Empresas fingiam fazer terraplanagem para “dissimular a extração irregular de minério”, aponta a investigação
A Justiça Federal suspendeu as atividades das mineradoras Gute Sicht e Fleurs Global, que atuavam na Serra do Curral em Belo Horizonte. A decisão, proferida na segunda-feira (23), se deu em razão de uma investigação da Polícia Federal que apontou que as empresas fingiam fazer terraplanagem para “dissimular a extração irregular de minério”. A multa, no caso de descumprimento é de 300 mil reais diários.
“Para dissimular a extração irregular de minério […] comercializando o minério assim retirado para siderúrgicas e empresas de beneficiamento de minério”, as empresas agiam, conforme as investigações, “de forma a burlar a fiscalização dos órgãos ambientais”, diz relatório da PF.
Em sua decisão, a juíza Gabriela de Alvarenga Silva Lipienski, da 3ª Vara Federal Criminal de Belo Horizonte, se baseou no fato de que a Gute Sicht está inserida em área tombada da Serra do Curral.
Em maio de 2022, a Prefeitura de BH já havia determinado a suspensão das atividades minerárias no local, mas segundo a justiça, a decisão vem sendo descumprida pela empresa.
A mineradora operava amparada por um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado em 2021 com a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), mas, em setembro do ano passado, a Semad e o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) também determinaram a suspensão das atividades minerárias da Gute Sicht na Serra do Curral.
Em outubro, por meio de uma liminar na Justiça, a empresa conseguiu reativar as operações.
“Há fortes indícios” dos crimes de realizar pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem autorização e de explorar matéria-prima pertencente à União sem permissão legal, no mínimo durante todo o ano de 2020 até novembro de 2021, quando a mineradora obteve a concessão de lavra pela Agência Nacional de Mineração (ANM), acredita a magistrada.
No caso da Fleurs Global Mineração – que, de acordo com a Justiça, pertence ao mesmo grupo econômico e é administrada pela mesma pessoa que a Gute Sicht –, a juíza destacou os “sucessivos TACs” celebrados com a Semad com a dispensa de licença ambiental, “quando todos os TACS anteriores são descumpridos e mais, por sua natureza, deveriam ser temporários.
A magistrada destacou ainda o comportamento “estranho” do responsável pela empresa e sua mulher. De acordo com ela, no dia em que ocorreu a busca e apreensão na residência do casal os dois “saíram às pressas de casa durante a madrugada, deixando toalha molhada em cima da cama e até mesmo a porta aberta” para se hospedarem em um hotel. Ela apontou também que no endereço comercial o cofre estava com a porta aberta e vazio.
“Os fatos noticiados demonstram sérios indícios do cometimento de crimes na atividade das empresas, ainda na data atual, sendo notório o prejuízo irreversível à coletividade com a continuidade da extração mineral em área tombada da Serra do Curra pelo município de Belo horizonte e a interferência em unidade de conservação estadual sem qualquer estudo do impacto ambiental e seu licenciamento”, concluiu a magistrada.
DECISÃO ACERTADA, DIZ PREFEITO DE BH
O prefeito de Belo Horizonte, Fuad Noman (PSD), disse que tomou conhecimento da “acertada decisão” da Justiça pelas redes sociais e que o município se empenhará para que a medida seja cumprida.
“A Semad tem conhecimento da decisão judicial mais recente sobre ambas, proferida pela juíza da 3ª Vara Federal, na última segunda-feira (23), que determinou a suspensão imediata da atuação das empresas, e cumprirá seu dever de fiscalização”, disse Noman. “Cabe frisar que o Estado não é parte desta ação judicial”, ressaltou.
“Na decisão, a juíza federal Gabriela de Alvarenga Silva trata de representação criminal enviada pela PF que confirma que a Gute explora minério em área tombada e inserida em unidade de conservação APA Sul e zonas de amortecimento dos parques da Baleia, Mangabeiras e Rola Moça, afirmou a deputada federal Duda Salabert (PDT-MG).
“Tal atividade já foi alvo de suspensão, porém, a empresa não vem cumprindo e prefere ter lançada contra si autos de infração”, detalhou a parlamentar em suas redes sociais. A deputada tinha reunião marcada para esta quinta-feira (26) com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, para discutir o assunto.
Em nota, a Fleurs Global Mineração afirmou que “sua atividade é integralmente autorizada por todos os órgãos responsáveis, que discorda inteiramente da decisão proferida pela 3ª Vara Federal Criminal da SSJ de Belo Horizonte e que irá combatê-la pelos meios judiciais cabíveis”.
No final de 2022, a Agência Pública teve acesso a documentos que revelam que a Advocacia-Geral da União (AGU) deu parecer contrário à concessão de lavra para a Gute Sicht, mas reviu o posicionamento após a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Semad) garantir a legalidade da operação. A empresa opera sem licenciamento ambiental.
A Semad informou, por nota, que, “em respeito aos ritos forenses e à divisão dos Poderes, o governo de Minas não comenta ações judiciais e informa que, quando intimado, se pronuncia nos autos dos processos”.
O governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), é defensor da exploração minerária na Serra do Curral, o que tem facilitado a atuação das empresas no local. Com um sócio em comum, a Gute e a Fleurs conseguiram autorização para explorar a Serra do Curral por meio de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado com a Superintendência Regional de Meio Ambiente (Supram), órgão de fiscalização e regularização ambiental subordinado à Semad.
Enquanto as atenções se voltavam para a possibilidade da Taquaril Mineração atuar na Serra do Curral (com as bênçãos de Zema) a Fleurs e Gute agiam à margem da lei no principal cartão postal e patrimônio histórico da capital mineira.