Com milhares de pessoas nas ruas das principais cidades do país durante mais de uma semana, o presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, se viu forçado a anunciar, no domingo (22), a revogação da reforma previdenciária que a partir do 1º de julho aumentaria a contribuição de trabalhadores e empregadores e reduziria as pensões dos aposentados.
A violenta repressão aos protestos provocou a morte de 30 pessoas, segundo o jornal local La Prensa.
O recuo do governo foi divulgado depois que a destacada poeta e escritora, Gioconda Belli, que enfrentou a ditadura de Somoza e integrou a direção da Frente Sandinista de Libertação Nacional, exigiu ao governo que “devolva a liberdade e a democracia”, e detenha a repressão contra o povo, os jovens que protestam no país contra o atentado aos seus direitos.
Ortega busca justificar as mudanças dizendo que é para evitar a quebra do Instituto Nicaraguense de Seguridade Social (INSS), situação que, na realidade, é fruto da privatização parcial do Instituto.
Segundo a reforma apresentada atendendo a recomendação do Fundo Monetário Internacional (FMI), os trabalhadores, que contribuem com 6,25% de seu salário, agora entregariam 7%; enquanto que os idosos, que poderiam se aposentar com 80% de seu salário base, não poderão aspirar a mais do que 70%. E ainda mais, os aposentados seriam obrigados a fazer uma contribuição de 5% de sua pensão para o seguro saúde, o que fez com que essa medida ficasse conhecida pelo nome de “cotização perpetua”, pois teriam que pagá-la até morrer.
Pelas medidas apresentadas por Ortega, os empregadores, por sua parte, passariam de pagar 19% para 21%, indo num crescendo até alcançar 22,5%, em 2020. Embora a idade de aposentadoria, pela proposta de Ortega, não subiria de 60 a 65 anos como propôs o FMI, os trabalhadores deverão se aposentar mais tardiamente se quiserem completar as contribuições e alcançar uma pensão melhor.
Milhares de pessoas rechaçaram as medidas neoliberais e foram violentamente reprimidas pela policia. Jornalistas independentes denunciaram agressões, detenções temporárias e o roubo de seus equipamentos, enquanto o governo suspendeu as transmissões de quatro canais de televisão independentes.
O Centro Nicaraguense de Direitos Humanos assinalou que confirmou com as famílias das vítimas a morte de 24 pessoas nos protestos, e o jornal La Prensa publicou que tem evidências de 30 falecidos.
Entre as vítimas há estudantes e trabalhadores que iniciaram o movimento, policiais e simpatizantes do governo –acusados de atacar os manifestantes – e o jornalista Miguel Ángel Gahona, que morreu no sábado de um disparo enquanto transmitia por Facebook um enfrentamento entre manifestantes e policiais na cidade de Bluefields.
A catedral de Manágua foi tomada por manifestantes e realizou-se uma missa pelos falecidos. A Universidade Politécnica também foi ocupada, assim como muitas escolas, informou a agência Reuters.
Antes de revogar as medidas de corte nas aposentadorias, ao contrário do que afirma agora, que as manifestações mostram que o decreto “não tem viabilidade”, Ortega tentou desgastar as manifestações, declarando que os protestos não seriam fruto da revolta espontânea da população, mas alentados por políticos críticos de seu governo, que receberiam financiamento de setores extremistas dos Estados Unidos.
Líderes políticos advertiram que o descontentamento da população vai além da reforma previdenciária, e apontam para a necessidade de uma mudança nos dirigentes do país.
“Aqui não há mais saída a não ser convocar eleições livres e transparentes para evitar que haja um custo maior para a população”, disse a presidente da opositora Frente Ampla pela Democracia, Violeta Granera, cujo movimento foi excluído das eleições de 2016, quando Ortega foi reeleito.
SUSANA SANTOS