“Programas de renegociação de endividamento como os que estão sendo anunciados são fundamentais e estancam as angústias das pessoas e famílias. Mas em termos estruturais, o que vai resolver esse problema é uma taxa de juros mais baixa”, aponta a CNC
O endividamento bateu recorde em 2022, segundo dados da pesquisa da Confederação Nacional de Bens, Serviços e Turismo (CNC), divulgados na quinta-feira (19). No país, 77,9% das famílias estão endividadas, a maior proporção desde o início da série histórica do levantamento, iniciado em 2011. Isto significa na prática, que no ano passado, em termos absolutos, a cada 100 famílias, 78 se endividaram. “O rápido aumento dos juros entre 2020 e 2022 coincidiu com aumento de 14,3 pontos na proporção total de endividados no país”, constataram os pesquisadores da CNC.
A proporção de famílias com dívidas atrasadas também foi a maior em 12 anos, aponta a pesquisa.
“Em mais de dez anos, nunca as pessoas se sentiram tão endividadas”, destacou o diretor de Economia e Inovação da CNC, Guilherme Mercês, afirmando que a pesquisa demonstra “que o superendividamento é principalmente um problema para as famílias de baixa renda. Se esse endividamento diz respeito ao custo dos créditos e da inflação, um dos fatores essenciais para resolver isso é ter uma economia brasileira com juros mais civilizados, porque taxa de juros alta é sinônimo de dívidas caras, sempre. Portanto programas de renegociação de endividamento como os que estão sendo anunciados são fundamentais e estancam as angústias das pessoas e famílias. Mas em termos estruturais, o que vai resolver esse problema é uma taxa de juros mais baixa,” afirmou Mercês.
De acordo com a CNC, o cartão de crédito foi a principal forma de endividamento no ano passado. “Se em 2012, 75,2% das dívidas eram no cartão, o ano passado terminou com 86,6%, um aumento superior a 11 pontos percentuais”, segundo a pesquisa da CNC. Como consequência dos juros altos – estimulados pela política econômica do governo Bolsonaro de aperto monetário, que fez a taxa básica de juros da economia (Selic) saltar em março de 2021, de 2% ao ano para os atuais 13,75% ao ano, os juros do cartão de crédito estão em seus maiores níveis desde dezembro de 2016, chegando a atingir 400% a.a. no ano passado. A taxa de juros média em todas as operações de crédito com pessoas físicas avançou de 41,2% para 52,1% ao ano, alta de 10,6 pontos em 2022.
“As pessoas com renda mais baixa estão usando o cartão de crédito para comprar alimentos e medicamentos, além de pagar contas de luz e telefone, por exemplo, para postergar o gasto para o mês seguinte ou mesmo parcelar esses valores”
Com a explosão do endividamento disparada pelos juros elevados e a inflação, a inadimplência também explodiu no país. A proporção média de famílias com dívidas em atraso foi estimada em 28,9% do total de lares no país, um avanço de 3,7 p.p em relação a 2021. Já a proporção média de famílias sem condições de pagar dívidas já atrasadas também cresceu (0,2 p.p.), alcançando 10,7% do total de consumidores brasileiros.
“O incremento na proporção média de famílias com dívidas atrasadas no ano passado (3,7 p.p.) foi o maior registrado na pesquisa, após queda em 2021. A expansão do crédito e o avanço do endividamento no contexto de acirramento das despesas com juros ao longo do ano dificultaram a gestão do orçamento doméstico, o que levou a proporção média de famílias com dívidas em atraso ao recorde de 28,9% do total de lares no país. O aumento expressivo mais recente do indicador havia ocorrido entre 2015 e 2016, justamente no último ciclo de alta da Selic. Naquele momento, entretanto, o endividamento se encontrava no menor nível em dez anos, na faixa de 60,2% do total de consumidores”, apontaram os técnicos da CNC.
Com a desvalorização dos salários e o descontrole da inflação, o cartão de crédito passou a ser mais usado pelos brasileiros nas horas emergenciais, principalmente para compra de alimentos. “As pessoas com renda mais baixa estão usando o cartão de crédito para comprar alimentos e medicamentos, além de pagar contas de luz e telefone, por exemplo, para postergar o gasto para o mês seguinte ou mesmo parcelar esses valores”, afirmou a economista responsável pela pesquisa, Izis Ferreira.
Segundo a pesquisa, os brasileiros comprometem, em média, quase um terço da renda para quitar dívidas. No ano passado, para o pagamento das dívidas foram empenhados, em média, 30,2% da renda mensal. Ou seja, a cada R$ 1 mil de rendimento, R$ 302 foram destinados ao pagamento das dívidas. No entanto, os pesquisadores ressaltam que, do total de endividados, 21,5% precisaram de mais da metade de seus rendimentos para honrar com seus compromissos, o maior nível dos últimos cinco anos.