A Justiça Federal do Ceará suspendeu por tempo indeterminado a cobrança de ingressos para visitantes do Parque Nacional de Jericoacoara, após revolta de moradores e visitantes. A decisão foi tomada pelo juiz Sérgio de Norões Milfont Júnior, da 18ª Vara da Justiça Federal do Ceará.
Em 2024, o parque nacional foi concedido para a iniciativa privada e ficará sob gestão do consórcio Urbia Cataratas Jericoacoara por 30 anos com uma promessa de investimentos de até R$ 1 bilhão ao longo desse período.
O contrato de concessão prevê a isenção da cobrança para moradores, trabalhadores e pesquisadores do local, além de inscritos no Cadastro Único para programas sociais do governo federal. Porém, a Urbia previa a taxa de R$ 50 a partir de março de 2025.
A comunidade local não aceitou a decisão e vem lutando contra o pedágio para chegar à vila, um dos destinos turísticos mais famosos do Nordeste.
O ponto central do conflito é que a única via terrestre que leva à vila passa pelo Parque Nacional de Jericoacoara, cuja concessão foi dada à Urbia. Assim, a cobrança atinge todos que desejam acessar o local, mesmo aqueles que não pretendem visitar o parque. “O que eles estão fazendo, na verdade, é instituir um pedágio”, critica Lucimar Vasconcelos, presidente do Conselho Comunitário de Jericoacoara. Ela reforça que a vila, embora situada dentro da área do parque, possui gestão independente e municipalizada.
A cobrança é vista como prejudicial ao turismo local e “injusta” para quem não tem interesse em acessar os atrativos do parque. Lucimar compara a situação com a administração de um condomínio: “É como você morar num prédio, e o síndico diz que o visitante tem de pagar para usar o elevador.” Ela também questiona a disparidade em relação a outros parques geridos pela mesma empresa, como o Ibirapuera e o Parque das Cataratas, onde a cobrança é restrita aos atrativos e não ao acesso às cidades.
O magistrado determinou também que, em até 60 dias, o ICMBio apresente um plano detalhado sobre o andamento do cadastro dos beneficiários da isenção. Após a apresentação do documento, o juiz vai proferir uma nova decisão sobre a cobrança.
“Embora exista vedação à cobrança de ingresso de moradores, frequentadores e trabalhadores locais, não houve comprovação da adoção das medidas necessárias para identificação dos beneficiários”, acrescentou o magistrado.
Ao manter a suspensão da cobrança por tempo indeterminado, o juiz atendeu a um pedido da Prefeitura de Jijoca de Jericoacoara. Em dezembro, o ICMBio e o consórcio anunciaram o adiamento do início da cobrança da taxa de R$ 50 por dia para março. Além do ingresso cobrado pelo parque nacional, outra taxa, de R$ 41,50, é cobrada pela prefeitura aos visitantes de Jericoacoara.
A comunidade reclama ainda da falta de comunicação prévia sobre a cobrança do pedágio. “Ninguém nos chamou para conversar sobre isso. Nas audiências públicas, estava claro que a cobrança seria só para quem fosse visitar o parque, nunca para quem vem para cá”, afirma Lucimar. Ela também denuncia o modelo de pacotes de estadia no parque promovidos pela concessionária. “Mas ninguém dorme no parque! O que o turista faz é ir algumas vezes aos atrativos dentro do parque, como a Pedra Furada. Mas os hóspedes ficam na vila, não é justo que paguem sem usar.”
Entre as soluções sugeridas pela comunidade, estão: “Ou fazem uma cobrança separada para quem vai aos passeios do parque, ou faz uma via de acesso exclusiva para que as pessoas possam chegar. Imagina um morador chamar um visitante para passar uns dias, e ele ser cobrado pelos dias que ficar, sem ir ao parque?”
Além de injusta, a medida é considerada ilegal por ferir o direito de ir e vir, segundo avaliação jurídica apresentada pela comunidade. “Além disso, ela pretende fazer cobrança presumida, como se a pessoa fosse todos os dias no parque.”
Em defesa da taxa, a Urbia argumenta que o contrato de concessão foi precedido de audiências públicas nas quais a Prefeitura de Jericoacoara participou e não se opôs. “Importante mencionar que a licitação do referido contrato de concessão foi precedida de audiências públicas, com participação do Município de Jericoacoara, que jamais se opôs ao projeto, tampouco à cobrança de ingressos para visitantes da Vila de Jericoacoara, embora o tema tenha sido abordado diretamente”, declarou a empresa. Ela também destacou que garantiu a gratuidade para moradores, trabalhadores e familiares. “O pedido foi não apenas atendido, mas inclusive ampliado, prevendo-se a gratuidade também para trabalhadores e familiares dos moradores, esses últimos conceituados como ‘frequentadores’, conforme glossário anexo ao edital da licitação”, disse a Urbia.
O ICMBio, por sua vez, reafirma que a concessão visa “um equilíbrio entre a proteção ambiental e o desenvolvimento sustentável” e que todo o processo foi conduzido com participação social e aprovação dos órgãos de controle.
Por meio de nota, o consórcio Urbia Cataratas Jericoacoara disse que o acesso de moradores e trabalhadores da Vila de Jericoacoara permanecerá gratuito, conforme regulamentado pelo contrato de concessão, e que o processo de cadastramento já está em andamento.
O ICMBio não emitiu posicionamento até o momento.