Coaf pegou movimentação suspeita
Também quebrados os sigilos da mulher e da mãe de Adriano da Nóbrega, chefe do Escritório do Crime
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) autorizou a quebra de sigilo do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro, e do ex-policial militar Fabrício Queiroz. O pedido foi feito pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, autorizado em 24 de abril de 2019 e mantido em sigilo até a segunda-feira (13/05). A quebra de sigilo bancário compreende o período que vai de janeiro de 2007 a dezembro de 2018.
A Justiça também quebrou o sigilo fiscal dos investigados, entre 2008 e 2018. A decisão é de autoria do juiz Flávio Nicolau, do TJ-RJ, que afirmou, no documento, que a quebra do sigilo é “importante para a instrução do procedimento investigatório criminal”.
A quebra se estende não só a Flavio, Queiroz e seus respectivos familiares e empresas, mas também a outros 88 ex-funcionários do gabinete, seus familiares e empresas relacionadas a eles.
Entre os que tiveram o sigilo quebrado estão Danielle Nóbrega e Raimunda Magalhães, mulher e mãe do ex-PM Adriano Magalhães da Nóbrega, tido pelo Ministério Público do Rio como chefe do Escritório do Crime, organização de milicianos suspeita de envolvimento no assassinato de Marielle Franco.
O ex-policial, hoje foragido, é acusado há mais de uma década por envolvimento em homicídios. Adriano já foi homenageado por Flávio na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). Informações mais detalhadas podem ser obtidas em Bolsonaro e as milícias.
Além da quebra de sigilo de Flávio e seu ex-assessor Queiroz, também terão suas informações bancárias averiguadas a mulher de Flávio, Fernanda Bolsonaro, a empresa de ambos, Bolsotini Chocolates e Café Ltda, as duas filhas de Queiroz, Nathalia e Evelyn, e a mulher do ex-assessor, Márcia Aguiar.
Como já sabia que seu sigilo seria quebrado, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) voltou a apresentar no fim de semana a narrativa de que está sendo perseguido no caso envolvendo seu ex-assessor Fabrício Queiroz. Como todos os envolvidos em falcatruas, ele acusa o Ministério Público de “perseguição política e vazamentos seletivos”.
“Vejo que há grande intenção de alguns do Ministério Público de me sacanear, de mais uma vez colocar em evidência coisas que não fiz”, disse. “Estou preferindo me antecipar, porque meu processo corre em sigilo de Justiça, mas sempre que vai para o Ministério Público os caras vazam tudo”, acrescentou ele, em entrevista ao Estadão, no domingo (12).
“O Ministério Público do Rio de Janeiro está preparando uma manobra para dar ‘verniz de legalidade’ à investigação do caso Queiroz, disse o senador. “É por isso que os promotores correm agora para conseguir da Justiça a quebra de meu sigilo bancário e fiscal”.
Reação para tentar abafar o caso
O filho de Bolsonaro bem que tentou abortar a investigação, mas o MPRJ pediu a quebra dos sigilos.
“Para que esse pedido, se meu extrato já apareceu na televisão? Eles querem requentar uma informação que conseguiram de forma ilegal”, acrescentou. “Não tem outro caminho para a investigação a não ser ela ser arquivada – e eles sabem disso. Foi um papel muito sujo do procurador de Justiça do Rio”, afirmou Flávio.
Repetindo a ladainha da “perseguição política” e “vazamentos seletivos”, Flávio Bolsonaro disse que “quebraram meu sigilo bancário sem autorização da Justiça e expuseram isso em rede nacional”.
“Como eu me defendo disso? Minha intimidade ninguém respeita? Minha chateação é com alguns pouquíssimos integrantes do Ministério Público que estão tentando atacar minha imagem para atacar o governo Jair Bolsonaro. Infelizmente, tem militância política em tudo quanto é instituição e no Ministério Público não é diferente. O Ministério Público está esculachando o Judiciário toda hora em meu caso e o Judiciário não faz nada”, acusou.
Todos os tribunais superiores referendaram e respaldaram as investigações do MP-RJ e rejeitaram as alegações do senador bolsonarista, de que pudesse ter havido qualquer ilegalidade nas investigações envolvendo irregularidades cometidas em seu gabinete. Tanto respaldaram, que acabam de autorizar a quebra dos sigilos do envolvidos.
A reação e os ataques de Flávio Bolsonaro aos investigadores vieram assim que ele soube que o MP-RJ iria solicitar a quebra de seu sigilo bancário e fiscal.
Além de atacar o MP, outra medida tomada por ele foi tentar se desvencilhar de seu “faz-tudo”, o motorista Fabrício Queiroz.
Perguntado se sabe onde ele está, respondeu: “como é que eu vou saber? Ele tem um CPF e eu tenho outro. A última vez que falei com Queiroz, foi quando ele teve cirurgia de câncer e liguei para saber se estava tudo bem. E nunca mais falei com ele. Não sei onde ele está, não tenho informação da família, não sei nada”.
Flávio não sabe do paradeiro de Queiroz, mas disse que é tudo mentira o que se sabe sobre ele: “Não tem por que o Queiroz ter feito isso”, disse ele, sobre a movimentação suspeita e R$ 7 milhões na conta do assessor entre 2014 e 2017.
Como a movimentação existiu e foi documentada pelo Coaf, ele teve que admitir, mas tentou tirar o corpo fora. “Se fez, o que eu não acredito, foi obviamente sem o meu consentimento. Não posso ter convicção de que houve ilegalidade”, acrescentou.
Ao mesmo tempo que jura não acreditar que houve ilegalidades, Flávio já começou a tentar se livrar do incômodo assessor.
“Eu tinha a sua confiança, mas agora não tenho mais. Está demonstrando que não é merecedor dela”, acrescentou. “Óbvio que cobrei dele, mas ele não me deu as explicações precisas à época. Me deu de forma genérica. Agora é o Ministério Público que tem de apurar. Talvez meu erro tenha sido esse: confiar demais nele, sem dúvida”, disse.
Deve ser por essas declarações de Flávio que o motorista desapareceu.
Queiroz conhece bem os métodos usados pelas milícias do Rio quando alguém passa a ser um incômodo.
“O Queiroz tinha muita autonomia dentro do gabinete para escolher as pessoas, principalmente as equipes que eu chamo de equipe de rua”, afirmou Flávio, jogando tudo nas costas do Queiroz.
“A demora dele em falar me atrapalhou muito. Fui sendo fritado enquanto ele não falava nada”, continuou o senador. E disse que, se soubesse de alguma coisa, “eu seria o primeiro a cortar a cabeça dele”.
Flávio tenta de todas as formas paralisar as investigações do MP [já foi ao STF e ao Conselho do Ministério Público], acusando-o de abuso de poder, mas diz cinicamente que quem tem que cobrar de Queiroz as explicações é o Ministério Público. A Justiça barrou todas as tentativas de Flávio de barrar as investigações.
O senador confirmou na entrevista que quem bancou Queiroz foi seu pai, Jair Bolsonaro. Os dois, Jair e Fabrício, serviram juntos no 8º Grupo de Artilharia de Campanha Paraquedista, em 1984. Perguntado se Queiroz tinha a confiança de seu pai, respondeu: “com certeza, ou não teria vindo trabalhar comigo”.
O MP está investigando as origens do dinheiro movimentado por Queiroz.
Fabrício Queiroz movimentou R$ 7 milhões em sua conta entre 2014 e 2017, enquanto esteve no gabinete de Flávio Bolsonaro. O órgão busca esclarecer também de onde viriam os recursos usados pelo ex-motorista e suas ligações com o capitão Adriano Magalhães Nóbrega, que está foragido, e é o chefe do “Escritório do Crime”, uma espécie de central de execução de crimes por encomenda, ligado à milícia do Rio das Pedras.
Questionado se sabe quem pagou as despesas de Queiroz no hospital mais caro do País, o Albert Einstein, Flávio desconversou. “Claro que é estranho. Mas, de novo, ele tem que explicar. Certamente deve ter sido uma conta bem alta, né? Porque lá é um hospital top de linha”, disse.
O ex-capitão e miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega, hoje foragido, recebeu uma homenagem de Flávio Bolsonaro – a Medalha Tiradentes, maior honraria do Rio de Janeiro – em 2003. (Leia aqui)
Flávio tentou se esquivar de suas ligações com milicianos, mas se complicou ainda mais quando falou de Adriano. “Conheci [o capitão Adriano] em 2003, 2004, mais ou menos. Ele estava sendo acusado de ter matado um trabalhador e, na verdade, era um traficante”, disse Flávio.
Vejam como descreveu o caso o advogado que defendeu Adriano à época, ao visitá-lo, segundo reportagem do site de notícias UOL: “Quando cheguei ele estava no dormitório, limpando um fuzil e uma pistola. As duas armas estavam desmontadas sobre uma mesa. Adriano lubrificava e secava com uma flanela cada peça. Era como se estivesse cuidando de um animal de estimação. Mal olhou nos meus olhos enquanto eu sugeria uma linha de defesa.
“Não parecia preocupado em momento algum”, disse o defensor. “Em meia hora ele terminou de limpar e montar as duas armas. Me olhou num instante e disse que ninguém iria depor contra ele. ‘Esse cara era só mais um vagabundo, ligado ao tráfico’, disse ele ao advogado. Sem o depoimento da única testemunha do assassinato de um jovem que denunciara os crimes da milícia, Adriano conseguiu escapar. Foi nessas condições que Flávio Bolsonaro o homenageou.
Flávio Bolsonaro continuou a falar sobre a homenagem ao miliciano:
“Queiroz me apresentou a proposta. Resolvi abraçar aquela causa. Até homenageei ele [Adriano] depois como forma de mostrar que acreditava na palavra dele. Ele, agora, está sendo acusado de um monte de coisa. Se ele estiver errado, que a lei pese sobre ele. Como exigir de mim saber de algo que 15 anos depois veio à tona?”, indagou o senador.
Se fosse só isso, realmente a resposta de Flávio Bolsonaro poderia até convencer. Mas, ele não só homenageou o assassino profissional. Ele fez muito mais pelo “capitão”. Flávio empregou a mãe e a irmã do miliciano em seu gabinete. Ela ficou empregada no gabinete do então deputado até o ano passado. Raimunda Veras Magalhães aparece em relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) como uma das pessoas contratadas pelo gabinete de Flávio e que fizeram depósitos para Queiroz.
Raimunda é dona do restaurante Bairrada Adega Gourmet, no Rio Comprido, região central do Rio, que fica exatamente em frente à sede da agência do Banco Itaú onde coincidentemente foi feita a maioria dos depósitos na conta de Queiroz. A mulher do miliciano, Danielle Mendonça da Costa da Nóbrega, também trabalhou no gabinete de Flávio Bolsonaro, recebendo o mesmo salário da sogra. Ela é listada na Alerj desde novembro de 2010 e foi exonerada junto com Raimunda em 2018.
Negócios suspeitos de Flávio Bolsonaro
O filho do presidente também foi flagrado pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras com movimentações financeiras suspeitas em suas contas.
Em novembro de 2012, Flávio adquiriu dois imóveis em Copacabana, na zona sul do Rio de Janeiro. Localizados em ruas pouco valorizadas do bairro, pagou um total de R$ 310 mil pelas duas quitinetes e as revendeu, um ano e três meses depois, por mais que o triplo do preço, segundo reportagem do jornal Folha de S. Paulo.
Os dois imóveis haviam sido adquiridos em 2011 pelos proprietários anteriores por um total de R$ 440 mil. Em pleno boom imobiliário na cidade, eles tiveram um prejuízo de 30% ao revendê-los ao senador eleito, segundo dados do 5º RGI (Registro Geral de Imóveis) da capital do estado.
O deputado revendeu um imóvel em novembro de 2013 (por R$ 573 mil) e outro em fevereiro de 2014 (por R$ 550 mil). Somadas, as transações lhe renderam um lucro de R$ 813 mil —diferença entre os R$ 310 mil investidos nas compras e o R$ 1,12 milhão que recebeu com as vendas.
Os responsáveis pela transação com Flávio, contudo, não foram os proprietários do imóvel, mas o corretor norte-americano Glenn Dillard. Ele tinha uma procuração de Charles Eldering e Paul Maitino, reais donos das quitinetes, para negociar imóveis no Rio de Janeiro. Em 2016, Eldering acusou Dillard na Justiça de ter lhe aplicado um golpe. Ele declarou que o corretor vendera a unidade a Flávio sem o seu consentimento, omitiu a concretização da negociação e ficou com o dinheiro.
Segundo a Folha, Dillard tinha, contudo, procuração para realizar as vendas. Flávio não é acusado no processo já que o corretor tinha poder para fazer as transações. Eldering afirma que foi vítima do mesmo golpe com outros quatro imóveis, segundo declarou à Justiça. Dois deles tiveram transações em datas semelhantes aos de Flávio. Em ambos, o norte-americano vendeu por valor maior do que havia comprado anteriormente, diferentemente do que ocorreu com o senador eleito.
É por esses dados, e pelas explicações insuficientes prestadas por ele até agora, que o Ministério Público pediu e conseguiu a quebra de seu sigilo bancário e fiscal.
Não há perseguição política nenhuma neste caso. O que há são ameaças do senador ao MPRJ.
Nota do Ministério Público
O Ministério Público do Rio de Janeiro divulgou nota nesta segunda-feira (13) em que repudia as falas de Flávio sobre o órgão. O senador criticou o vazamento de informações sobre o caso, segundo ele, provocadas por promotores fluminenses.
“O referido parlamentar não adota postura similar à de outros parlamentares, prestando esclarecimentos formais sobre os fatos que lhe tocam e, se for o caso, fulminando qualquer suspeita contra si. O senador é presença constante na imprensa, mas jamais esteve no MPRJ, apesar de convidado”, diz a nota.
Movimentação financeira
A movimentação suspeita de dinheiro na conta de Flávio Bolsonaro foi detectada em janeiro pelo Coaf. O senador havia recebido quase 50 depósitos em espécie em 5 dias, todos concentrados na agência bancária que fica na Assembleia Legislativa do Rio e efetuados em períodos de menos de 10 minutos. O valor era sempre o mesmo: R$ 2 mil.
O Coaf afirmou na época que esse tipo de movimentação é típico de quem está querendo esconder a origem do dinheiro. O parlamentar efetivamente conseguiu esconder. Até hoje não se sabe quem fez os depósitos em suas contas. Suas explicações, de que seriam recursos de vendas de imóveis, não convenceram os investigadores. Até porque as datas das vendas dos imóveis citados acima não batem.
Decreto das armas
Depois de tentar se desvencilhar de Queiroz, Flávio defendeu também, durante a entrevista, o decreto das armas. Ele apoiou o artigo que permite que crianças aprendam a atirar. “Sim. É recomendável que pais possam fazer a apresentação aos filhos para evitar que a curiosidade de uma criança e o desconhecimento do que pode acontecer com uma arma de fogo levem a acidentes”, argumentou.
Ele apresentou projeto no Senado liberando a importação de armas. “Acho que é recomendável que pais levem os filhos a clube de tiro para evitar acidentes dentro de casa. O poder pátrio que deve prevalecer. Os pais sempre sabem o que é melhor para seus filhos”, acrescentou.
Ele falou também sobre os ataques de Olavo de Carvalho aos militares que compõem o governo. Flávio imitou o pai e pendeu para o lado do guru da Virgínia. “A análise que faço de tudo é que é um embate de duas pessoas honestas, do bem, que querem o melhor para o Brasil, e cada um tem um jeito de se expressar. Não pode ligar isso ao que o presidente Bolsonaro pensa. É o Olavo que tem de ser questionado sobre o que ele tem para comprovar o que pensa”, afirmou.
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