Além da carestia dos alimentos e do alto endividamento corroendo o orçamento das famílias, os preços de produtos como geladeiras, televisores, máquina de lavar, móveis e fogões dispararam além da inflação
Pressionado pelos juros altos e a inflação, o consumo de bens duráveis pelas famílias brasileiras encerrou o segundo trimestre deste ano em patamar 9,13% abaixo do registrado em fevereiro de 2020, no pré-pandemia de Covid-19, segundo dados desagregados do Monitor do PIB da Fundação Getulio Vargas (FGV). Os cálculos consideram o índice de volume consumido, na série com ajuste sazonal – ou seja, já descontado as variações típicas para diferentes épocas do ano.
“Você tem uma influência muito forte que é a inflação, e outra muito forte que é a taxa de juros. A taxa de juros está muito alta, e bem durável você compra financiado. Além disso, o preço tem subido”, afirma Claudio Considera, coordenador do Núcleo de Contas da Ibre/FGV.
Com aval de Bolsonaro, de março de 2021 a agosto deste ano, a taxa básica de juros da economia (Selic) deu um salto de 2% a.a. para 13.15% a.a. O Banco Central elevou a Selic a pretexto de combater a inflação, que encerrou o ano de 2021 em 10,06%, o maior aumento desde 2015 (10,67%), e hoje está em alta de 10,07% no acumulado nos últimos 12 meses até julho.
O choque de juros altos foi ineficaz contra a inflação, mas agravou os problemas econômicos ao afastar os investimentos, jogando para o alto o endividamento das empresas e das famílias, e encarecendo ainda mais o crédito aos consumidores – o que derruba o consumo – afetando diretamente os empregos e a renda.
Na esteira dos juros altos e da inflação, em julho, 78% das famílias brasileiras estavam endividadas e 29% tinham alguma conta ou dívida com atraso de pagamento, de acordo com a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência ao Consumidor (Peic), da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).
“Em julho, o endividamento chegou perto de 80% das famílias e isso preocupa, pois é um forte crescimento se comparado ao nível de antes da pandemia, em torno dos 60% a 65%. E especialmente diante de um cenário de forte aumento da taxa de juros, com a Selic saindo de 2% em 2020 para os atuais 13,75%. Com isso, o custo do crédito aumentou muito para famílias já muito endividadas. Na prática, isso significa um aperto muito grande do orçamento familiar, da renda disponível. E a esse elevado endividamento, com custo alto, soma-se ainda uma elevada inflação”, avalia o diretor de Economia e Inovação da CNC, Guilherme Mercês.
Outra pesquisa que apura o endividamento, aponta que 66,8 milhões de brasileiros não conseguiram efetuar o pagamento de suas contas e dívidas em agosto, segundo dados da Serasa Experian. Em agosto de 2021, esse total era de 62,2 milhões de brasileiros, um acréscimo de 7,4% sobre uma base já muito alta.
Com a desindustrialização que cerca o Brasil na última década – quadro que foi agravado pela política econômica do governo Bolsonaro – a indústria brasileira de bens de consumo duráveis – mais dependente de matérias primas e componentes eletrônicos comprados no exterior – foi fortemente prejudicada pela escassez e encarecimento de insumos e por problemas logísticos provocados pela pandemia de Covid-19 e, posteriormente, pelo conflito entre Rússia e Ucrânia.
Na porta das fábricas, a inflação dos bens de consumo duráveis chega a 12,02% no período de 12 meses encerrados em junho, segundo o Índice de Preços ao Produtor (IPP), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Entre os destaques de altas, estão: automóveis, motocicletas, refrigeradores, máquina de lavar, móveis de madeira, fogões e eletroportáteis.
No varejo o quadro não é diferente. Produtos mobiliário tiveram um aumento de 23,40% nos 12 meses encerrados em julho, eletrodomésticos e equipamentos (20,61%), automóvel novo (17,50%), refrigerador (23,85%), máquina de lavar roupa (18,77%), fogão (22,23%) e motocicleta (19,34%), segundo dados do IPCA, inflação oficial medida pelo IBGE.
A produção nacional de bens de consumo duráveis chegou a junho deste ano em patamar 15,6% inferior ao de fevereiro de 2020, no pré-crise sanitária. O volume produzido está ainda 36,7% aquém do ápice alcançado em março de 2011, apontam também números do IBGE.
O gerente da Coordenação de Indústria do IBGE, André Macedo, elenca os entraves da produção. “Pelo lado da demanda doméstica: inflação em alta, o que diminui a renda disponível das famílias; juros crescentes, encarecimento nas condições do crédito e aumento na taxa de inadimplência; número elevado de trabalhadores fora do mercado de trabalho, massa de rendimentos que não avança, ambiente marcado pela incerteza”, enumerou Macedo.
O consumo aparente de bens industriais no Brasil, que considera tanto os produtos nacionais quanto os importados, acumulou uma queda de 3,1% de janeiro a junho, em comparação ao mesmo período do ano passado, segundo Indicador de Consumo Aparente de Bens Industriais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Entre as categorias, o resultado de bens de consumo duráveis foi o mais negativo no período, com um recuo de 8,0% na aquisição de bens de consumo duráveis no primeiro semestre.