Planilha com 18 mil pessoas contratadas pelo Centro de Estudos e Pesquisas do Estado (Ceperj) que recebiam na boca do caixa, não possuía nome dos contratados. Parte dela era nomeada com o título “governador”
A Justiça do Rio de Janeiro determinou nesta quarta-feira (3) que o governo Cláudio Castro pare de remunerar as mais de 18 mil pessoas contratadas pelo Centro de Estudos e Pesquisas do Estado (Ceperj) da forma como isso vinha sendo feito: na boca do caixa, com ordem bancária, ou por meio de recibo de pagamento autônomo (RPA).
O caso ficou conhecido como “cargos secretos”, já que a nomeação das pessoas não era publicada no Diário Oficial. As formas de pagamento adotadas, segundo o Ministério Público do Rio (MPRJ), dificultam a rastreabilidade e facilitam a lavagem de dinheiro.
Somente neste ano, a folha de pagamentos ligada à fundação chegou a R$ 300 milhões apenas no primeiro semestre, sendo que os beneficiários sacaram R$ 226 milhões em espécie, na boca do caixa.
Ao todo, a Ceperj possui cerca de 18 mil cargos ocupados sem transparência. De acordo com dados da Secretaria Estadual de Fazenda, o governo Cláudio Castro (PL) engordou o orçamento do órgão em 25 vezes desde que assumiu o comando do Executivo estadual.
CABOS ELEITORAIS
Além disso, o governo do Rio de Janeiro, comandado por Claudio Castro, montou uma tabela padronizada para sistematizar as indicações de cabos eleitorais para cargos secretos da Fundação Ceperj (Centro Estadual de Estatísticas, Pesquisas e Formação de Servidores Públicos do Rio).
De acordo com o UOL, ao menos três pessoas que negociaram pré-candidaturas a deputado estadual e federal que apoiam Claudio Castro, confirmaram terem recebido propostas para indicarem cabos eleitorais do secretário estadual de Trabalho e Renda e presidente estadual do Podemos, Patrique Welber.
Todos teriam sido contratados como agentes de apoio do programa ‘Casa do Trabalhador’, desenvolvido pela Secretaria Estadual de Trabalho e Renda (Setrab) em parceria com a Ceperj. A distribuição dos cargos é feita conforme a área de influência dos aliados. O programa possui ao menos 9 mil cargos preenchidos sem identificação dos beneficiários.
A estratégia do governo fluminense para a remuneração dos cargos secretos lembra o orçamento secreto federal, em que as emendas de relator, com o código técnico RP-9, escondem os autores.
A Setrab alegA que “as acusações não tem fundamento”. Ainda segundo a pasta, “as contratações dos funcionários das Casas do Trabalhador são feitas mediante processo de seleção simplificado e não têm qualquer finalidade político-partidária”.
Já a Fundação Ceperj disse que, juntamente com o governo do Rio, desconhece indicações eleitorais em seus programas.
PLANILHA GOVERNADOR
Em junho, uma reportagem do UOL revelou uma planilha elaborada pela Secretaria de Trabalho implica diretamente Castro no escândalo.
O documento recebeu o nome de “governador” e tratava do orçamento para 9 mil cargos secretos. Após a revelação, o governo chegou a colocar o documento sob sigilo, mas voltou atrás.
Outros programas com cargos secretos também tiveram pagamentos significativos por meio do mesmo tipo de código.
A Ceperj usou um código genérico no sistema orçamentário do Rio de Janeiro para esconder R$ 284 milhões em pagamentos a funcionários que participaram neste ano de projetos do órgão.
O levantamento dos pagamentos com o código CG (credor genérico) no Siafe-Rio (Sistema Integrado de Gestão Orçamentária, Financeira e Contábil do Rio de Janeiro), que é o principal instrumento de registro, acompanhamento e controle dos gastos do governo estadual, Legislativo e Judiciário, foi realizado, a pedido do UOL, pelo gabinete do deputado estadual Eliomar Coelho (PSB).
A análise foi feita em 13 projetos da Ceperj realizados com recursos de diversas secretarias.
A tática de uso do código genérico pela Ceperj foi detectada por técnicos do Tribunal de Contas do Estado do Rio (TCE-RJ).
O relatório do TCE-RJ, de 24 de junho, afirma que “foi constatado, em consulta ao Siafe-Rio, que a fundação vem realizando os pagamentos por meio de um Credor Genérico CG0012957”.
Só no ‘Esporte Presente RJ’ foram gastos cerca de R$ 115,5 milhões por meio desse método para bancar os cargos secretos.
“Fica patente o embaraço que as referidas transações geram ao controle, já que os relatórios do Siafe-Rio não apresentam os CPFs das pessoas que recebem os pagamentos, mas, sim, o código do Credor Genérico apontado. Prejudicam, ainda, a fiscalização acerca do acúmulo indevido de vínculos diretos e indiretos com a Administração Pública”, diz o relatório do TCE-RJ.
Segundo a Ceperj, a “inscrição genérica é utilizada para pagamento de mais de um credor, utilizando-se somente uma única ordem bancária”.
“Isso se faz necessário para maior agilidade do processo interno. Não há irregularidade nessa forma de pagamento que, inclusive, consta no Manual da Secretaria Estadual de Fazenda do Rio. No entanto, para que haja melhor fluxo, houve um ajuste no sistema de pagamentos, que somente serão efetuados através de conta corrente”, disse a fundação em nota.
DESEMBOLSOS MILIONÁRIOS
O Casa do Trabalhador — com ao menos 9.000 cargos secretos— gastou neste ano quase R$ 66,9 milhões classificados como credor genérico. Já o Observatório do Pacto RJ teve gastos de cerca de R$ 47,9 milhões nessa modalidade. Com o RJ para Todos, por sua vez, o desembolso foi de R$ 26 milhões.
“O que estamos vendo, mais uma vez, é o governo Cláudio Castro gastando dinheiro a rodo, boa parte proveniente da venda da Cedae sem qualquer compromisso com a correta aplicação de recursos públicos. Sem a publicidade de seus atos, transparência zero”, aponta o TCE-RJ.
O programa Casa do Trabalhador é o maior dentre os que têm folhas de pagamento secretas, estão sendo controlados por pré-candidatos do Podemos, partido presidido pelo secretário de Trabalho e Renda, Patrique Welber.
A pasta afirmou que “as unidades do projeto são equipamentos públicos e não têm finalidade político-partidária”.
Porém, a líder comunitária, Lúcia Helena Oliveira Girão, que representa os moradores do conjunto Parque Real, em Realengo, diz que o polo do Esporte Presente na localidade foi cancelado após ela rever seu apoio a Marcus Venissius Barbosa, candidato do Podemos a deputado federal e ex-presidente da TurisAngra (Fundação de Turismo de Angra dos Reis).
Lúcia diz ter sido procurada por coordenadores de campanha de Venissius, como Barbosa é conhecido, com a oferta da criação de um núcleo do projeto em troca de apoio político ao candidato do Podemos. Também foi oferecido à líder comunitária que ela saísse candidata a deputada estadual para fazer campanha ao lado dele.
Por meio de Eduardo Gil dos Santos Duarte, servidor da Secretaria Estadual de Educação cedido à Secretaria de Governo, e Marcelo Felix, Venissius, como é chamado, controla dois polos na Tijuca e um em Inhaúma, na zona norte, além de outros em Campo Grande, Taquara e Recreio dos Bandeirantes, na zona oeste.
“Ele [Eduardo Gil] apareceu na minha casa dizendo que tinha um projeto chamado Esporte Presente e que queria trazer para o Parque Real. Eu disse que já tinha um projeto de [ginástica] funcional e alongamento há três anos e que não abriria mão de trabalhar com a minha professora. Ele me falou como funcionaria: me colocaria como monitora, colocaria a Natália, minha esposa, como auxiliar, porque ela ajuda na praça, e a Angélica como professora”, relatou.
“Começamos o projeto vinculado ao Esporte Presente em 25 de abril. E [eles diziam que] quem tinha trazido esse projeto para cá era o Venissius, de Angra dos Reis. Ele veio aqui, fez uma reunião com as moradoras e se apresentou.”
“Essa parceria que eles haviam proposto para mim, de estar fazendo uma dobrada com o Venissius como deputada estadual no Podemos, não vingou. Ele falou que ia fazer minha filiação, mas descobri que não estava filiada. […] Quando consegui fazer todos os trâmites, divulguei na internet que era pré-candidata [por outro partido]. No mesmo dia, a Angélica recebeu uma ligação dizendo que o projeto tinha acabado.”
Um áudio enviado por Marcelo Felix à professora de educação física que atua no projeto esportivo do Parque Real deixa claro que a remoção do núcleo foi uma retaliação política.
“Quem cuida disso é o [Eduardo] Gil. […] Assim que foi visto lá que a Lúcia não estava mais com o partido, com as ideologias… Ou seja, não estava mais com o Venissius e tudo, não sei por qual motivo a decisão foi tomada”, diz Felix. “É aquele velho ditado: os incomodados que se mudem. E foi isso que o Gil fez: ele tirou o projeto daí e esses foram alguns dos motivos que ele tirou.”