
Advogado do ex-presidente foi filmado tentando fazer com que mercenários de extrema-direita mudassem depoimentos para ocultar crimes do governo uribista. “Álvaro Uribe Vélez sabia quão ilícitas eram suas ações”, afirmou a juíza
O ex-presidente colombiano Álvaro Uribe foi declarado culpado nesta segunda-feira (28) por “suborno e corrupção” de três paramilitares na tentativa de evitar que o vinculassem aos crimes promovidos por seu governo. Ao longo do conflito armado, esses grupos mercenários de extrema direita atuaram com o suporte do exército estadunidense e torturaram, desapareceram e assassinaram mais de 200 mil oposicionistas.
“O suborno foi comprovado”, afirmou a juíza Sandra Heredia, responsável pelo caso, após 475 dias de julgamento, provocando uma enorme comemoração do lado de fora do tribunal. “Uribe paraco!” (paramilitar), entoaram os manifestantes, que ergueram faixas e cartazes acusando o ex-presidente.
De acordo com a juíza, “o senhor Álvaro Uribe Vélez sabia quão ilícitas eram suas ações”. Entre outros atropelos à legalidade, o ex-presidente (2002-2010) cometeu fraude processual, podendo ser condenado a até 12 anos de prisão. A sentença será anunciada na próxima sexta-feira (1).
GRUPO PARAMILITAR FORMADO POR LATIFUNDIÁRIOS E NARCOS
Um paramilitar condenado foi testemunha no julgamento e reconheceu que Uribe e seu irmão Santiago participaram da criação de um grupo terrorista conhecido como Bloque Metro no departamento (Estado) de Antióquia, formado majoritariamente por latifundiários e narcotraficantes.
Em seu depoimento, o paramilitar contou que um dos advogados de Uribe sempre o pressionava nas visitas à prisão para que alterasse sua versão dos fatos e tentou suborná-lo. As principais provas foram uma reunião do advogado de Uribe com esse paramilitar, gravada com uma câmera instalada em um “relógio espião”, informou a juíza, além de interceptações telefônicas do ex-presidente. O advogado é réu em outro julgamento.
MILHARES DE FALSOS POSITIVOS
Na tentativa de vencer o inimigo a qualquer custo, Uribe ordenou ao Exército que utilizasse uma armadilha descoberta e condenada pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. Inventou que a guerra estava sendo ganha exibindo cada guerrilheiro morto como medalha, um “positivo”, jovens civis inocentes aniquilados em combates que jamais ocorreram. Daí o termo “falsos positivos” que os números oficiais apontam em mais de 6.402 e especialistas projetam em até 15 mil. Uma prática sistemática de militares que, na tentativa de fazer verossímeis, camuflavam cadáveres, falsificavam cenas e documentos.
“Em 2023 o coronel Jaime Pinzón Amézquita entregou a estas vítimas, parentes de execuções extrajudiciais ou falsos positivos, uma condecoração chamada Medalha de Ordem Pública, dada aos oficiais que apresentaram mortes em combate”, lembrou o advogado Sérgio Arboleda. Pinzón reconheceu que havia obtido a medalha com a execução de 53 civis que fez se passarem por “guerrilheiros”.
“O problema é que o departamento de Antióquia, do qual Medelin é a capital, concentra 25% dos casos de desaparecimentos em nível nacional. Ou seja, a cada quatro vítimas uma é daqui”, frisou Sérgio Arboleda, apontando haver uma nítida tentativa de ocultar a gravidade da situação.
“VINGANÇA” DOS DEFENSORES DO ACORDO DE PAZ
Uribe atribuiu a decisão da Justiça a uma “vingança” dos que defenderam o Acordo de Paz assinado em 2017 pelo ex-presidente Juan Manuel Santos com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).
O secretário de Estado norte-americano Marco Rubio, condenou a “instrumentalização do poder judiciário por parte de juízes radicais” e disse que “o único delito do ex-presidente Uribe foi lutar incansavelmente e defender sua pátria” (sic).
“Interferência nos assuntos judiciais de outro país é interferência na soberania nacional. O mundo deve respeitar os juízes da Colômbia”, rebateu Petro.
“A Justiça deixou de ter em sua esfera figuras consideradas intocáveis, imunes. Pois bem, hoje elas não são mais”, declarou o senador Iván Cepeda, que liderou o processo contra o ex-presidente.
“Por isso, também dedicamos esta justa decisão às mães dos meninos desaparecidos, torturados, levados a valas comuns e apresentados como falsos positivos”, recordou Cepeda, referindo-se às milhares de execuções extrajudiciais. “E aos que morreram nos massacres de El Aro, La Granja e San Ronque, e ao defensor dos direitos humanos Jesús María Valle”, acrescentou, citando os crimes ocorridos em Antióquia quando Uribe era governador do departamento.
“Aos juízes que foram vítimas de espionagem criminosa do Departamento Admnistrativo de Segurança (DAS), a todos eles, dizemos que continuaremos até que a verdade plena prevaleça. Disso, não deve haver dúvidas”, concluiu o senador, referindo-se às escutas telefônicas ilegais ocorridas durante a presidência de Uribe. Cepeda assegurou que “hoje é um dia para reconhecer a justiça como garantidora da democracia”, e pediu ao ex-presidente que “diga a verdade ao país”.
A diretora da Human Rights Watch nas Américas, a ex-deputada colombiana Juanita Goebertus, também condenou Uribe, ressaltando que em seu país “existe um judiciário independente”. “A decisão contra o ex-presidente Uribe não é uma exploração da justiça. Subornar testemunhas e cometer fraude em um caso que envolve violações de direitos humanos é gravíssimo. Ninguém está acima da lei”, sublinhou.
Totalmente servil aos EUA, o partido que Uribe comanda é o Centro Democrático, evidentemente o principal movimento de oposição ao presidente Gustavo Petro.
O longo processo judicial iniciou em 2012, quando Uribe acionou na Justiça o parlamentar de esquerda Iván Cepeda por buscar presos para acusá-lo de ter vínculos com os paramilitares. Mas, diante das provas apresentadas, em 2018, a Corte Suprema mudou o rumo da investigação, apontando que foi Uribe, então congressista, quem recorreu ao suborno para a alteração das versões. A pressão popular fez com que Uribe renunciasse ao Senado em 2020 e perdesse seus privilégios parlamentares, com o caso passando para a Justiça comum.