Federal”.