Ação é sobre período em que Bolsonaro era deputado federal. Walderice (Wal do Açaí) estava lotada no gabinete dele sem nunca ter estado lá. Ela era ‘laranja’
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) sofreu mais uma derrota. Dessa vez, o TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) rejeitou recurso e manteve a ação que pede a condenação do ex-chefe do Executivo por improbidade administrativa, no caso que ficou conhecido como “Wal do Açaí”.
A ação é relativa ao período em que Bolsonaro era deputado federal. Em fevereiro de 2003, Walderice Santos da Conceição foi indicada pelo então parlamentar para ocupar cargo de secretária parlamentar no gabinete dele. Ela permaneceu lotada até agosto de 2018, quando foi exonerada.
À época da ação, Bolsonaro e Walderice negaram as irregularidades.
A decisão, por unanimidade, foi da Décima Turma do Tribunal e também mantém o caso na Justiça Federal.
Esta e outras investigações da Justiça Federal mostram que durante o período que Bolsonaro exerceu mandato de deputado federal — 7 legislaturas consecutivas ou 28 anos — ele valeu-se do cargo para fazer negócios, com uso de recursos públicos, com objetivo de enriquecimento dele e familiares, em particular, os filhos.
EMPREGADOS PARTICULARES PAGOS COM DINHEIRO PÚBLICO
De acordo com o MPF (Ministério Público Federal), a investigação revelou que Walderice nunca esteve em Brasília, não exerceu nenhuma função relacionada ao cargo e ainda prestava, com o companheiro dela, Edenilson Nogueira Garcia, serviços de natureza particular para Bolsonaro, em especial nos cuidados com a casa e os cachorros de dele em Angra dos Reis (RJ).
Além disso, Walderice cuidava de loja de açaí na região. Daí o apelido — “Wal do Açaí”.
Prevaleceu, no TRF-1, o entendimento do desembargador Marcus Vinícius Reis Barros. Ele foi seguido por unanimidade pelos outros magistrados.
‘ATO DE IMPROBIDADE’
“A decisão ora agravada [reforçada] apenas indicou por quais condutas os requeridos responderão a ação. Assim, caberá ao Juízo de primeiro grau, a verificação acerca da prática efetiva de ato de improbidade administrativa, após a devida instrução do processo, que examinará as provas de materialidade, autoria e elemento subjetivo, sendo inviável constatar, de plano, a inexistência de ato ímprobo nesta instância recursal”, escreveu o desembargador na decisão.
À época, Walderice teve como defesa a AGU (Advocacia-Geral da União), que argumentou que o fato de “Wal do Açaí” nunca ter comparecido pessoalmente ao local de trabalho do então parlamentar não quer dizer que ela tenha sido funcionária fantasma.
QUESTIONAMENTOS DA DEFESA
A defesa de Bolsonaro questionou a competência da Justiça Federal e também pediu para que fossem desconsiderados atos de improbidade como:
• liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a aplicação irregular; e
• permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente.
O CASO
Em 2018, o Ministério Público começou a investigar a contratação da funcionária fantasma.
A ex-secretária parlamentar mora em Angra dos Reis, no Litoral Sul do Rio de Janeiro, cidade onde a família de Bolsonaro tem casa de veraneio.
Ela ganhou o apelido de “Wal do Açaí”, mesmo nome da loja em que trabalhava na vila histórica de Mambucaba, distrito de Angra, como mostram fotos anexadas à ação. A loja ficava na rua onde fica a casa de Bolsonaro.
Durante depoimento, Wal não soube explicar a dinâmica do gabinete do então deputado Jair Bolsonaro, apesar do longo tempo como funcionária da Câmara. Ela disse que tratava diretamente com Bolsonaro, mas apenas por telefone.
O Ministério Público afirma que Wal, na verdade, prestou serviços particulares para Bolsonaro, cuidando da casa e dos cachorros, com a ajuda do marido.
Em 2020, a quebra de sigilo bancário mostrou que “Wal do Açaí” sacou quase 84% do salário que recebeu ao longo dos 15 anos: mais de R$ 238 mil. Os saques eram fracionados, o que, segundo os procuradores, pode indicar tentativa de burlar órgãos de controle.
Esses saques podem caracterizar esquema de “rachadinha”, quando o funcionário contratado recebe o salário, saca em dinheiro e devolve grande parte desse.
M. V.