Equipamento adquirido de Israel e usado ilegalmente pela Abin permitia rastrear celulares de opositores em qualquer lugar do país. Sistema foi usado antes do golpe de Estado em Myanmar, antiga Birmânia, no sul da Ásia
O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), afirmou nesta terça-feira (14) que tomará medidas para apurar quem foram as pessoas monitoradas pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) por meio de um sistema secreto de geolocalização. O programa foi comprado de Israel pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para espionar a localização de alvos pré-determinados, segundo reportagem do jornal O Globo.
Esse tipo de ferramenta de arapongagem já é conhecido no mundo da espionagem e contra-espionagem mundial, ou até para usos da segurança pública, em divisões de anti-sequestro ou presídios. A utilização do programa pela Abin, não possui autorização legal. Ela não pode acessar dados privados e seu uso levou à abertura de uma comissão que apura a regularidade de seu uso no Brasil.
Em janeiro deste ano, a agência Reuters revelou que a Cognyte, a empresa que desenvolveu o equipamento de espionagem, chamado FirstMile, também revendeu sistemas de monitoramento em Myanmar meses antes do golpe do estado ocorrido no país. Segundo a reportagem de O Globo, o software vendido ao país poderia permitir grampos, interceptações sobre mensagens de texto e tráfego na web, e também a localização de usuários de celular.
O senador Randolfe defendeu investigação do caso por meio da Comissão de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI), colegiado responsável por fiscalizar a atuação da agência, e a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). A agência operou durante os três anos iniciais do governo Bolsonaro uma ferramenta que permitia, sem qualquer protocolo oficial, monitorar os passos de até 10 mil proprietários de celulares a cada 12 meses.
Para obter os dados de quem era investigado, bastava digitar o número de um contato telefônico no programa e acompanhar num mapa a última localização conhecida do dono do aparelho, relata a reportagem. “Em primeiro lugar, checarei quais foram os alvos. Em segundo lugar, considero que cabe uma investigação do parlamento”, afirmou o senador e líder do governo no Senado.
Randolfe também se manifestou pelas redes sociais e disse que o caso “é um escândalo”. “Mais um escândalo do governo desastroso de Bolsonaro denunciado pelo jornal O Globo, em que os direitos fundamentais das pessoas são violados. Pediremos investigações junto a Comissão de Controle das Atividades de Inteligência, e abertura de uma CPI”, publicou o senador.
O “FirstMile” ofereceu à agência de inteligência a possibilidade de identificar a “localização da área aproximada de aparelhos que utilizam as redes 2G, 3G e 4G”. Desenvolvido pela empresa israelense Cognyte (ex-Verint), o programa permitia rastrear o paradeiro de uma pessoa a partir de dados transferidos do celular para torres de telecomunicações instaladas em diferentes regiões.
O sistema permitia acessar o histórico de deslocamentos e até criar “alertas em tempo real” de movimentações de uma pessoa espionada em diferentes endereços. O caso motivou a abertura de investigação interna e, para especialistas, a vigilância pode ainda violar o direito à privacidade. Procurada, a Abin disse que o sigilo contratual a impede de comentar.
Em 2022, a Associação Brasileira das Indústrias de Material de Defesa e Segurança (Abimde) conferiu ao FirstMile, nome do sistema utilizado pela Abin, uma “declaração de não-similaridade”. De acordo com pessoas envolvidas no negócio e integrantes do setor, os dados são coletados por meio da troca de informações entre os celulares e antenas para conseguir identificar o último local conhecido da pessoa que porta o aparelho.
No documento, a entidade identificou o programa como um “serviço de geolocalização de dispositivos móveis em tempo real, capaz de decodificar as identidades lógicas dos dispositivos e de gerar alertas sobre a rotina de movimentação dos alvos de interesse”. Ainda de acordo com o documento, o programa usa a “infraestrutura GMLC e Sistema de Sinalização por Canal Comum”.