
O Líbano, através de seu presidente, Michel Aoun, e do premiê, Saad Hariri, condenou os ataques ao país por Israel ocorridos no sábado e domingo

Dois drones israelenses explodiram em Beirute, um deles ao passar diante do prédio onde fica a Secretaria de Comunicações do partido Hezbollah, deixando os vidros das janelas estilhaçados e causando danos a uma das salas da secretaria.
Além disso, um caça israelense bombardeou um grupo palestino no interior do Líbano.
Hariri alertou para o “ataque aberto de Israel à soberania do Líbano” e o presidente Aoun afirmou que tais ataques são “uma declaração de guerra” e que isso “permite ao Líbano recorrer aos meios possíveis para defender a nossa soberania”.
Aoun também denunciou que aviões israelenses estão invadindo sistematicamente o espaço aéreo libanês e fazendo voos rasantes sobre as cidades de Beirute e a litorânea Sidon.
Hariri também destacou que tais ataques ferem os acordos atingidos em 2006, quando tanto libaneses quanto israelenses morreram em combates quando Israel invadiu a região sul do Líbano. Fruto do acordo, foi aprovada a Resolução 1701 da ONU, que agora, 13 anos depois – período em que a fronteira Israel/Líbano se manteve tranquila – Netanyahu a viola, às vésperas da eleição ao parlamento israelense.
Em mais uma de seu embornal de desfaçatez, após agredir militarmente três países e ameaçar um quarto, Netanyahu disse aos libaneses: “Tenham cuidado com o que dizem e, sobretudo, com o que fazem”.
ATRÁS NAS PESQUISAS, NETANYAHU BOMBARDEIA LÍBANO, SÍRIA E IRAQUE
Com as eleições gerais ao parlamento israelense previstas para 17 de setembro, as pesquisas apontam para uma situação desfavorável para Netanyahu, cuja coalizão governista chegaria a 57 cadeiras, quando precisaria de, no mínimo, 61 para renovar o seu mandato.
É verdade que a oposição, mesmo se resolver (o que seria uma mudança inédita) integrar os partidos árabes ao seu governo, ainda não teria os 61 votos para governar, mas o desgaste maior iria para Netanyahu, que perderia sua posição de liderança do país, pois pela primeira vez na história de Israel, o mais votado ficaria sem condições de assumir o comando, após duas eleições consecutivas.
Tendo perdido o mandato após o afastamento de um de seus apoiadores, Avigdor Lieberman, e convocado eleições em abril deste ano, Netanyahu não conseguiu a maioria necessária para formar um gabinete ministerial e – para evitar que a oposição tentasse configurar um bloco governista – convocou as eleições que se realizarão no mês que vem.
O jeito que Netanyahu está vendo para mudar este quadro desfavorável é o nefasto recurso ao tensionamento com os países vizinhos.
Foi assim que, no final de semana, atacou o Líbano, a Síria e o Iraque, sempre a pretexto de impedir o Irã de armar forças hostis a Israel nestes países. Da mesma forma, os jornais israelenses informaram de que ele, junto com o Estado Maior das forças israelenses, estariam planejando “ajudar” a sanguinolenta monarquia saudita em seu ataque ao Iêmen, cuja região norte está comandada por um governo revolucionário que expulsou o feitor dos sauditas e norte-americanos, Abdrabbuh Mansour Hadi.
Tenta, em um jogo com a guerra, que pode levar a morte a muitos lares israelenses, ganhar votos como garantidor da segurança no país quando, na verdade, está provocando a situação mais insegura desde a Guerra do Yom Kipur, em 1973.
ISOLAMENTO MUNDIAL
Netanyahu, que também está implicado em quatro processos por corrupção, em um quadro no qual nunca o prestígio internacional israelense esteve tão deteriorado, amarrou seu governo, de forma rastejante, a uma simbiose à hostilidade de governantes xenófobos como Trump, que tem sua perseguição aos imigrantes fortemente repudiada na comunidade judaica norte-americana, e Orban, que fechou as fronteiras da Hungria para barrar imigrantes.
Uma vergonha para qualquer governo, um desastre, em especial, para quem se diz representante dos judeus, uma das formações humanas com um dos mais vastos históricos de sofrimento por perseguições religiosas e étnicas.
Netanyahu também atrelou-se à demagogia pró-israelense de Bolsonaro cujo uso de símbolos israelenses, para se promover entre alguns grupos religiosos evangélicos e respaldar seu governo de descalabro e de isolamento mundial jamais visto no relacionamento externo de nosso país, começa a incomodar cada vez maiores setores da comunidade judaica brasileira.
O primeiro-ministro libanês chamou os representantes dos países presentes ao Conselho de Segurança da ONU a tomarem medidas pois, “qualquer escalada pode se desenvolver para um ciclo regional de violência do qual ninguém pode prever a extensão”.
NETANYAHU QUER QUE O BRASIL QUE SAIA DA FORÇA DE PAZ DA ONU NO LÍBANO
Como informa o portal Defesanet, “por solicitação de Israel o Brasil poderá se retirar da Força Interina das Nações Unidas no Líbano (UNIFIL)”.
Segundo o portal, “no dia 1º de agosto, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, em conversa telefônica com o presidente Jair Bolsonaro, solicitou a retirada da Força Brasileira, da UNIFIL”.
“Os motivos apresentados por Israel”, segundo o portal, “foram de que a Força Brasileira tem rastreado, nos radares, as aeronaves israelenses quando operam na região, Líbano ou em rota para a Síria”, quando, ao fazer isso, a UNIFIL apenas está cumprindo com os objetivos para os quais foi instituída.
O contingente da ONU, denominado UNIFIL, foi formado em 1978 para deter as agressões israelenses ao Líbano. Naquele ano, as forças invasoras israelenses chegaram até os subúrbios de Beirute, ameaçando os líderes palestinos que foram recebidos em caráter de urgência e ficaram abrigados na Tunísia.
BARBÁRIE EM SABRA E SHATILA
No entanto, essa força internacional não conseguiu conter as provocações israelenses. Israel interferiu no Líbano ao ponto de, em 1982, se aliar aos direitistas das falanges de Bashir Gemayel, para assassinar a sangue frio de 800 a 2.000 refugiados palestinos nos acampamentos de Sabra e Shatila.
Enquanto os falangistas invadiram para massacrar sem sessar durante 48 horas ininterruptas, para que o banho de sangue prosseguisse à noite, as forças israelenses iluminaram os campos com seus helicópteros e seu tanques serviam de obstáculo à fuga dos moradores dos acampamentos.
Uma chacina que incomodou até o embaixador dos Estados Unidos no Líbano, Morris Draper.
A esse respeito, houve um diálogo ríspido e revelador do embaixador norte-americano com o chefe das Forças Israelenses na ocasião e depois premiê, pela mesma formação política de Netanyahu, Ariel Sharon.
O diálogo integra uma matéria do pesquisador Seth Anziska, intitulada Novas Revelações sobre os Massacres de Sabra e Shatila, publicada pelo jornal New York Times em 7 de novembro de 2018 e está nos seguintes parágrafos:
“Em 17 de setembro, o enviado especial estadunidense no Líbano, Draper, e o embaixador em Tel Aviv, Sam Lewis, se reuniram com o ministro da Defesa, Ariel Sharon, o chefe de gabinete, Rafael Eitan, e o chefe da inteligência militar, Yehoshua Saguy. Draper exigiu a Israel que as Falanges se retirassem dos acampamentos. Saguy se negou. Quando Draper insistiu, o general israelense respondeu sorrindo: “E quem vai impedir que fiquem?’.
“Mais tarde, os israelenses elaboraram a lista dos acampamentos que era preciso ‘limpar dos terroristas’ afirmando falsamente que ainda restavam neles combatentes palestinos. Draper, preocupado observou: ‘Haverá quem diga que as FDI [forças israelenses] ficam em Beirute para permitir que os libaneses matem os palestinos nos acampamentos’. Ao que Sharon respondeu: ‘Então nós os mataremos. Não restará um. […] Se vocês não querem que os libaneses os matem, mataremos nós. Como estava dizendo, vocês farão o quê?’”
Os dramáticos momentos e as sequelas da invasão ao Líbano são mostrados no excepcional filme Valsa com Bashir, do israelense Ari Folman: https://www.youtube.com/watch?v=5BHmANfNUYQ&t=268s
A invasão ao Líbano, depois de anos de resistência, em especial pelas forças do Hezbollah, partido que agora integra o Bloco Patriótico e o governo libanês, foi interrompida no ano 2.000. Nova invasão voltou a ocorrer em 2006, com pesadas perdas israelenses e libanesas e novo armistício.
NETANYAHU QUER QUE BRASIL DEIXE O COMANDO D A FORÇA DE PAZ DA ONU NO LÍBANO
O Brasil, foi chamado a comandar uma das forças de paz mais importantes do mundo, a UNIFIL em 2011.
A importância da missão é destacada pelo Ministério da Defesa do Brasil que, assim a expressa, ainda hoje, em seu portal:
“A Força Naval comporta navios da Alemanha, Grécia, Turquia, Bangladesh e Indonésia, sendo alocadas áreas e subáreas no litoral libanês a cada um deles, de acordo com o planejamento efetuado pelo Estado-Maior brasileiro
“A UNIFIL foi criada pela Organização das Nações Unidas em 1978 e conta, atualmente, com a participação de diversos países, incluindo o Brasil, e com aproximadamente 12 mil militares e policiais, além de funcionários civis. No dia 29 de setembro de 2011, a Marinha do Brasil foi autorizada, pelo Congresso Nacional, a enviar um navio para integrar a FTM (Força Tarefa Marítima) da UNIFIL. A presença do navio brasileiro naquela região contribui para a garantia da paz e da segurança nas águas territoriais libanesas.
“As Forças Armadas brasileiras estão desde 2011 no comando da missão de paz da Força-Tarefa Marítima (FTM) da Força Interina das Nações Unidas no Líbano (UNIFIL). A Marinha do Brasil mantém um navio e uma aeronave orgânica na costa libanesa com o objetivo de impedir a entrada de armas ilegais e contrabandos naquele país, além de contribuir para o treinamento da Marinha libanesa, de modo que a mesma possa conduzir suas atribuições de forma autônoma.
“Criada pelo Conselho de Segurança (CS) em 1978, originalmente se propôs a restaurar a segurança e paz internacional, assegurar a retirada de tropas israelenses da região meridional libanesa e assistir o governo do Líbano na restauração de sua autoridade.
“Após a crise de 2006 entre as Forças de Israel e o Hezbollah, além de reforçar a capacidade da missão, o CS adicionou ao mandato original as tarefas de monitorar a cessação das hostilidades, de apoiar o desdobramento das forças armadas libanesas em todo o Sul do país e estender sua assistência de modo a garantir acesso humanitário à população civil e permitir o retorno seguro e voluntário dos deslocados”.
Desde o momento em que o Brasil assumiu o comando da missão UNIFIL, da qual participam com tropas, 44 países, a tranquilidade tem prevalecido na região monitorada.
Agora, com a extensão de suas provocações, o governo israelense pede que o Brasil se afaste da costa libanesa e, segundo o portal Defesanet, “o presidente Jair Bolsonaro ordenou que se procurasse uma forma de saída da UNIFIL”.
Ao mesmo tempo, em um apoio à agressão e interferência nos assuntos internos do Líbano, o governo brasileiro estuda declarar o Hezbollah “organização terrorista”, seguindo o Paraguai e a Argentina.
Tais medidas, se tomadas por Bolsonaro, além de mais um gesto de submissão à política nefasta conduzida por Israel na região (agora querendo impedir o registro de sua violação de soberania de países vizinhos), tirariam do Brasil a posição de mediador no conflito regional que mais tem atraído atenção internacional, uma condição respeitosa conquistada com anos de esforço e colaboração ao entendimento e à busca da paz pela diplomacia brasileira.
NATHANIEL BRAIA