“Debate que, necessariamente, teremos que travar”, afirma o senador Randolfe Rodrigues (AP)
O ano político começa oficialmente na segunda-feira (5), com o retorno das atividades legislativas no Congresso Nacional. E o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Sem Partido-AP), já começa a dar o tom do debate político no Legislativo.
Ele defende regulamentar as plataformas digitais. Isto, por meio do projeto de lei — PL de combate às fake news — em tramitação na Câmara dos Deputados, como prioridade ainda neste ano, no 1º semestre. O projeto de autoria do senador Alessandro Vieira (MDB-SE) já foi aprovado pelo Senado. Na Câmara, o PL 2630 é relatado pelo deputado Orlando Silva (PCdoB-SP).
As declarações do líder ocorreram, na quinta-feira (1º), em entrevista a jornalistas, durante a posse do novo ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, no Palácio do Planalto.
PL DAS FAKE NEWS
Na entrevista, Randolfe foi questionado pelos jornalistas sobre a agenda elencada, nesta semana, pelo ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, como prioridades a serem apresentadas ao Congresso.
Na lista de Padilha, que é o articular político do governo no Legislativo, não está incluído o PL das Fake News. O ministro mencionou, somente, a redução do déficit fiscal, o barateamento do crédito, a transição energética e o novo ensino médio.
“Essas linhas apontadas pelo ministro Padilha são as linhas centrais da obra da reconstrução nacional”, afirmou Randolfe. “É óbvio que tem outras matérias. A questão do PL das Fake News se encaixa em outro contexto, que é um contexto de completar a obra de democratização e, sobretudo, debater o papel que as big techs estão cumprindo no Brasil”, disse.
“Veja, se até nos Estados Unidos, lugar onde as big techs têm sede, está sendo necessária uma rediscussão sobre o papel delas e a necessidade de regulação, então vai ser um debate que, necessariamente, nós também teremos que travar”, completou o líder.
DISCUSSÃO NO CONGRESSO
Defendida por Flávio Dino, ex-ministro da Justiça, e agora ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), substituído por Ricardo Lewandowski no Ministério da Justiça, a regulação das redes sociais está pautada no PL (Projeto de Lei) 2.630/20, que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet.
O projeto, originário do Senado, foi aprovado na Casa, mas emperrou na Câmara dos Deputados, no 1º semestre do ano passado, após pesada campanha de sabotagem das plataformas digitais contra o texto.
Em recente entrevista à imprensa, a secretária de Direitos Digitais do Ministério da Justiça, Estela Aranha, disse que atualmente as big techs têm menor resistência ao PL das Fake News, e afirmou que atua pela aprovação do texto ainda neste ano.
APROVAÇÃO “FATIADA”
Ela sugeriu, em entrevista também recente, que o PL das Fake News seja apreciado em “fatias” no Congresso, para aprovar logo os trechos em que há consenso e prolongar os debates onde há divergências.
À época, Aranha ainda não tinha certeza se permaneceria no cargo, com a mudança de gestão na pasta. A secretária segue no posto, mas ainda não teve reunião com o novo ministro para decidir como vão lidar com a questão neste ano.
No Planalto, interlocutores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) dizem que o PL das Fake News não é tratado como “projeto do governo” e que o papel de seguir com as discussões é do Congresso. De fato, o projeto não é do governo. É originário do Senado, cujo autor é o senador Alessandro Vieira (MDB-SE).
PRINCIPAL PONTO DE DIVERGÊNCIA
Um dos fatores para a incerteza de aprovação do projeto ainda neste semestre para valer para as eleições municipais em outubro seria o problema de não ter ocorrido avanço em relação ao principal ponto de discordância das big techs em relação ao projeto, que diz respeito aos mecanismos de supervisão.
O Ministério da Justiça, sob Dino, defendia a instauração de “sistema” que supervisionasse as ações e o cumprimento de responsabilidades pelas redes sociais.
Esse sistema combinaria “freios e contrapesos”, com representantes das empresas, da sociedade e do Estado, mas com “dentes afiados” para órgão estatal aplicar sanções às plataformas quando necessário.
Porém, não há, até o momento, acordo sobre como essa instância vai funcionar de fato.
CONTEÚDO DO PROJETO
O texto trata somente de regras relativas à distribuição dos conteúdos, com o objetivo de coibir a disseminação de informações falsas e de combater a violência nas redes.
Noutra frente, o Ministério da Fazenda disponibilizou consulta pública, até março, para regular aspectos econômicos das redes sociais, como práticas abusivas aos consumidores e prejuízos à livre concorrência.
O texto aguarda votação no plenário da Câmara dos Deputados. Caso não seja debatido e votado no 1º semestre deste ano, dificilmente o será no 2º, em razão das eleições municipais de outubro, que vai impactar o ritmo de votações no Congresso, do meio do ano em diante.
Por isso, lideranças políticas do Congresso e do governo defendem prioridade na apreciação do projeto.
O relator, deputado Orlando Silva, defendeu a urgência de aprovar o tema que implica na “responsabilização das plataformas quando houver danos decorrentes de conteúdos de desinformação e omissão das empresas”.
“Foi o que ocorreu no caso da menina Jéssica e em tantos outros”, citou. “Não é possível que as Big Techs lucrem tanto e lavem as mãos diante de riscos à vida de pessoas. PL 2630 SIM!”, escreveu na sua rede social.
Em dezembro, a jovem Jéssica Canedo, de 22 anos, suicidou-se após ser vítima de uma fake news dizendo que ela tinha um relacionamento com o influenciador e humorista piauiense Whindersson Nunes. Mesmo com os desmentidos, tanto do humorista quanto de Jessica, a notícia falsa permaneceu na internet, mais precisamente no conhecido perfil Choquei, e a jovem sentiu-se gravemente ridicularizada.
Segundo a mãe, Jessica entrou em depressão profunda e pôs termo à sua vida.
Na ocasião, o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, citou o caso de Jessica e defendeu a responsabilização tanto de quem propaga conteúdos falsos como das empresas responsáveis pelas redes sociais. “A regulação das redes sociais torna-se um imperativo civilizatório”, afirmou Silvio.
M. V.