Justiça da Inglaterra reconhece responsabilidade da multinacional BHP no crime de Mariana

Maior tragédia ambiental do país completou10 anos

Decisão inédita considera a multinacional legal e civilmente responsável por todos os pontos analisados sobre o rompimento da Barragem do Fundão; BHP anunciou que irá recorrer.

O Tribunal Superior de Justiça da Inglaterra e País de Gales declarou, nesta sexta-feira (14/11), a multinacional BHP legalmente responsável pelo rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana (MG), ocorrido em 5 de novembro de 2015.

Esta é a primeira vez que uma das controladoras da Samarco, operadora da barragem, é considerada responsável em todos os pontos fundamentais de uma ação judicial relacionada ao maior desastre ambiental da história do Brasil.

A sentença, proferida pela juíza Finola O’Farrell, é fruto de uma ação coletiva movida pelo escritório internacional Pogust Goodhead contra a BHP, que é sócia da brasileira Vale no controle da Samarco.

A corte londrina determinou que a BHP é legalmente responsável pelo colapso da barragem com base na “responsabilidade estrita” prevista na Lei Ambiental brasileira. Segundo o entendimento do tribunal, a BHP foi considerada direta e/ou indiretamente responsável pela atividade da Samarco de possuir e operar a Barragem do Fundão e, como tal, é estritamente responsável pelos danos causados.

Além disso, a sentença reconheceu a responsabilidade culposa da empresa, baseada em conduta “negligente, imprudente ou imperita”, nos termos do Código Civil brasileiro. O tribunal concluiu que a BHP foi “negligente ao permitir o desenvolvimento de saturação de rejeitos e invasão de lama, ao não realizar estudos de liquefação e análises de estabilidade recomendadas, e ao permitir que a Samarco continuasse a elevar a altura da barragem”.

A causa imediata do colapso, de acordo com a decisão, foi a liquefação dos rejeitos, um risco que a empresa deveria conhecer. A juíza identificou provas “esmagadoras” de que a barragem era instável e que a BHP tinha conhecimento dos sérios problemas de drenagem e estabilidade da estrutura desde, pelo menos, agosto de 2014 – mais de um ano antes do desastre.

O tribunal ouviu testemunhas, especialistas jurídicos e técnicos sobre as alegações de responsabilidade da BHP e sobre fatos relacionados. Foram sete testemunhas nomeadas pela BHP e oito peritos — quatro indicados pelos autores e quatro pelos réus.

A segunda fase do processo, prevista para outubro de 2026, vai determinar a extensão total dos danos causados pelo rompimento e a relação causal entre o desastre e as perdas sofridas pelos atingidos, para então calcular a indenização devida a eles

VITÓRIA PARA ATINGIDOS

O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) comemorou a decisão do Tribunal Superior de Londres. Em nota, assinada pela coordenação nacional do MAB, o movimento aponta que “considera  uma vitória dos atingidos e atingidas em todos os continentes”, a decisão da corte inglesa. “Essa decisão reafirma as denúncias feitas pelo movimento nos últimos 10 anos, sobretudo, sobre a atuação da justiça brasileira que ainda não foi capaz de responsabilizar a Vale, alegando falta de provas”.

A nota prossegue: “O MAB segue suas lutas em busca de justiça no Brasil para que a Vale não fique impune e continuará fortalecendo a mobilização internacional contra grandes corporações para que novos crimes como Mariana e Brumadinho não se repitam”. 

Na decisão, divulgada na manhã desta sexta-feira (14/11), a corte afirmou que a companhia tinha conhecimento do risco de ruptura muito antes do colapso e deixou de adotar as medidas necessárias para evitar o desastre, que despejou mais de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos.   https://99be78b5f32a1fedae016b681a068c52.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-45/html/container.html

O fundador do escritório Pogust Goodhead, Thomas Goodhead, considerou a decisão um “dia histórico”. “Com a decisão de hoje, as mineradoras agora vão ter que começar a pagar pelo que sempre fizeram: destruir a vida das comunidades locais… Agora, no caso de Mariana, fica claro que não haverá impunidade”, disse em nota.

O valor total das indenizações ainda não foi definido. O processo segue agora para uma segunda fase, prevista para outubro de 2026, que determinará a extensão total dos danos e calculará a compensação devida. Uma audiência de gerenciamento do caso está marcada para dezembro de 2025.

LEGITIMIDADE DE MUNICÍPIOS

A corte também confirmou a capacidade e legitimidade das prefeituras atingidas de participarem da ação coletiva na Inglaterra. Estes municípios não são signatários do “Novo Acordo de Reparação” homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em novembro de 2024, no valor de R$ 170 bilhões, que extinguiu a maioria das ações judiciais relacionadas ao desastre no Brasil.

O tribunal ainda decidiu que os acordos de quitação já firmados com parte dos atingidos – como os do sistema “Novel” – são válidos e regulados pelo Código Civil, o que, segundo a própria BHP, “deverá reduzir significativamente o tamanho e valor da ação em curso” na Inglaterra.

A tragédia

A estrutura se rompeu há 10 anos, em 5 de novembro de 2015, em Mariana na região Central de Minas Gerais, deixando 19 mortos e mais de 2 milhões de atingidos na Bacia Hidrográfica do Rio Doce entre Minas Gerais e o litoral do Espírito Santo. O caso é um dos maiores do Brasil e os valores requisitados pelo escritório já chegam a R$ 260 bilhões, com 23 municípios atingidos entre os clientes. A primeira fase do julgamento na Inglaterra foi realizada entre outubro de 2024 e março de 2025.

O rompimento da Barragem do Fundão despejou 40 milhões de metros cúbicos de lama e rejeitos de minério de ferro na bacia hidrográfica do Rio Doce. A estrutura estava situada na Mina de Germano e era operada pela Samarco, empresa controlada pelas mineradoras Vale (brasileira) e a BHP (inglesa e australiana).

No total, 700 mil pessoas – entre ribeirinhos, indígenas, quilombolas, pescadores, garimpeiros, agricultores e outros – foram diretamente impactados em 46 cidades diferentes de Minas Gerais ao Espírito Santo.

https://42c61369ecc56524bfb9d9fd19aa5ac8.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-45/html/container.html A tragédia matou 19 pessoas, sendo que um corpo ainda continua desaparecido e um feto também não sobreviveu ao desastre.

A contaminação se estendeu por 675 km ao longo dos leitos, margens, remansos e áreas contíguas aos rios Gualaxo do Norte, do Carmo e Doce.

Equipes removeram 11 toneladas de peixes mortos e a pesca foi suspensa. O abastecimento de milhares de pessoas foi comprometido até em cidades maiores como Resplendor (MG), Governador Valadares (MG), Baixo Guandu (ES) e Colatina (ES).

As vítimas da tragédia: 

  • Ailton Martins dos Santos, de 55 anos
  • Antônio Prisco de Souza, de 73 anos
  • Claudemir Santos, de 40 anos
  • Claudio Fiuza, de 40 anos
  • Daniel Altamiro de Carvalho, de 53 anos
  • Edinaldo Oliveira de Assis
  • Edmirson José Pessoa, de 48 anos
  • Emanuely Vitória, de 5 anos
  • Marcos Aurélio Pereira Moura, de 34 anos
  • Marcos Xavier, de 32 anos
  • Maria das Graças Celestino, 64 anos
  • Maria Elisa Lucas, de 60 anos
  • Mateus Márcio Fernandes, de 29 anos
  • Pedro Paulino Lopes, de 56 anos
  • Samuel Vieira Albino, de 34 anos
  • Sileno Narkievicius de Lima, de 47 anos
  • Thiago Damasceno Santos, de 7 anos
  • Vando Maurílio dos Santos, de 37 anos
  • Waldemir Aparecido Leandro, de 48 anos

Por meio de nota, a BHP informou que pretende recorrer da decisão. A empresa “reforça o compromisso da BHP Brasil com o processo de reparação no Brasil e com a implementação do Novo Acordo do Rio Doce”. A mineradora afirmou que, junto à Vale e Samarco, já direcionou aproximadamente R$ 70 bilhões em reparações e que mais de 610 mil pessoas receberam indenizações. “A BHP continua confiante de que as medidas tomadas no Brasil são o caminho mais efetivo para uma reparação integral”, finalizou.

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