Para o economista da UnB José Luis Oreiro, definição da taxa de juros no país é “lobby do sistema financeiro pela defesa dos seus interesses”
O conhecido site bolsonarista Poder 360 publicou matéria no dia de hoje (30 de setembro) em que afirma que “O setor público consolidado – formado por União, Estados, municípios e estatais – registrou um déficit nominal de R$ 1,111 trilhão no acumulado de 12 meses até agosto”.
Quem diria que logo um site bolsonarista diria a verdade sobre as contas públicas no Brasil. De fato, o “rombo” nas contas públicas é de mais de um trilhão de reais, mas 77% desse valor não é de responsabilidade nem do poder executivo ou mesmo do poder legislativo, mas de um quarto poder não previsto pela Constituição Federal que é o Banco Central do Brasil, comandado pelo bolsonarista Roberto Campos Neto – indicado pela própria besta do apocalipse – e agora com a aquiescência do indicado pelo Presidente Lula e seu Ministro Fernando Neville Haddad Chamberlain, o jovem Gabriel Galípolo.
O pagamento de juros sobre a dívida pública somou incríveis 855 bilhões de reais em 12 meses, a segunda maior despesa do governo, atrás apenas do pagamento da Previdência Social.
Enquanto vários economistas ligados ao mercado financeiro fazem propostas de como economizar algumas dezenas de bilhões de reais com a desvinculação das aposentadorias de milhões de brasileiros do salário mínimo – talvez com o objetivo de criar um lúmpen proletariado aposentado – o mercado financeiro, por intermédio do boletim Focus, cuja credibilidade técnica é pra lá de duvidosa, continua pressionando o Banco Central para esticar o ciclo de aumento da Selic.
Hoje, segunda-feira, dia 30 de setembro, o Boletim Focus prevê – na comparação com a semana passada – uma taxa Selic ao final de 2024 0,25 p.p. mais alta do que na semana passada, mas com as mesmas expectativas para inflação, taxa de câmbio e crescimento em 2024 e 2025 formuladas na semana anterior.
Ou seja, o mercado espera que o Banco Central aumente a taxa de juros em 2024 mais do que na semana passada por pura maldade, pois a elevação esperada na Selic pelo Focus não tem nenhum impacto esperado sobre as variáveis macroeconômicas relevantes, exceto pelo fato de que irá custar mais R$ 13 bilhões para o Tesouro Nacional – ou seja, para o povo brasileiro – no acumulado em 12 meses. A conta que seja mandada para os aposentados pagarem!!!!!
Só no Brasil que as despesas com juros da dívida pública estão interditadas no debate sobre o necessário ajuste fiscal. São, na expressão do meu colega do IPEA, Luis Carlos Garcia de Magalhães: A despesa ausente. Tudo se passa como se o governo só tivesse déficit primário, ou seja, não fosse obrigado a pagar os juros sobre a dívida pública, de maneira a não se discutir o impacto das decisões do COPOM sobre o orçamento público.
Dessa forma, o BCB é a única instituição do Estado Brasileiro que pode criar despesas sem o consentimento do Congresso Nacional. Tudo isso em nome de uma suposta autonomia técnica do BCB sobre pressões políticas. Aqui cabe lembrar que a economia não é a física, os modelos econômicos não têm a confiabilidade técnica e a precisão dos modelos usados nas ciências duras como a Física.
Existem muitas divergências entre os economistas que são acobertadas pela grande mídia, a qual depende financeiramente daqueles que se beneficiam com as decisões do COPOM. O modelo SAMBA, usado pelo BCB, é uma variante dos modelos DSGE – Dynamic Stochastic General Equilibrium – os quais estão sob escrutínio crítico dos economistas acadêmicos desde a crise financeira internacional de 2008 e cada vez mais desacreditados.
É urgente que as forças políticas do Brasil tirem os economistas do mercado financeiro do seu pedestal e forcem o debate sobre o funcionamento do regime de metas de inflação no Brasil, o qual vem sendo empurrado com a barriga há quase 20 anos.
Com efeito, em 2009 eu publiquei junto com o Luiz Fernando de Paula e o Rogério Sobreira um livro sobre Política Monetária, Bancos Centrais e Metas de Inflação, onde apresentamos uma agenda completa de reforma do Regime de Metas de Inflação no Brasil. Esse livro ganhou o prêmio Brasil de Economia dado pelo Conselho Federal de Economia em 2010.
Não faz nenhum sentido econômico dizer que os juros no Brasil são altos porque o governo opera com déficit primário. Isso seria equivalente a dizer que o rabo está balançando o cachorro. Um componente que representa 23% do rombo das contas públicas não pode ser o responsável pelos 77% restantes. Isso é apenas bom senso. Existe algo de muito errado com a fixação da taxa de juros no Brasil que vai além do desequilíbrio primário. Essa deve ser a prioridade no debate público sobre o ajuste fiscal do Brasil. O resto é lobby do sistema financeiro pela defesa dos seus interesses.
Reproduzido do site do autor: https://jlcoreiro.wordpress.com/