Foi com base nela que os acionistas da Petrobrás receberam bilhões, enquanto o povo assistia a explosão dos preços dos combustíveis e do gás de cozinha. Foi também com base nela que o BNDES intensificou o financiamento às privatizações
A chamada Lei das Estatais, criada em 2016 no governo Michel Temer, determina que só podem assumir cargos de direção em empresas públicas pessoas que não tenham atuado politicamente nos três anos anteriores. Em resumo, pela lei, só podem assumir cargos nas empresas públicas do país quem for funcionário de carreira, pessoas ligadas ao mercado, ou indivíduos que não tenham nenhuma ligação com o governo eleito.
O pretexto dado por Temer para sancioná-la foi uma suposta “proteção” das empresas públicas de “interferência política”. Foi baseado nela que o seu governo indicou, por exemplo, o privatista Pedro Parente para a direção da Petrobrás. O resultado não podia ser mais desastroso. Houve uma explosão nos preços dos combustíveis, o país assistiu ao maior colapso nos transportes de carga já visto até então e foi acelerada a venda de ativos da Petrobrás.
O caldo de cultura para a aprovação desta legislação lei foram os casos de corrupção que haviam ocorrido na estatal petroleira. No entanto, o que se viu foi que todos os envolvidos neste escândalo eram funcionários de carreira da empresa. Portanto, o fato é que as duas motivações para a aprovação da lei mostraram-se totalmente ineficazes. Então, pergunta-se: por que o chamado “mercado” defende com tanto ardor a sua manutenção?
Decorre, única e exclusivamente, porque o presidente eleito e diplomado Luiz Inácio Lula da Silva indicou o ex-senador e ex-ministro Aloísio Mercadante, coordenador de seu programa de governo, para a presidência do BNDES.
Segundo o “mercado”, Mercadante teria participado da campanha que elegeu Lula e, portanto, pela lei, não poderia assumir o cargo. Difícil seria achar alguém no Brasil que não tenha se envolvido de alguma forma na última disputa eleitoral. Afinal de contas, o que estava em jogo neste pleito era a defesa da democracia e a luta contra o fascismo.
Mas, a experiência de Pedro Parente à frente da Petrobrás no governo Temer, e as outras indicações feitas por Jair Bolsonaro com base nesta lei, comprovaram cabalmente que o real objetivo desta legislação não era proteger as empresas coisa nenhuma, mas, sim, afastar o governo do controle de suas estatais e abrir caminho para a sua privatização.
Além disso, a experiência de Pedro Parente à frente da petroleira e a explosão dos preços que se seguiu à sua posse mostraram nitidamente que o verdadeiro objetivo foi alijar os interesses nacionais em benefício quase exclusivo dos acionistas da empresa, na sua maioria estrangeiros, e iniciar o desmonte do patrimônio nacional e a sua entrega a grupos econômicos internacionais.
Isso sem falar do presidente da Eletrobrás, Wilson Ferreira Junior, que foi nomeado com a tarefa exclusiva de privatizar a maior empresa de energia da América Latina. Como presidente da empresa, ela só falava na venda da estatal e defendia o mesmo modelo usado para a privatização da BR Distribuidora. Ou mesmo, o escandaloso caso do presidente da Petrobrás, Roberto Castello Branco, indicado por Bolsonaro e que, agora, está na direção da empresa 3R Petroleum, que abocanhou diversos ativos da Petrobrás durante a sua gestão.
A discussão real, portanto, é a quem devem servir centralmente as empresas estatais? Ao país e ao seu povo ou aos acionistas e açambarcadores do patrimônio público? Colocar na direção dessas empresas pessoas alheias aos planos do governo eleito e “afinadas” com o “mercado” aponta nitidamente para a prioridade aos acionistas estrangeiros e compradores de ativos em detrimento dos interesses públicos.
O caso da distribuição bilionária de dividendos da Petrobrás, enquanto os brasileiros pagavam – e seguem pagando – um dos preços mais altos do mundo pelos combustíveis, é bem evidente quanto a isso. Só nos últimos doze meses a Petrobrás distribuiu mais de R$ 100 bilhões em dividendos a seus acionistas, enquanto torrou quase todo o patrimônio da estatal, como a BR Distribuidora, os milhares de quilômetros de gasodutos, as refinarias e os campos de petróleo.
É bem sintomático que os privatistas de plantão estejam tão nervosos com a indicação de Mercadante para o BNDES. Afinal, o ex-ministro está encarnando no governo eleito o novo o projeto desenvolvimentista que Lula defendeu na campanha. Colocar em prática esse programa certamente interromperá a transferência de recursos do banco para o financiamento das privatizações. É isso que está deixando o “mercado” e seus porta-vozes nervosos.
Usar o BNDES para atender os interesses nacionais e financiar o desenvolvimento, como querem Lula e Mercadante, é uma heresia na visão do “mercado”, que nada mais é do que um grupo de monopólios financeiros e industriais. Reassumir o controle do BNDES é uma ideia que atinge em cheio os que vivem da subserviência aos interesses forâneos e da especulação financeira.
O principal banco de fomento do país não foi criado para financiar a venda do patrimônio público para as multinacionais, mas, sim, para financiar o desenvolvimento do país. Foi criado para apoiar a indústria nacional. E é isso o que Lula e Mercadante planejam retomar.
Portanto, é bem vinda a iniciativa do Congresso Nacional de fazer algumas modificações na lei das estatais no sentido de flexibilizar as condições para que qualquer patriota capacitado possa estar à frente das empresas públicas do país.
Ainda mais, agora, que Lula anunciou enfaticamente ao “glorioso mercado” que “acabaram as privatizações no Brasil”. Ele enfatizou, e está certo, que o país vai retomar o crescimento, a criação de empregos e o fortalecimento das empresas nacionais. Lula disse, com todas as letras, que o Brasil está aberto a investimentos estrangeiros, “desde que não seja para comprar nossas empresas públicas”.
SÉRGIO CRUZ