“A opinião pública que chancela e aplaude a licença para matar, não faz ideia do monstro que ajuda a criar e que inexoravelmente se associará ao crime organizado”, advertiu o ex-ministro. “E produz vítimas inocentes”
O ex-ministro da Defesa e Segurança Pública, Raul Jungmann, afirmou que a “licença para matar corrompe as boas polícias, destroi a hierarquia e a disciplina, cria comandos paralelos e perverte moralmente os bons policiais”.
“Caça os pequenos e se associa e protege os grandes criminosos. E produz vítimas inocentes”, disse em mensagem no Twitter.
Em artigo para a revista Veja e para o jornal Folha de S. Paulo, e intitulado “Polícia não é milícia”, Jungmann argumenta que “uma polícia com licença para matar concedida pelas autoridades torna-se moralmente corrupta”, argumenta. “Cabendo a ela decidir quem irá morrer ou não, é evidente que os poderosos e ricos comprarão suas vidas, os fracos e pobres, não”.
O ex-ministro criticou a fala do deputado estadual capitão Assunção (PSL-ES), que prometeu dar R$ 10 mil a quem entregasse morto o homem que assassinou uma moça.
“R$ 10 mil reais do meu bolso pra quem mandar matar esse vagabundo. Não merece estar vivo, não. Eu tiro do meu bolso pra quem matar esse vagabundo aí. Tem que entregar o cara morto, aí eu pago”, declarou o capitão da Polícia Militar do Espírito Santo, que é do partido de Bolsonaro.
No Rio de Janeiro, o governador Wilson Witzel (PSC) defende que a polícia deve “abater” os criminosos. Na sexta-feira (20), Ágatha Vitória Sales Félix, de oito anos, morreu vítima dessa política. Somente em 2019, 16 crianças foram baleadas pela polícia, e cinco morreram.
“Chegando nesse estágio de degradação, uma polícia já não se distingue de uma milícia, autênticos justiceiros de aluguel. Disciplina, hierarquia e respeito à lei, bases constitutivas de toda força policial armada, deixam de existir”, continua o ex-ministro.
“Clãs e grupos se formam sob a liderança de chefes paralelos aos comandos formais, sem nenhum controle. A opinião pública que chancela e aplaude a licença para matar, não faz ideia do monstro que ajuda a criar e que inexoravelmente se associará ao crime organizado”, criticou.
Em 2007, Flávio Bolsonaro, então deputado estadual, disse que “a milícia nada mais é do que um conjunto de policiais, militares ou não, regidos por uma certa hierarquia e disciplina, buscando, sem dúvida, expurgar do seio da comunidade o que há de pior: os criminosos… Eu não me importaria em pagar R$ 30,00 ou R$ 40,00 para ter mais segurança, para não ver meus filhos aliciados por traficantes… Façam consultas populares na comunidade do Rio das Pedras, na própria favela do Batan”.
O filho de Bolsonaro chegou a empregar a filha e a esposa de Adriano Nóbrega, um conhecido miliciano, em seu gabinete na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Além disso, homenageou o criminoso com a Medalha Tiradentes, mais alta condecoração do Rio.
Para atender a família Bolsonaro, o ministro da Justiça, Sérgio Moro, incluiu no seu chamado pacote anticrime a ampliação do excludente de ilicitude.
O excludente de ilicitude previsto no Código Penal, atualmente, estabelece que não são considerados crimes atos praticados em circunstâncias específicas, como no estrito cumprimento de dever legal (policial que atua para evitar assassinato), em legítima defesa e em estado de necessidade (roubar comida para alimentar os filhos).
A lei, entretanto, prevê que quem pratica esses atos pode ser punido se cometer excessos, como, por exemplo, o policial que imobiliza o assaltante e, mesmo assim, decide executá-lo. Nesses casos, o projeto anticrime inova ao permitir ao juiz reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se esse excesso decorrer de “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”. Isso tem sido chamado pelos parlamentares como uma licença para matar, o que levou o grupo de trabalho da Câmara dos Deputados que analisa o projeto anticrime a rejeitar nessa semana esse item no pacote.
Para Jungmann, “combater o crime e reduzir a violência de modo sustentável exige respeito à lei, valores corporativos, boa formação de recursos humanos, inteligência policial, tecnologia, disciplina e hierarquia”.
“Na licença para matar, as primeiras vítimas são os de sempre, em seguida a boa polícia e a nossa segurança. Aqueles que a aplaudem hoje, amanhã não perguntem por quem os sinos dobram”.
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