DENOY DE OLIVEIRA
Eu resisto muito a esse papo de “um filme de”. E me convencia mais ainda, vendo o rosto sereno de Leo Leone, embora os traços angulosos de índio, desconfiado de alguma sacanagem dos brancos.
Leone assina a Direção de Arte de “O Baiano Fantasma”. E quem sabe do nosso trampo, valoriza o criador do visual de um filme. E eu tinha muitas exigências no “O Baiano…”. Precisava passar a agressão, para o migrante, de uma cidade gelada como São Paulo. Eu filmaria no inverno. Também queria o contraste das cores berrantes das roupas de frio, com o cinzento dos prédios e das avenidas sem luz. Eu não queria mentir, “colorindo” uma estética dos despossuídos que vivem em cortiços e “arranjam” suas vestimentas. É fundamental: flagrar a transgressão do migrante com seu “mau gosto” sua subversão miserável ao “kitch” oficializado pelas galerias, butiques, filmes e Tvs de papel celofane. E tudo isso, claro, com um tantinho assim de grana…
Leo Leone rosto enigmático de índio, escutava: “como será a cama de Antenor, retirante com mulher de barriga e quatro filhos? E a roupa de Lambusca, migrante metido a besta? E a armadura de Chico Peixeira, que enlouqueceu quando os ‘homis’ lhe tomaram a faca?”
Leone elaborava, resmungava, sempre irritado. Exigindo demais de todo mundo, primeiro de si mesmo. Na cintura, o martelo, o alicate, as chaves de fenda, porque Leo não perde tempo em prancheta. Ele fica cismando e realizando com mãos, ferramentas e os entulhos que vai catando pelas ruas e demolições. Comendo pouco, dormindo no cenário, como um berundanga, esperando nos sonhos uma revelação fantástica.
Corri com “O Baiano…” algumas partes do mundo. Vi alemães rirem dos “achados” do Leo para as roupas de Lambusca. Senti emoções transformadas em lágrimas, que foram roubadas do cenário de Leo.