Diante da obscena cobrança do consórcio Grupo Lena-Odebrecht para receber “indenização” de 170 milhões de euros sem ter feito obra alguma, o então premiê Coelho prevaricou ao não acionar a Justiça
A corrupção investigada pela Operação Marquês – a Lava Jato portuguesa – agora chega ao governo Pedro Passos Coelho, cujo secretário de Obras, Sergio Monteiro, e com Portugal sob o tacão brutal da Troika, aceitou que fosse uma ‘corte arbitral’ – e não um tribunal – que decidisse sobre obscena indenização de 170 milhões de euros pedida pelo consórcio Elos, sem que houvesse sido construído um centímetro de ferrovia do trem-bala.
O principal acusado das investigações é o ex-primeiro-ministro socialista José Sócrates – que ficou preso por nove meses e agora está em prisão domiciliar -, junto com empresários do falido Banco Espírito Santo, operadores da Portugal Telecom (sócia da brasileira Oi), empreiteiras lusas em consórcio com a Odebrecht e seus laranjas. Conforme o ministério público português, foi graças a Sócrates, que governou de 2004 a 2011, que o consórcio de que a brasileira Odebrecht fazia parte obteve o contrato.
Os fatos configuram “a prática de crimes de corrupção ativa e passiva de titular de cargo político e prevaricação”, assinalaram os procuradores portugueses, apontando a responsabilidade do então secretário de Obras do governo Passos Coelho, Sergio Monteiro.
A ação “obscura” de Monteiro – a descrição é do MP – é ainda mais injustificável tendo em vista que a Troika desembarcara em Portugal de forma inclemente, os cofres públicos estavam à míngua e Berlim e o FMI exigiam todo tipo de corte de gastos e achacavam salários e aposentadorias. Além da indenização, também está sob investigação a “reestruturação” do pacote de financiamento do projeto, igualmente cometida pelo governo Passos. Ao todos, são 15 inquéritos abarcando o trem-bala.
Segundo a acusação, o então primeiro-ministro Sócrates “envidou esforços” para que fosse o consórcio Elos em que participava o Grupo Lena [e a Odebrecht], para o qual trabalhava o seu amigo Carlos Santos Silva, que vencesse a licitação para a parceria público privada destinada a projetar, construir e manter durante 40 anos a ferrovia de alta velocidade no trecho Poceirão-Caia. O consórcio incluía, ainda, a Brisa, a Soares da Costa, a Edifer, a Zagope e a Caixa Geral de Depósitos. A Odebrecht é ré confessa de corrupção em 12 países.
No favorecimento, atuou também um então diretor da estatal Rave, Luis Marques, que em troca de propina de 5.000 euros mensais, no montante de 105.000 euros, passou informações privilegiadas ao consórcio. A Rave foi criada pelo governo Sócrates para planejar a implantação do trem-bala.
Documento do consórcio apreendido pelos investigadores revela atuação para “influenciar o governo para as soluções técnicas” que lhes proporcionassem vantagens comparativas. Acrescenta ainda que “através do relacionamento com os projetistas da Rave” – pode-se bem imaginar que tipo de “relacionamento” – serão obtidas “informações qualificadas” bem como se poderá “influenciar na adoção de soluções diferenciadas de engenharia”.
CLÁUSULA ILEGAL
De acordo com o apurado, o júri da licitação chegou a considerar não conceder a concessão a nenhuma das duas concorrentes, pois inclusive haviam piorado as ofertas iniciais. Ao final, a Elos conseguiu introduzir uma cláusula estabelecendo que se a obra fosse cancelada, o governo teria de pagar por todas as despesas. “Uma disposição que, segundo o Ministério Público, era proibida por lei. Para os procuradores, era nula e por isso não tinha validade jurídica”, assinalou o jornal Público.
Foi a essa cláusula que a Odebrecht e suas associadas apelaram para exigir uma quantia muito maior do que receberiam em circunstâncias normais. Entrevistado sobre a acusação, o ex-secretário de Obras do regime da Troika asseverou que “tudo foi feito de forma transparente e aberta” para “reduzir” o prejuízo do Estado com o cancelamento e “nada pesa na consciência do governo a que pertencia”. Ministro de Passos Coelho com “consciência” é o tipo da coisa capaz de provocar erupções descontroladas de riso na população que sofreu sob a Troika.
ANTONIO PIMENTA