
Inédito no Brasil, lançamento do diretor Karen Shakhnazarov liderou as bilheterias da Rússia este ano. Programação da Mostra inclui ainda a homenagem à América Latina, homenagem a Leonid Gayday e sessão dupla de Tarkovsky
A partir da próxima quinta-feira, 5 de outubro, a Cinemateca Brasileira receberá a 9ª Mostra Mosfilm de Cinema Soviético e Russo. Ao longo de duas semanas, serão exibidos 14 longas e um média-metragem de diferentes gêneros de uma das mais importantes cinematografias do mundo.
A tradicional Mostra de cinema apresentará em sua abertura mais um filme inédito para o público brasileiro: “Khitrovka. O Signo dos Quatro”, do diretor Karen Shakhnazarov. O filme, que estreou em maio em mais de 1.800 salas de cinema da Rússia, é baseado em um evento histórico real.
Em entrevista à Hora do Povo, Igor Oliveira, coordenador comercial do CPC-UMES Filmes, responsável pela distribuição dos filmes do estúdio russo no Brasil, falou sobre a nova edição da Mostra Mosfilm. Ele destacou o papel de Karen Shakhnazarov no cinema. “É um diretor extraordinário, com uma visão muito peculiar, muito profunda de cinema e também com um trabalho, passando por vários gêneros”, disse Igor.
O coordenador do CPC-UMES Filmes também falou sobre a programação especial desta Mostra, com a homenagem à América Latina e o centenário de um dos mais populares diretores soviéticos: Leonid Gayday.

A seguir a entrevista:
Hora do Povo: Chegamos à 9 ª edição da Mostra Mosfilm e ela tem se mostrado, ano a ano, um meio fundamental de divulgação da cinematografia soviética e russa no Brasil. Como o CPC-Umes Filmes enxerga essa trajetória?
Igor Oliveira: Nós enxergamos como uma trajetória de muito sucesso. É legal a gente lembrar que a primeira Mostra tinha intenção de ser um evento comemorativo dos 90 anos do Mosfilm. Logo na primeira edição, com a repercussão positiva, decidimos que dali para frente ia ser todo ano. Desde então, a trajetória é de muito sucesso. Ano após ano, o público foi se estabelecendo.
É muito importante que nós sejamos um projeto dentro da UMES [União Municipal dos Estudantes Secundaristas de São Paulo], porque estamos trabalhando com a divulgação do cinema soviético e russo para um público jovem, que é bombardeado pelo cinema hegemônico estadunidense. Não fossem iniciativas como a nossa, esses jovens não teriam sequer acesso a um cinema tão importante como o russo.
Percebemos como a Mostra Mosfilm está estabelecida no calendário de mostras da cidade de São Paulo. Então para a gente é uma felicidade muito grande. Estamos com certeza preparando uma festa muito bonita para os 10 anos, no ano que vem.
Sobre o filme de abertura desta edição, “Khitrovka. O Signo dos Quatro”, porque a escolha deste filme?
Olha sobre “Khitrovka”, era uma escolha quase que natural a medida em que temos apresentado a filmografia do Karen Shakhnazarov. Em cada mostra praticamente tivemos um filme dele. Shakhnazarov é um diretor extraordinário, com uma visão muito peculiar, muito profunda de cinema e com um trabalho que passa por vários gêneros. Ele é também o diretor-geral do Mosfilm e o grande responsável pela reconstrução do estúdio após o fim da União Soviética
E Shakhnazarov tinha este lançamento recente. “Khitrovka” saiu em maio deste ano lá na Rússia e foi um sucesso. Liderou pré-vendas de ingressos. Nós já pensávamos nesse filme desde que ele começou a ser divulgado.
O interessante é que ele mesmo fala que tinha vontade de fazer um filme diferente de tudo que ele já fez. Um filme de aventura, baseado num escritor que ele gosta muito: o Conan Doyle. O “Signo dos Quatro” é exatamente o nome de um romance do Conan Doyle, autor também das histórias do Sherlock Holmes.
Ele juntou esta atmosfera detetivesca com um personagem real, chamado Vladimir Gilyarovsky, que era um escritor, um repórter que conhecia profundamente os subúrbios, a vida das pessoas mais pobres de Moscou, na época da virada do século XIX pro XX. E outros personagens reais que estão no filme, um deles é o protagonista, o Konstantin Stanislavsky. Ele e o Vladimir Danchenko eram diretores do Teatro de Arte de Moscou e estariam procurando inspiração para uma peça, que aqui no Brasil ficou conhecida e traduzida como ‘Ralé’.
O próprio Stanislavsky atua na peça. Ele está ali, no início do filme, angustiado com o fato de que não estar conseguindo colocar no personagem a real sensação daquele povo pobre, que mora no subúrbio, nos cortiços… Aí ele vai atrás do Gilyarovsky para buscar uma inspiração e o Gilyarovsky leva o Stanislavsky e a trupe do teatro, isso aconteceu mesmo, um acontecimento real, para uma excursão nesse distrito de Khitrovka, onde morava a maioria das pessoas pobres dos subúrbios.
O que vem depois já é a licença poética do Shakhnazarov. Eles dois, o Gilyarovsky e Stanilavsky, dão de cara com o assassinato de um morador notório lá da região e nisso começa a história. Eu não vou contar mais porque o pessoal vai ver lá na Mostra.
Um spoilerzinho: além das exibições do “Khitrovka” na Mostra, nós vamos lançar o filme ano que vem em circuito comercial no Brasil.
Neste ano a Mostra apresenta ainda um especial sobre a América Latina, com destaque para obras impactantes como o clássico “Soy Cuba”, traduzido para o português como “Eu sou Cuba” e “Noite Sobre o Chile”, que aborda o golpe que derrubou o governo popular de Allende… Como se dá essa ligação entre o cinema soviético e o cinema da América Latina?
Bom, pra falar um pouquinho dessa programação especial da América Latina, não dava pra não buscar um pouquinho de inspiração com a Susana Lischinsky, que é nossa curadora e que teve a ideia de montar essa programação. Nós já tínhamos licenciado há um tempo o “Eu sou Cuba”, do Mikhail Kalatozov e a Susana buscou os outros dois filmes: “Essa Doce Palavra Chamada Liberdade”, de Vytautas Zalakevicius e “Noite sobre o Chile”, de Sebastian Alarcón e Aleksandr Kosarev.
Eu vou citar aqui um trecho que ela escreveu para mostrar uma linha de raciocínio bem objetiva sobre a trajetória do Mosfilm e essa aproximação com a América Latina. Lembrando que a história do Mosfilm começa num momento de reconstrução da nação. O estúdio nasce junto com a União Soviética.
Depois nos anos 30 e 40, tem a mobilização de trabalhadores, intelectuais e cientistas contra o fascismo que aí vai culminar na Segunda Guerra Mundial e, em seguida nos anos 60 e 70 a União Soviética acolheu muitos dos artistas e intelectuais da América Latina, que estavam sendo perseguidos pelas ditaduras. O próprio Sebastian Alarcón, diretor do “Noite sobre o Chile”, morou muito tempo na União Soviética e trabalhou dentro do Mosfilm. Então há uma afinidade de ideias que acaba resultando numa contribuição cultural.

Acho que este texto que a Susana escreveu elucida bem como aconteceu esta contribuição:
O Estúdio Mosfilm foi formado no processo de construção de uma nação soberana e justa e depois, nas décadas de 30 e 40, expressou a mobilização de milhões de trabalhadores, intelectuais, cientistas contra o fascismo. E foi uma luta vitoriosa que marcou a arte soviética, particularmente o cinema.
Nas décadas de 60 e 70 do século passado o nosso continente foi assolado por ditaduras que provocaram a saída de milhares de pessoas ameaçadas de prisão e assassinato. A URSS na época acolheu muitos artistas, particularmente Sebastián Alarcón que com todo o apoio do Estúdio Mosfilm dirigiu “Noite sobre o Chile”, que recria os trágicos acontecimentos ocorridos no país em 1973, após o golpe fascista de Pinochet, que derrubou o regime democrático constitucional do país e seu presidente, Salvador Allende.
“Essa Doce Palavra Chamada Liberdade” é fruto de uma situação semelhante. As filmagens em locações ocorreram no Chile pouco antes do golpe militar propriamente dito. A trama é baseada em acontecimentos reais na Venezuela: a fuga, em 1967, de três presos políticos comunistas – Guillermo Ponde, Pompeyo Márquez e Teodoro Petkov, figuras importantes na história do país.
Na abordagem de momentos chaves na vitória contra o atraso no continente latino-americano se destaca “Eu Sou Cuba” dirigida por Mikhail Kalatozov, protagonizada por atores cubanos e com música do conhecido Carlos Fariñas. O filme é composto por quatro histórias que mostram como os protestos contra a ilegalidade se fortaleceram e a luta contra os opressores fez com que o país se tornasse a Ilha da Liberdade.
Quais outros filmes são destaque na 9ª Mostra Mosfilm?
Teremos uma homenagem ao Leonid Gayday, que completou 100 anos de nascimento este ano. É um diretor já bem conhecido dos frequentadores da nossa Mostra por seus filmes de comédia da segunda metade dos anos 60 e 70. Era um campeão de bilheterias e o pessoal aqui adora ele.
Nós já exibimos o “Duas Cadeiras”, “Braço de Diamante”, entre outros. Agora vamos exibir o filme chamado “Operação Y e Outras Aventuras de Shurik”, onde um personagem recorrente de seus filmes, Shurik, vive situações inusitadas e aventuras. Os filmes dele são muito divertidos e esse ano comemoramos o seu centenário.
Mudando completamente de gênero, exibiremos o filme chamado “Viy – O Espírito do Mal”, considerado o primeiro filme de terror lançado na União Soviética. É um clássico, um cult absoluto pra quem curte o gênero. Ele é baseado num conto homônimo do Nikolai Gogol e o Aleksandr Ptushko, de quem a gente já exibiu alguns filmes, é responsável pelos efeitos especiais. O filme tem uma coisa de stop motion, principalmente nas figuras fantasiosas dos monstros, que é muito interessante.

Nós teremos três sessões na tradicional sessão do lado de fora, no deck da Cinemateca, naquele telão gigantesco. Uma delas vai ser justamente do “Viy” e vai ser na sexta-feira 13. Então acho que vai ser bem bacana. É um filme muito cultuado pelos fãs do gênero e um filme muito interessante. Então vale a pena assistir também.
Outro destaque é uma sessão dupla do Tarkovsky, que também será exibida ao ar livre. Nós já exibimos quase todos os filmes do Tarkovsky. Ficou faltando somente “O Espelho” entre os longas metragens. Nós faremos uma sessão dupla começando com um filme chamado “Rolo Compressor e o Violinista”, um média-metragem de cerca de 45 minutos, trabalho de conclusão de curso dele na graduação do Instituto Estatal de Cinema e, em seguida, “O Espelho”. Então é uma sessão também muito aguardada.

SERVIÇO
A 9ª Mostra Mosfilm de Cinema Soviético e Russo acontece no primeiro e segundo finais de semana de outubro, nos dias 05, 06, 07, 08 e 12, 13, 14, 15.
Local: Cinemateca Brasileira
Largo Senador Raul Cardoso, nº 133, Vila Clementino, São Paulo/SP
Telefone: (11) 5906-8100
Entrada gratuita
Clique aqui para acessar a programação completa da Mostra
A Mostra é uma realização do Centro Popular de Cultura da União Municipal dos Estudantes Secundaristas de São Paulo (CPC-UMES), em parceria com a Cinemateca Brasileira e a Embaixada da Rússia no Brasil. Dos 15 filmes da programação deste ano, 6 foram recentemente restaurados, e todas as exibições serão no formato DCP.