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Governos da Rússia e EUA vão nomear respectivos embaixadores, cargos atualmente vagos. O próximo passo será a formação de um processo para resolver o conflito na Ucrânia, disse o chanceler russo
Desdobrando o telefonema Trump-Putin da semana passada, delegações da Rússia e dos EUA, encabeçadas pelos respectivos chefes da diplomacia, Sergei Lavrov e Marco Rubio, iniciaram na Arábia Saudita nesta terça-feira (18) negociações sobre o conflito que opõe a Otan e a Rússia na Ucrânia e a normalização de relações, quase rompidas. É a primeira reunião entre altos funcionários russos e norte-americanos desde o início do conflito na Ucrânia.
Na reunião de quatro horas e meia, foi decidido que as duas partes nomearão embaixadores, cargos atualmente vagos, o mais rápido possível, assim como a abertura de um processo de negociação sobre a Ucrânia, para o qual as duas partes indicarão representantes.
“O mais urgente e, especialmente, não o mais difícil, é garantir a nomeação o mais breve possível de embaixadores russos nos Estados Unidos e dos Estados Unidos na Rússia”, disse Lavrov em uma entrevista coletiva após negociações, segundo a agência de notícias RIA Novosti .
Pelo lado russo, além de Lavrov participaram o assessor presidencial Yuri Ushakov e Kirill Dimitriev, chefe do Fundo Russo de Investimento Direto, responsável pelas questões econômicas. Pelos EUA, além do chefe do Departamento de Estado, o conselheiro de Segurança Nacional Mike Waltz e o enviado especial de Trump, Steve Witkoff. A anfitriã, a Arábia Saudita, foi representada pelo ministro das Relações Exteriores, Príncipe Faisal bin Farhan Al Saud, e pelo Conselheiro de Segurança Nacional, Musaed bin Mohammed Al-Aiban.
Para Lavrov, há todas as razões para acreditar que o lado americano “começou a entender melhor a posição da Rússia”.
“O próximo passo será a formação de um processo para resolver o conflito na Ucrânia. Assim que soubermos o nome do representante dos EUA, o Presidente Putin designará nosso participante neste processo”, ele acrescentou, enfatizando que as consultas entre Moscou e Washington sobre a Ucrânia continuarão.
Lavrov reiterou que a presença de tropas da OTAN no território da Ucrânia é “inaceitável”, assim como o de “quaisquer tropas dos países da UE sob quaisquer bandeiras”.
O chefe da diplomacia russa disse também que os EUA propuseram proibir ataques a instalações de energia, com a Rússia tendo esclarecido que não ataca alvos civis.
Por sua vez, o chefe do Departamento de Estado disse que o futuro das negociações depende da vontade das partes em “cumprir suas promessas”, vontade essa que será demonstrada nas próximas semanas. Rubio se recusou a especificar de quais promessas estava falando.
Ele asseverou que os EUA querem encerrar o conflito na Ucrânia de forma justa e não permitir que ele se repita em dois ou três anos, acrescentando que a discussão de questões territoriais é inevitável, assim como de garantias de segurança para a Rússia e a Ucrânia.
Rubio acrescentou que acabar com o conflito exigirá concessões de todas as partes e que a assinatura de um acordo de paz na Ucrânia abrirá caminho para a cooperação entre os países em economia e geopolítica. O Ocidente – salientou – terá que suspender as sanções contra a Rússia se a paz for concluída. Portanto, a União Europeia será convidada para a mesa de negociações – ela também impôs sanções.
NEM UM CENTÍMETRO PARA LESTE
No telefonema de Trump a Putin da semana passada, o presidente norte-americano, de acordo com relato do porta-voz do Kremlin Dmitry Peskov, pedira “um fim rápido às hostilidades e uma resolução pacífica para o problema”, enquanto Putin, por sua vez, “mencionou a necessidade de abordar as causas profundas do conflito” – em referência à violação da promessa à União Soviética de não expansão da Otan 1cm que fosse a leste quando da reunificação alemã e à decisão de W. Bush, em 2008, de decretar a anexação da Ucrânia à Otan.
Segundo Lavrov, o objetivo da reunião foi, antes de tudo, “ouvir os americanos”, para poder tomar decisões para a superação do que chamou de “período anômalo” das relações entre os dois países.
As grandes linhas da Rússia para a questão da Ucrânia já foram delineadas no discurso de julho do ano passado de Putin, às vésperas de uma ‘conferência de paz’ pró-Kiev que fracassou redondamente: “Uma Ucrânia neutra, não nuclear e sem bases estrangeiras, desmilitarizada e desnazificada. Respeito aos direitos da minoria russa ao seu próprio idioma e religião, assim como das demais minorias ucranianas. Reconhecimento da Crimeia, Donbass (Donetsk e Lugansk), Kherson e Zaporizhia como território russo. Revogação de todas as sanções contra a Rússia”. A Rússia também se opõe ao congelamento do conflito e sua perpetuação.
Para Ushakov, ainda é difícil dizer se as posições da Rússia e dos Estados Unidos estão convergindo, mas houve conversas sobre isso em Riad. E Moscou e Washington trabalharão ativamente para criar condições para uma reunião antecipada dos presidentes.
“FRANGO SEM CABEÇA”
Sobre os resmungos dos chefes da vassalagem aos EUA na Europa, como Macron, Scholtz, Von der Leyen, Melloni e Starmer, de que “não estão sendo consultados”, o chanceler Lavrov disse “não saber porque a Europa deveria estar na mesa de negociações”, observando ainda que a Europa está apenas pedindo uma pausa nas hostilidades para melhor armar Kiev.
“Não sei por que deveríamos tê-los na mesa de negociações”, disse o ministro das Relações Exteriores russo. “Se [os europeus] vão apresentar algumas ideias inteligentes sobre congelar o conflito, enquanto eles próprios – de acordo com seus costumes, caráter e hábitos – têm em mente a continuação da guerra, então por que convidá-los para lá?”, questionou.
Questão ironizada por um jornal europeu, segundo o qual quando os adultos conversam, as crianças ficam sentadas em sua mesa. Outro jornal descreveu o comportamento de Scholz na conferência de Munique como “um frango sem cabeça”.
SEM ‘MINSK III’
Lavrov lembrou também que a Europa já teve a oportunidade de participar do processo de negociação sobre a Ucrânia. “O desejo deles já foi realizado em mais de uma ocasião”, disse ele, lembrando o acordo de 2014 “sobre a resolução da crise política na Ucrânia”, bem como os acordos de Minsk.
Em 2014, França, Alemanha e Polônia foram garantidores do acordo que foi ignorado na derrubada do governo legítimo de Yanukovich, o golpe que desencadeou a perseguição aos russos étnicos do Donbass, instaurou os neonazis e inscreveu na ‘constituição’ a ordem de W. Bush de anexação da Ucrânia pela Otan.
Após o levante do Donbass contra o golpe e a russofobia, França e Alemanha foram garantidores dos Acordos de Minsk I e II, que foram sabotados pelo regime de Kiev e, depois, abandonados. Mais tarde, a primeira-ministra alemã, Angela Merkel, e o presidente francês, François Hollande, confessaram publicamente que não pretendiam cumprir os acordos, só assinados para dar tempo “a rearmar a Ucrânia”.
Lavrov enfatizou que os países europeus que apoiam o “regime nazista” em Kiev terão que assumir suas responsabilidades a partir de agora.
“Quando um regime nazista é encorajado e quando esse regime nazista é ‘bombeado’ com armas para que mate seus próprios cidadãos, e fazendo tudo isso com a expectativa de que ‘nós de alguma forma conseguiremos sair e resistir sob o guarda-chuva nuclear’, isso não vai mais acontecer. As pessoas devem responder por suas ações”, alertou o ministro das Relações Exteriores russo.
VASSALOS INCONFORMADOS
Aliás, os vassalos europeus da Otan não esconderam na 61ª Conferência de Segurança de Munique seu inconformismo com a perspectiva de fim da guerra por procuração para expansão da Otan até às portas da Rússia e até convocaram uma mini-cúpula em Paris na segunda-feira sobre a questão.
Registre-se que foi sobre esses vassalos que se abateu a desindustrialização, estagnação, crise política aberta e crescimento do fascismo, com que foram agraciados por Biden, ao alistarem entusiasticamente na agressão à Rússia e sustentação do regime neonazi de Kiev. Mas as sanções saíram pela culatra.
Os queixumes foram recheados de frases ocas sobre a Europa e a Ucrânia terem de ser “ouvidas”, repetidas por Macron, Scholz, Von der Leyen, Tusk, Rutte, o capo da Otan, Sir Starmer e Melloni.
Como se algum europeu houvesse sido consultado na hora de explodir os gasodutos Nord Stream 2 e, com eles, o preço do gás, o custo de vida, e a ladeira abaixo do velho continente. Ou quando Biden enviou o emissário Boris Johnson para vetar o acordo já rubricado em Istambul de neutralidade da Ucrânia, que teria encerrado ali a guerra, evitado 1 milhão de ucranianos mortos e mantido intacta a infraestrutura herdada da ex-orgulhosa república soviética.
DISCURSO DE PUTIN 2007
Curiosamente foi em Munique que Putin proferiu seu célebre discurso de 2007 de rechaço ao “mundo unipolar” sob os EUA e à expansão da Otan para leste em violação dos compromissos assumidos quando da reunificação alemã, e no qual chamou a uma nova ordem internacional.
Como se sabe, antes de reconhecer as repúblicas do Donbass e intervir para defendê-las de ataque militar ucraniano iminente para realizar ali uma limpeza étnica de sua população de ascendência russa, a Rússia propôs aos EUA e a Otan a restauração na Europa do princípio da Segurança Coletiva indivisível, consagrado em Helsinki, e a preservação do status original de neutralidade da Ucrânia, mas foi ignorado pelo governo Biden.
Conquanto já seja pouca a discordância nos EUA sobre o declínio do império, diante da ascensão da China e da maioria global, as elites norte-americanas ainda estão divididas sobre como reverter tal processo.
Com Biden e o Deep State apostando em quebrar previamente a Rússia para poder confrontar a China, daí a guerra por procuração da Otan contra a Rússia na Ucrânia e a maior carga de sanções já emitida na história contra outro país.
Enquanto Trump e seus mínions parecem acreditar que o declínio se agravou, não há mais tempo, e apostando em algum nível em um reverso da estratégia de Kissinger dos anos 1970, para confrontar a China.
À qual Trump agregou sua metralhadora giratória de ameaças ao Canadá, Groenlândia, Canal do Panamá, Golfo da America e até Gaza-a-Lago e os 100% de tarifas aos Brics.