O parlamentar bolsonarista da Frente Evangélica agrediu o ministro Alexandre de Moraes com expressões, como “cabeça de piroca”, “lixo”, “esgoto” e “cabeça de ovo”
Não se pode admitir, entendeu o juiz Guilherme Madeira Dezem, da 44ª Vara Cível de São Paulo, que a liberdade de expressão legitime ataques ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Tampouco deputados ou senadores podem se escudar na chamada “imunidade parlamentar” para proferir ofensas a outras pessoas sem que essas manifestações guardem qualquer relação com a atividade que desenvolvem no Congresso Nacional.
Com base nessas premissas, o juiz condenou o deputado federal Otoni de Paula (PSC-RJ) a pagar R$ 70 mil de indenização ao ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), pelos ataques feitos contra o ministro nas redes sociais.
Nas postagens, em texto e vídeo, o deputado se refere ao ministro do STF com expressões como “lixo”, “esgoto”, “cabeça de ovo” e “cabeça de piroca”. A decisão foi publicada a última quinta-feira (28). O deputado ainda pode recorrer.
VARREDURA NAS CONTAS
Assim, a partir desta quarta-feira (2), a Justiça de São Paulo vai varrer as contas bancárias do deputado bolsonarista Otoni de Paula, ligado à Frente Evangélica na Câmara dos Deputados.
Antes do Carnaval, o juiz Guilherme Madeira autorizou a penhora on-line de R$ 88.390, após pedido do ministro Alexandre de Moraes.
ENTENDA O FATO
Em agosto do ano passado, o juiz Madeira Dezem já havia mandado que o deputado excluísse dos perfis dele nas redes sociais as ofensas contra o ministro. Na ocasião, o juiz determinou que os conteúdos fossem removidos no prazo de 24 horas, sob pena de multa diária de R$ 50 mil.
Na decisão da última quinta-feira, o magistrado registrou que o deputado federal ultrapassou as balizas que fixam os limites aceitáveis da manifestação do pensamento e a liberdade de expressão, “uma vez que humilha, ofende e ataca, diretamente, a honra e a imagem” do ministro.
“O alegado exercício do direito de manifestação encontra limites do âmbito de proteção de outro direito individual, em outras palavras, não se pode admitir que a liberdade de expressão legitime ataques ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, como é o caso dos autos”, decidiu o juiz.
Ou seja, nenhum direito, por mais legítimo que seja, é absoluto ou ilimitado. Isso, qualquer estudante de direito no início do curso aprende. O deputado bolsonarista vai aprender da pior forma possível.
IMUNIDADE PARLAMENTAR
Madeira Dezem enfrentou, na decisão, a discussão sobre a proteção conferida pela chamada imunidade parlamentar. Proteção que tem sido usada para atacar pessoas e instituições. Para o juiz, o Estado deve ter cautela para não tolher manifestações de deputado e senadores.
“Parlamentares são a manifestação concreta do resultado das eleições e bem por isso deve-se tomar muita cautela ao analisar suas manifestações”, escreveu o juiz.
Mas isso não significa liberdade para o cometimento indiscriminado de ofensas: “Ao mesmo tempo deve se acautelar para que a liberdade de expressão e a imunidade parlamentar não sejam utilizadas como escudo para práticas inadequadas. Neste caso, foi ultrapassada a linha e cabe ao Poder Judiciário promover a correção do erro”, completou.
O juiz entendeu que a imunidade protege o parlamentar que, no exercício do cargo ou função ou em razão dessa, profere palavras, opiniões e votos relacionados à atividade exercida. Ou seja, relacionadas à atividade parlamentar, o que não pode justificar manifestações puramente ofensivas e proferidas no intuito de ofender a honra e a dignidade da pessoa humana.
DESCONEXÃO E ILEGITIMIDADE
“Nesse sentido, além de as manifestações terem sido emitidas fora da Casa legislativa, também se verifica ausência de conexão entre as manifestações proferidas pelo requerido com o exercício do mandato”, entendeu.
“Analisando os autos, não vislumbro conexão de manifestações como cabeça de piroca ou até mesmo cabeça de ovo, com a função exercida pelo requerido como deputado federal e pelo autor como ministro do Supremo Tribunal Federal”, sentenciou.
O deputado federal Otoni de Paula também responde pelas ofensas na esfera penal. Ele foi denunciado pela PGR (Procuradoria-Geral da República), em julho passado, pelos crimes de difamação e injúria contra Alexandre de Moraes.
Para o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, “as expressões intimidatórias utilizadas pelo denunciado escapam à proteção da imunidade parlamentar e atiçam seus seguidores nas redes sociais, de cujo contingente humano já decorreram investidas físicas contra o Congresso e o próprio Supremo”.
O deputado Otoni de Paula, que compõe a “tropa de choque” de Bolsonaro na Câmara, é um dos alvos de inquérito que investiga o financiamento de atos antidemocráticos que pedem o fechamento do Congresso Nacional e do STF, além de intervenção militar. No contexto dessa investigação, teve o sigilo bancário dele quebrado por decisão do ministro Alexandre de Moraes.
PAROXISMO
A vitória do neofascismo em 2018, encarnado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), desorganizou o debate político nacional.
Com a ascensão de Bolsonaro ao poder, a chamada “liberdade de expressão” ganhou ares de paroxismo, e que sob a égide deste binômio, os bolsonaristas — extremistas de direita — entenderam ou interpretaram que o “céu era o limite” ou que não havia limites.
M. V.