Mais de 2 mil ex-procuradores e ex-diretores do Departamento de Justiça dos Estados Unidos divulgaram, no domingo, 16, uma declaração exigindo que o procurador-geral, William Barr, renuncie. A declaração condena a interferência do presidente Trump e do procurador-geral barrando a “administração equitativa da justiça”.
Aplaudida de pé pelos advogados participantes do Congresso da American Bar Association (Associação Norte-Americana de Advocacia), a presidente da entidade, Judy Perry Martinez, afirmou que “os ataques pessoais a nossos juízes e promotores/procuradores deve parar”.
A crise no órgão equivalente ao nosso Ministério da Justiça iniciou-se quando Trump demitiu o ex-procurador-geral Jeff Sessions e o substituiu pelo atual procurador-geral William Barr, troca que tinha como um de seus objetivos proteger a si próprio das investigações de possíveis armações durante a campanha eleitoral para presidente.
Cynthia Rufe, presidente da Associação Nacional de Juízes Federais, somando-se ao questionamento dessa política, convocou uma “reunião de emergência” para discutir a intervenção do presidente e do procurador-geral nos “casos politicamente sensíveis” que tramitam no Departamento de Justiça que, segundo os juízes, está “vivendo uma crise”.
O ex-procurador especial Bob Mueller apontou dez instâncias que o Congresso poderia avaliar como obstrução de justiça, mas Barr isentou Trump de todas as acusações. Centenas de procuradores divulgaram uma carta dizendo que qualquer outra pessoa, que não fosse o presidente, protegido por Barr, seria processada e condenada por obstrução de justiça.
Agravando a crise, na semana passada uma equipe de quatro procuradores do Departamento de Justiça propôs uma pena de prisão de sete a nove anos para o amigo e aliado político de Trump, Roger Stone. O presidente disse que os procuradores tinham tomado uma “decisão ridícula”, que levaria a “um erro judicial horrível”. Escreveu que os procuradores deveriam voltar para a escola.
No dia seguinte, o procurador-geral reduziu substancialmente a recomendação da pena.
Os quatro procuradores que atuavam no caso Roger Stone se demitiram dos seus postos no processo em repúdio à interferência de Trump para aliviar a pena de seu amigo. Dois deles renunciaram ao cargo no Departamento de Justiça.
Stone foi acusado de mentir ao Congresso norte-americano, intimidação de testemunha e obstrução de investigação da Câmara dos Deputados, durante o rumoroso processo apelidado de Russiagate, movido pelos democratas sobre o suposto envolvimento da Rússia para determinar os rumos das eleições presidenciais que levaram Trump à Casa Branca.
Trump nega que seus tuítes sobre o caso Stone, nos quais critica a sentença original de 87 a 108 meses de prisão dada a Stone e elogia Barr depois que a sentença foi reduzida a quase um décimo, pressuponham interferência política.
Questionado sobre ter falado com Trump sobre o caso Stone, Barr respondeu: “Nunca”.
Mas, esse descontrole não foi suficiente. Em outra declaração, Trump criticou a juíza que está presidindo o julgamento de Stone. Escreveu que essa é a mesma juíza que colocou Paul Manafort, outro de seus aliados, na solitária. Pessoas próximas a Trump se apressaram em dizer que a juíza Amy Jackson é uma “ativista judicial de esquerda”, usando a qualificação como xingamento.
A presidente da Associação dos Juízes Federais, a juíza Cynthia Rufe, disse que a entidade não costuma se envolver em casos em andamento na justiça, mas, nesse caso em particular, é preciso defender a boa reputação da juíza Jackson, como a de qualquer juiz federal que faz o que é requerido para a boa administração da justiça.
A líder da entidade com 1.100 membros, convocou uma reunião de emergência que foi descrita por analistas jurídicos como um passo incomum e “extraordinário”.
Ian Bassin, fundador e diretor executivo do grupo de defesa Protect Democracy, disse que a decisão da associação de juízes de convocar uma reunião de emergência mostra “que nossas instituições estão tocando alarmes” sobre a conduta de Trump e Barr.
Em sua declaração, os ex-procuradores e ex-diretores do Departamento de Justiça lembraram que o primeiro dever do cargo que ostentam é aplicar a lei igualmente a todos os americanos. “As decisões jurídicas do Departamento de Justiça devem ser imparciais e isoladas de influências políticas. E o poder dos procuradores deve ser exercido sem considerações partidárias”, escreveram.
“Uma pessoa não deve receber tratamento especial em um processo criminal porque é um aliado político próximo do presidente. Os governos nos quais se usa o enorme poder da aplicação da lei para punir seus inimigos e recompensar seus aliados não são repúblicas constitucionais; são autocracias”, conclui a declaração.
A palavra Department deve ser sempre traduzida como Ministério quando denotar os órgãos do Executivo.