Por dois votos a um, a Justiça Federal em Minas Gerais manteve a suspensão das atividades da empresa Taquaril Mineração S/A (Tamisa), na serra do Curral, em Belo Horizonte. A sentença, proferida nesta terça-feira (29), atendeu o recurso do Ministério Público Federal (MPF), que alega que o quilombo Manzo Nzungho Kaiango utiliza a área para a sua existência e manifestação cultural, o que seria prejudicado pelas atividades da mineradora.
O órgão entrou com recurso contra uma sentença da primeira instância da Justiça Federal que negou um pedido de tutela provisória de urgência contra a atuação da mineradora. A permissão para que a empresa se instalasse na Serra do Curral foi concedida sem que houvesse consulta junto à tradicional comunidade quilombola Manzo Nzungho Kaiango, afetada pelo empreendimento, apontou o MPF.
Na audiência que decidiu pela suspensão das atividades, a defesa da mineradora alegou que seguiu todos os trâmites para a obtenção da licença ambiental e que respeita a comunidade quilombola. Disse também que é preciso encontrar um ponto de equilíbrio entre o desenvolvimento pleno da sociedade como um todo, sem desconsiderar a proteção necessária às pessoas e ao meio ambiente.
Voto vencido no processo, o desembargador Evandro Reimão disse que as atividades da mineradora não impossibilitariam as atividades culturais da comunidade quilombola, que conta com espaços tanto em Belo Horizonte quanto em Santa Luzia. Alegou ainda questões econômicas, como criação de empregos que a exploração minerária poderia gerar.
A primeira sessão de julgamento do recurso do MPF ocorreu em 15 de dezembro de 2022, com decisão favorável do relator. Na ocasião, o desembargador federal Álvaro Cruz determinou em caráter de urgência audiência com a comunidade quilombola.
Em 23 de maio deste ano, uma nova sessão foi realizada, quando um dos desembargadores acompanhou o voto do relator e o outro pediu vistas do processo. Assim, uma nova audiência foi marcada para 13 de junho.
Porém, não houve sessão na data por ausência de um dos desembargadores, enquanto outro desembargador que pediu vistas ainda não havia devolvido o processo. Uma nova sessão ocorreria no dia 11 de julho, mas um dos desembargadores estava de férias e outro de licença médica. Com isso, a sessão foi realizada nesta terça-feira.
“Essa vitória mostra a consistência da luta pela proteção da Serra do Curral. É uma região extremamente importante para a nossa cidade. A sociedade mineira e a belo-horizontina têm muito a comemorar”, declarou o urbanista Roberto Andrés, ao analisar o desfecho da sessão ocorrida em maio.
“Antes do julgamento, manifestantes e integrantes do movimento “Tira o pé da minha serra” organizaram um ato na porta do tribunal em defesa do patrimônio”, completou Andrés, que também é professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Em sua decisão, o relator criticou o fato de o próprio Estado, por meio da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), afirmar que a Mata da Baleia, território afetado pelo projeto da Tamisa, é relevante para a comunidade tradicional, mas, contraditoriamente, defender a atuação da mineradora.
“Mesmo reconhecendo a relação espiritual dos Manzo com a Mata da Baleia e a proximidade das atividades de mineração a licenciar, insistem as partes em não quererem ouvir a comunidade afetada”, pontua o desembargador em documento.
O recurso impetrado pela mineradora Taquaril S.A (Tamisa), em conjunto/conluio com o governo privatista de Romeu Zema (Novo) e a Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais, pleiteava ao Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6) a retomada da mineração na Serra do Curral, cartão-postal de Belo Horizonte.
“Mais uma ação de racismo ambiental, perpetrada pelo Estado em conluio com o interesse econômico das mineradoras”, criticou a advogada Fernanda Lage. “É um território que já deveria ter sido tombado há muito tempo”, prosseguiu. Além da importância para a segurança hídrica de Belo Horizonte, a Serra do Curral é um patrimônio arqueológico, espeleológico, cultural, material e ambiental de Minas Gerais”, completou. Há 20 ações judiciais ativas no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) sobre a mineração na Serra do Curral, segundo um levantamento realizado pelo observatório ambiental Lei.A. Ainda segundo o portal, também tramitam na Justiça Federal de Minas Gerais, ou seja, no TRF-6, duas ações na esfera civil e duas ações criminais, todas ajuizadas pelo Ministério Público Federal.