Líderes libaneses de diversas forças políticas questionam a renúncia do premiê desde a capital saudita. O presidente Aoun, exigiu sua volta e alertou para a “obscuridade que cerca a condição em que Hariri está sendo mantido”
As principais lideranças e forças políticas do Líbano se unificaram no repúdio à ingerência da Arábia Saudita, depois da inesperada renúncia do primeiro-ministro libanês, Saad Hariri, renúncia formulada em rápida aparição na TV saudita Al Arabya, no dia 4, a partir da capital daquele país.
Ao citar a motivação para sua decisão, Hariri afirmou temer por sua vida, fazendo referência à morte de seu pai, Rafik Hariri, à época primeiro-ministro, em uma explosão do carro que o conduzia por uma avenida de Beirute, em 14 de fevereiro de 2005.
PRESSÕES E AMEAÇAS
De pronto, a renúncia a partir da capital saudita e as declarações de que ele temia por sua vida, somadas ao fato de que o premiê se mantinha por uma semana sem retornar ao país, motivaram o questionamento de que ele estava sendo alvo de pressão para que se afastasse da ampla coalizão que garantira um governo de estabilidade apesar das ameaças de dezenas de milhares de terroristas que invadiram a Síria e também território ao sul do país agredindo ambas as nações.
No dia 9, o ministro do Exterior libanês, Gibran Bassil, declarou que o Líbano “quer o retorno do primeiro-ministro a sua Nação”.
No dia 10, o presidente do Líbano, Michel Aoun exigiu, em cadeia de TV, que o reino saudita “esclareça as razões que impedem a volta do primeiro-ministro Hariri ao Líbano para estar com seu povo e seus apoiadores”.
“A obscuridade”, prosseguiu Aoun, que já foi chefe do Estado Maior do Exército do Líbano, “que cerca as condições de Saad Hariri desde a sua renúncia, há uma semana, e as ações ou declarações atribuídas a ele não refletem a verdade”, disse o presidente, referindo-se a declarações atribuídas a Hariri de que o partido Hezbollah seria o responsável pela divisão e risco do país. Seriam colocações bastante absurdas, partindo de quem integrava um governo de coalizão com influência majoritária e coluna vertebral política estruturada exatamente pelo Hezbollah.
Para Aoun, “estas declarações resultam, ao contrário, das condições ambíguas e obscuras sob as quais Hariri vive no reino da Arábia Saudita”.
“A humilhação a que submetem Hariri é uma declaração de guerra ao Líbano”, afirmou Hassan Nasrallah, líder do partido Hezbollah (com guerrilheiros acantonados ao sul do Líbano) expulsou os invasores israelenses e que agora, participaram – a convite da Síria – da luta contra os bandos terroristas que invadiram o país vizinho, apoiados e treinados pelos EUA e financiados em boa parte pela Arábia Saudita, contribuindo para impor uma derrota aos invasores mercenários cuja tarefa era instituir na Síria um governo títere dos sauditas e dos EUA no lugar do atual defensor dos direitos e progresso dos povos árabes e da soberania nacional.
Hariri herdou de seu pai a direção do Movimento Futuro e é, declaradamente adversário político do Hezbollah e de suas relações amistosas com o Irã. Apesar disso, após muito esforço de diversas lideranças libanesas o Hezbollah à testa, concordou em compor o governo de unidade nacional diante dos riscos que a invasão mercenária na Síria e a continuada belicosidade israelense, traziam para o Líbano.
“Tivemos um período muito bom de convivência, antes destes eventos recentes”, afirma Nasrallah, “o presidente foi indicado pelo parlamento de acordo com as leis libanesas e o governo foi formado. O povo libanês se mostra confiante”.
Nasrallah denuncia que o movimento parte da Arábia Saudita que quer desestabilizar o governo que tem conferido uma condição independente ao país e alianças que o fortalecem. Segundo Nasrallah, a Arábia Saudita tem falado na “necessidade de refrear e de confrontar o Hezbollah”.
Durante este período, em que a monarquia saudita está fraturada, após a derrota de seus mercenários na Síria, do atoleiro no Iêmen, país onde tem provocado uma fome por bombardeio a infra-estrutura, fábricas e residências, bloqueio aéreo, terrestre e marítimo sem conseguir dobrar aquele povo, e agora com a prisão de 11 príncipes em hotel de alto luxo, empresários e clérigos também detidos, e com o premiê libanês em condição muito obscura; além dos líderes libaneses, chefes de governos mais díspares têm contatado os reis de plantão, como a França e o Egito, enquanto que outros, desde o Qatar e a Rússia revelaram preocupação com a situação.
FARSA PELA TV
Diante da pressão, Hariri deu uma entrevista de 80 minutos a uma âncora de sua própria emissora, a TV Futuro, dizendo-se um homem livre e que breve retornaria ao Líbano e expôs condições – a exemplo da exigência de que o Hezbollah não participe de ações militares em qualquer país do Oriente Médio (o recado é para cortar o apoio de suas brigadas que ajudaram a derrotar mercenários sauditas e norte-americanos) e que o Líbano se afaste do Irã. Foi na verdade uma farsa, o que se viu foi um homem lívido, suando, gaguejando e contendo as lágrimas, como se estivesse dando um recado indesejado a mando de outrem.
O jornal libanês Al Akhbar imediatamente apontou estas evidências: denunciou a farsa da entrevista, afirmando que “a entrevista falhou em persuadir os libaneses de que Hariri está livre e de que sua renúncia foi por vontade própria” e acrescentou que “ele parecia exausto e preocupado”.
Até a CNN se viu obrigada a apontar o problema e reproduziu declarações como a da especialista em mídia libanesa, Claude el Khal, que questionou: “Por que ele aparece tão cansado? Por que está tão nervoso? Por que está tão infeliz?”.
A evidente fragilidade apresentada pelo premiê libanês, sua incapacidade em manter uma postura à altura do posto que ocupa e na defesa da soberania de seu país, não pode ser traduzida em qualquer dúvida quanto ao fato criminoso de seu sequestro e ameaças a sua integridade, ainda mais quando tudo aponta para sua realização por um reino cujas relações com os EUA e Israel têm servido para agredir e hostilizar as nações árabes e seus governos quando estes manifestam a decisão de se conduzir de forma soberana e independente dos projetos imperiais e colonizadores para a região.
No dia 12, realizou-se a tradicional Maratona de Beirute, com muitos corredores levando cartazes em que denunciam as ameaças ao Líbano que a estranha ausência de Hariri levantam.
O embaixador russo no Líbano, Alexander Zasipkin, manifestou estranheza com relação às declarações de Hariri a partir de Riad: “O próprio Hariri já admitiria que é inconcebível a formação de um governo no Líbano, hoje, sem a participação do Hezbollah”.
NATHANIEL BRAIA