A Polícia Federal deflagrou, na quarta-feira (4), a Operação Ressonância para prender empresários do setor de equipamentos de saúde. A investigação é um desdobramento da Operação Fatura Exposta, que prendeu Sérgio Côrtes, ex-secretário de Saúde de Sérgio Cabral, em abril de 2017. A denúncia é de fraudes em licitações da Secretaria de Saúde e no Into (Instituto Nacional de Traumatologia).
O juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro, expediu 22 mandados de prisão no Rio e em São Paulo, além de quatro estados e no Distrito Federal. Ao menos dois são contra executivos da Philips do Brasil. A investigação também menciona outras grandes empresas internacionais. A GE confirmou a prisão temporária de Daurio Speranzini Jr., como parte de uma investigação em curso pela Polícia Federal.
A força-tarefa da Lava Jato cumpriu ainda 43 mandados de busca e apreensão. A 7ª Vara Federal Criminal decretou o bloqueio de bens no valor de R$ 1,2 bilhão. São investigadas 37 empresas e os crimes de formação de cartel, corrupção, fraude em licitações, organização criminosa e lavagem de dinheiro.
Segundo a PF, havia interesse de multinacionais em manter a direção do Into, em volta do qual criou-se um cartel para direcionar os vencedores e os valores a serem pagos nos contratos de fornecimento do Instituto.
Um dos investigados é o empresário Miguel Iskin, que também havia sido preso na Fatura Exposta, mas foi solto por decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Apontado como organizador do cartel de pregões na Secretaria de Saúde e no Into, ele foi alvo de mandado de prisão. Gustavo Estellita, empresário e sócio de Iskin, também foi preso. Côrtes foi alvo de mandado de busca e apreensão.
A acusação é que o grupo embutia nos preços de equipamentos médicos importados adquiridos pelo Estado impostos de até 40% que órgãos públicos não são obrigados a pagar. Dessa forma, o valor das taxas saíam dos cofres públicos para os fornecedores para, depois, serem repassados aos integrantes da quadrilha.
A investigação é resultado da colaboração premiada do ex-subsecretário de Saúde César Romero, que também originou a Fatura Exposta. Em depoimento, ele detalhou o cartel adotado na Secretaria de Saúde e mencionou 18 multinacionais do setor.
Com o esquema, o ex-secretário Sérgio Côrtes favoreceu a empresa Oscar Iskin, da qual Miguel é sócio. Estellita, sócio de Miguel em outras empresas, já foi gerente comercial da Oscar Iskin. A empresa é uma das maiores fornecedoras de próteses do Rio. Em dezembro de 2017, Mendes mandou soltar Iskin e Estellita. Em fevereiro de 2018, foi a vez de Côrtes deixar a prisão por determinação do ministro.
Após Romero ter decidido negociar a sua colaboração com a Justiça, a quadrilha anda tentou assediá-lo para combinar o conteúdo da confissão. O colaborador entregou ao Ministério Público a gravação de uma conversa sua com Sérgio Côrtes:
SÉRGIO CÔRTES: Essas duas semanas aí, o próprio Marco Antônio [filho de Sérgio Cabral falou]: “César tá delatando… você tá sabendo disso, né? Eu falei: “Tô, tá todo mundo já falou… Cesar tá delatando…”.
CÉSAR ROMERO: Eu não tô delatando…
SÉRGIO CÔRTES: Não, tô te falando, César tá delatando, não sei o que, parará… tá bom… vou fazer o que… eu já tinha decidido fazer, né? Fiz essa decisão quando soube da história do Carlos [Miranda, um dos operadores do esquema]. Agora, não tem jeito. Vou fazer. E você já estava fazendo…
CÉSAR ROMERO: Mas eu não tô fazendo delação…
SÉRGIO CÔRTES: Peraí, César… você já estava fazendo, aí foi quando eu falei pro Júnior: “Júnior, o ideal é que pelo menos a gente tenha alguma coisa parecida… porque se ele falar de A, B, C, D e eu falar de C, D, F, G, fudeu, porque A e B eu não falei e F e G ele não falou”…
(…)
CÉSAR ROMERO: … eu acho que uma delação tem que jogar a merda toda no ventilador, porque se você ficar selecionando como o Júnior me disse, que você ia…
SÉRGIO CÔRTES: Não, eu pretendo colocar mais coisas…
CÉSAR ROMERO: Quatro fatos. Oi… não sei o quê…
SÉRGIO CÔRTES: Ok, tudo bem, botar no INTO o Cláudio [irmão de César] vai te pagar…
CÉSAR ROMERO: Meu filho, não tem como… você acha que os procuradores vão achar que você fez o que fez na Secretaria e não fez nada no INTO… você não pode ser infantil, Sérgio…
SÉRGIO CÔRTES: Eu sei, mas o INTO, cara, é o pós secretaria, porque antes da secretaria, eu tinha uma coisa muito limitada no INTO.
CÉSAR ROMERO: Então tem que entregar essa coisa muito limitada, que que era, só uma mesada? Era só uma mesada. Mas tem que ter alguma coisa. Os caras querem uma história verossímil. Não adianta eu contar a história da carochinha pros caras que os caras não acreditam…
SÉRGIO CÔRTES: Sabia que só tem uma notícia boa nessa aí… notícia boa porque eu acho, né? O Júnior me falou que o Cláudio falou: “porra cês tinham que estar com mesmo advogado que não sei o que, parará, parará… ” eu tinha entendido quando tive com ele que tava tentando levar o Miguel [Iskin] para fazer a colaboração… Miguel não quer fazer, disse que não vai fazer, ele se nega, não sei o que parará, parará… não sei que lá…ele falou: “Não posso fazer pra você e pro Miguel, não tem como, não sei o que”, mas ele falou, que como nós dois somos delatores, é pra nós dois fazermos juntos, ele disse…
CÉSAR ROMERO: Sinceramente, não sei se isso é factível ou não…
SÉRGIO CÔRTES: Não, ele já falou…
CÉSAR ROMERO: Quem falou?
SÉRGIO CÔRTES: O Mirza [Flávio Mirza]. Ele falou: “Eu posso advogar pra vocês dois porque vocês não vão contar histórias díspares… entendeu, então… vocês vão delatar a mesma coisa, as mesmas histórias, as mesmas coisas, que é o que a gente vai combinar, entendeu… de grana, não vamos dizer o que a gente recebeu… se não fudeu… porque é o que a gente tem que devolver… ele até falou: [inaudível]
CÉSAR ROMERO: Vocês estão na fase de negociar benefícios, essas coisas?
SÉRGIO CÔRTES: Que isso, cara… A primeira vez, a primeira reunião foi hoje…. Eu não fui, foi ele com o procurador… e eu falei que pode dizer pra ele que eu tive contato com o César…
CÉSAR ROMERO: Dizer pra quem?
SÉRGIO CÔRTES: Pro procurador… “acho besteira você não ir”…
(…)
CÉSAR ROMERO: Eu acho que tem que falar tudo… tudo… porque, pelo seguinte…
SÉRGIO CÔRTES: Como é que eu vou falar de não sei que … César, a gente não sabe… como é que prova? Isso não é prova.
CÉSAR ROMERO: Tá, aí tem crime, crime da evasão… você, eu, … mas quem se fode sou eu porque eu era o gestor, né… em tese, eu que era o operador… foi feita uma licitação, a empresa pra participar da licitação… empresa nacional vinha e botava 1 milhão e 100…
SÉRGIO CÔRTES: Aham
CÉSAR ROMERO: Aí a empresa internacional vinha e cotava 1 milhão porque ela tinha que pegar o preço dela que custava 500 e agregar aos impostos… pra participar da licitação… ela ganhou com preço de… 1 milhão… tá….quem importou foi a Secretaria de Estado…
SÉRGIO CORTES: Aham
CÉSAR ROMERO: E a secretaria de Estado tinha que pagar a ela sem os impostos e pagou com os impostos… ou pagava ela com os impostos e ela trazia os equipamentos, na entrada do equipamento no país, recolhia os impostos… aqui tem crime fiscal… eu vou dizer que eu não sabia… que eu via, que passava…
SÉRGIO CÔRTES: Não, não. Você vai dizer, você vai falar sobre isso?
CÉSAR ROMERO: Não. Mas você não acha que os caras não vão perguntar?
SÉRGIO CÔRTES: Não vão. Como, César?! César, me explica como é que eles vão saber quais são os processos que o Miguel participou se ele não tava… acho que a gente tinha que pegar os processos sobre os caras que “participou”…
CÉSAR ROMERO: Ele nunca participou na secretaria…
SÉRGIO CÔRTES: Então. Por isso que tô entregando o Miguel [Iskin] na UPA, não sei o que, parará parará… mas como é que foi feito?… foi feito assim, assim, assado.
“Nossas putarias têm que continuar”
No dia 1º de abril de 2017, Sérgio Côrtes dirigiu a Miguel Iskin um e-mail:
“Depois de 4 semanas de folga, volto ao assunto com você. E volto após a informação de uma possível emperrada na delação do CR. É sua chance. Porra, Miranda e Hudson irão te entregar. Cabral está começando a dele e irá também. César já é certo que estava fazendo e inclusive já encaminhou anexos Co terá você é contra mim. Arthur vai pro caralho e já falou que fará. Meu chapa, você pode tentar negociar um coisa ligada à campanhas. Pode salvar seu negócio. Podemos passar pouco tempo na cadeia. (…) Desculpe-me voltar ao assunto. Mas nossas putarias têm que continuar.”
A resposta do comparsa, Miguel Iskin, foi a seguinte:
“Podemos conversar a hora q vc quiser. Apesar da minha total convicção com relação à delação em si, ao meu horror em participar desse festival de escrotidão q assola o país. Vou fazer outras considerações. No momento em que a sua delação assim como a do cr estão emperradas, não vejo como a minha, q seria muito menos expressiva, iria caminhar Ao contrário, cada dia tenho mais certeza que o melhor a fazer seria negar tudo. Eu e você. Claro q vc tem uma dimensão muito maior q a minha. Mas diante da magnitude dos atuais envolvidos vc tb fica menor. E o fato de não terem aceitado até agora sua delação mostra o qto eles estão envolvidos em coisas maiores Provar algo vai exigir um foco, é um tempo q esses caras não têm.”
Sérgio Côrtes tentou, então, destruir provas, momentos antes de sua prisão.
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