Crianças da Escola Colmeia Mágica sofreram “intensos sofrimentos físicos e psicológicos”, aponta MP
A desembargadora Ely Amioka, da 8ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, negou o habeas corpus e manteve a prisão de Roberta Serme, de 40 anos, investigada por maus-tratos a crianças e uma das donas da escola infantil Colmeia Mágica, localizada na Zona Leste de São Paulo.
Ela teve a prisão temporária decretada, no último dia 22 de março e foi presa no dia 26, por suspeita de maus-tratos, tortura, periclitação de vida, submissão a vexame e associação criminosa.
Segundo o Ministério Público de São Paulo (MPSP), vídeos, fotos e depoimentos mostram que os alunos da Escola Infantil Colmeia Mágica que aparecem amarrados e chorando numa gravação que viralizou neste mês nas redes sociais sofreram “intensos sofrimentos físicos e psicológicos”.
As filmagens flagraram crianças com os braços imobilizados, como se usassem uma “camisa de força”, e presas a cadeirinhas de bebês no banheiro da escolinha, perto de uma privada e embaixo de uma pia. Fotografias ainda revelaram alunos com machucados após saírem da creche. A escola fica na Vila Formosa, Zona Leste. Foi fundada em 2002 e atende crianças de 0 a 5 anos, do berçário ao ensino infantil.
Em depoimentos à Polícia Civil, professoras e funcionárias da Colmeia Mágica acusaram as donas da escola, as irmãs Roberta e Fernanda Serme, e uma das empregadas de lá, de envolvimento com os maus-tratos contra as crianças; seja praticando ou sendo conivente com a situação.
Pais de alunos contaram à investigação do MPSP que uma bebê de 3 meses morreu em 2010 após ter se engasgado no berçário. O hospital confirmou que ela teve uma parada cardiorrespiratória. A mãe de um garoto de 3 anos gravou um vídeo em 2014, quando seu filho acusou Roberta, que também é diretora, de arranhá-lo no rosto.
Os policiais apuram se esses casos mais antigos têm relações com as denúncias recentes, como os vídeos das crianças amarradas gravados em 2022.
Na semana passada, o MPSP concordou com o pedido de prisão feito pela polícia contra Roberta. A diretora, sua irmã e uma das empregadas são investigadas por suspeitas de maus-tratos, periclitação de vida, que é colocar a saúde das crianças em risco, submissão delas a vexame ou constrangimento, tortura e associação criminosa.
Na terça-feira (22) a Justiça, como “há fortes indícios” de que a diretora esteja envolvida “na prática dos delitos, ela decretou a prisão temporária de Roberta por 30 dias. A mulher continua foragida. Ela não havia se entregado ou sido presa. Os policiais estão há seis dias fazendo buscas a procura dela em prováveis endereços onde poderia estar.
A escola é investigada pela Central Especializada de Repressão a Crimes e Ocorrências Diversas (Cerco) da 8ª Delegacia Seccional, que recebeu as filmagens por meio de uma denúncia solicitando que elas fossem apuradas. Não há confirmação de quem gravou os vídeos. A suspeita é de que possa ter sido alguma funcionária da Colmeia Mágica descontente com o que viu.
DESCASO
Segundo uma das professoras em seu depoimento ao MPSP, os bebês eram enrolados em lençóis e colocados em cadeirinhas infantis por ordem de Roberta para depois serem “levados para o banheiro que tinha sua luz apagada e fechada a porta”.
Essa mesma professora ainda relatou que um dos alunos chegou a pedir ajuda quando era amarrado.
“Ele gritava bem alto: ‘Socorro, me solta. Tá machucando'”. A educadora também contou que a diretora chegou a manter em dias diferentes duas meninas presas no banheiro, em cima da privada para que fizessem suas necessidades fisiológicas.
Outra professora declarou em seu depoimento que quem amarrava as crianças era Roberta. E que os bebês que eram deixados no banheiro ficavam “sozinhas, sem nenhuma professora”.
A educadora também disse que a diretora levava para sua sala, chamada de “sala do pensamento”, os alunos maiores e indisciplinados para refletirem sobre seus atos. Há relatos de que alguns ficavam horas em pé sem poder se sentar.
Mais uma professora relatou à polícia que a diretora gritava com funcionárias e crianças, que tinham medo dela.
“Como gritar com os funcionários, chamar de retardado. Com as crianças ela também grita muito. Caso o aluno não queira comer, já viu ela pegar com as mãos na bochecha do aluno e enfiar a colher forçando ele a comer”, informou a educadora em seu depoimento.
“Os alunos têm muito medo da Roberta”, continuou a professora. “As crianças não podem chorar que já são reprimidas”.
Ela contou ainda que um dia a diretora mandou “embalar” um menino que chorava muito para deixá-lo sozinho no banheiro. Em seguida, disse ter visto uma das empregadas, que “colocou um cobertor no rosto da criança”. Essa funcionária também está sendo investigada por suspeita de maus-tratos.
“Algum tempo depois Roberta pegou a criança e disse que ele estava com sono, mas na verdade a criança estava suando muito e com dificuldade para respirar”, acusou a professora.
Uma professora falou para os policiais que pediu demissão no ano passado por não suportar o que Roberta fazia na escola, como, segundo ela, ‘embalar’ bebês para eles não chorarem.
Esses procedimentos eram comuns e diários na escola como forma de castigo corporal, porque as crianças estavam chorando ou porque desobedeciam”, disse a educadora em seu depoimento.
Segundo a professora, Roberta chamava de “charutinho” a técnica para imobilizar as crianças que chorassem em sala de aula. “Quando a criança estava muito agitada, era para pegar os dois braços da criança para o peito em formato de X, e embalar forte com o lençol. Roberta dizia que isso era tirado da internet, e os chineses faziam isso para acalmar, segundo ela. Todavia, a depoente diz que a criança ficava mais irritada.”
Ainda de acordo com a educadora, Fernanda, não foi vista maltratando as crianças, mas “era omissa, pois era também dona e sabia tudo que se passava na escola”.
Como há relatos de que a direção da escola dava remédios que causavam sono nas crianças, a polícia investiga se medicamentos foram usados para fazer os bebês dormirem. Segundo depoimentos de testemunhas, a prática seria para evitar que as crianças também chorassem.
Comprimidos foram apreendidos pela investigação numa das duas buscas e apreensões realizadas na Colmeia Mágica com autorização judicial. No começo de março, três celulares das proprietárias também foram recolhidos para análise. Sete lençóis que teriam sido usados para amarrar os bebês acabaram apreendidos. Na última quinta-feira (24), a polícia cumpriu um novo mandado judicial de busca e apreensão e apreendeu cadeirinhas infantis. Todo material será periciado.
Até o momento nenhuma das três suspeitas foi indiciada pela polícia pelos crimes que estão sendo investigados.
Segundo a Secretaria da Segurança Pública (SSP), 32 pessoas já foram ouvidas no inquérito. Entre elas 12 pais de alunos e sete funcionários da escolinha, incluindo professoras, empregadas e a própria diretora. Mais 20 pessoas serão ouvidas nesta semana.