Gonzalo Gómez Freire, dirigente do movimento chavista de oposição ao governo de Nicolás Maduro, Marea Socialista, e co-fundador do portal aporrea.org, concedeu, ao Aporrea, entrevista, no domingo, 10, analisando a grave crise que o país vive. Publicamos os principais trechos de suas declarações.
Aporrea – Você é crítico do governo de Nicolás Maduro e também do opositor Juan Guaidó. O que você questiona de cada um?
O governo de Maduro vem destroçando os direitos da classe trabalhadora. É muito autoritário, antidemocrático. É demasiado corrupto.
Compromete a soberania em matéria social e petrolífera e, apesar do discurso antiimperialista, o que busca é reacomodar-se na economia global como neo-burguesia. Viola gravemente a Constituição e vem desmantelando tudo o que restava da revolução bolivariana como processo real, da qual só resta uma linguagem manipuladora e carente de conteúdo verdadeiro.
Guaidó é também um usurpador, mas tem conseguido aparecer com a manobra de cavalgar o imenso mal-estar e o protesto genuíno do povo.
Autoproclamou-se presidente à margem da Constituição, sem ser eleito por ninguém. Tem levado para seu terreno imensas mobilizações de massas cansadas do governo de Maduro e iludidas com a possibilidade de uma mudança cuja fonte de seu projeto está em Washington e suas decisões não lhe pertencem. Está a serviço de uma operação intervencionista de recolonização desde o estrangeiro. No fundo, têm se repetido muitos dos elementos do golpe que Carmona fez contra Chávez, agora buscando o apoio militar que ainda não tem aparecido, embora tenha por trás o poder militar e econômico dos Estados Unidos.
Nós rechaçamos a suposta “presidência títere” de Guaidó, mas ao mesmo tempo dizemos que Maduro não pode continuar governando contra o povo. Apelamos para a soberania popular.
O que os meios de comunicação divulgam é uma total polarização da sociedade venezuelana. É assim ou existem posições intermediárias?
Para o povo, protestar contra Maduro não é equivalente a confiar em Guaidó. O povo está na expectativa. Eu faço parte de um setor que não se sujeita a essa polarização e que promove uma autonomia política e de classe dos trabalhadores e do movimento popular que marque distância frente à burocracia corrupta e frente ao capital explorador.
Por exemplo, no seio da Intersetorial de Trabalhadores de Venezuela (ITV), que é um órgão de articulação das lutas da classe trabalhadora politicamente plural, nós travamos a batalha (enquanto Marea Socialista, junto com outros setores classistas de esquerda) para conseguir que a ITV não fosse de forma oficial à marcha convocada por Guaidó em 23 de janeiro. Defendemos que sustentasse sua própria convocação, separada e com sua própria agenda, para contribuir para erguer a autonomia dos trabalhadores como ator com voz própria e em exigência da soberania popular. Insistimos em que se mantivesse apegada ao programa de luta que aprovamos em assembleias.
Os meios de comunicação, tanto os privados como os do Estado, não estão interessados em mostrar opções de ruptura com a polarização porque estão envolvidos com um ou outro contendor.
O que é diferente do portal Aporrea, por exemplo, que é um meio de comunicação alternativo e popular.
O que propõe esta posição intermediária?
Não me identifico com a qualificação de “intermediária”, simplesmente é outra posição. A Marea Socialista, junto com a Plataforma Cidadã em Defesa da Constituição, onde participam vários ministros de Chávez que romperam, há tempo, com o governo Maduro, promove o exercício da soberania popular através de uma saída constitucional democrática, com o povo mobilizado.
Dizemos que “Maduro o povo não quer e Guaidó ninguém escolheu”. Propomos a relegitimação de todos os poderes e a realização de eleições gerais; para tal apelamos para um referendo consultivo, previsto no artigo 71 da Constituição, para que o povo se expresse e decida, livre e soberanamente, em matéria de especial transcendência nacional.
Para isso se requer que seja solicitado por 10% dos eleitores. E seja quem for aquele que se autoqualifique como “presidente”, não pode desconhecer esse direito porque a soberania reside no povo.
Esta crise é diferente das outras e é definitiva para que se produza uma mudança na Venezuela?
Esta é a crise de uma revolução traída. Com Chávez havia um processo democrático, progressista, de transformação, que acumulou muitas conquistas para o povo, apesar de que muitos dos problemas começaram a se gestar durante seu mandato. Agora o que temos é a triste realidade de que o imperialismo e a burguesia tradicional vêm colher o resultado da tarefa já realizada por uma burocracia corrupta, de uma espécie de “neolumpemburguesia” que quis agarrar as riquezas de um país em lugar de continuar a possibilidade revolucionária que se iniciou com Chávez. Não se pode comparar a suposta mudança que viria das mãos intervencionistas dos Estados Unidos e setores capitalistas tradicionais com o que foi a transformação vivida nos melhores anos da Revolução Bolivariana. Acreditamos que somente configurado um movimento autônomo da classe trabalhadora, os setores populares podem aspirar a uma mudança favorável. O que representam Guaidó e Trump, obviamente, não é a nossa mudança, e o que representa Maduro é também a sua negação.
Qual é o melhor e o pior cenário possível?
Que o povo mobilizado reclame sua condição de soberano e que force uma consulta ou novas eleições democráticas com melhores garantias.
Que os fatores em pugna busquem uma saída negociada, mas não como acerto entre cúpulas, e sim de cara ao povo. Tudo é preferível a uma guerra civil ou a uma invasão. Porém o preço da paz não pode ser seguir na miséria, sem democracia e sem soberania nacional.
Diante de uma convocação de eleições, mudariam os resultados em relação às anteriores?
As eleições anteriores, embora tenhamos chamado a votar, foram em condições irregulares e carentes de garantias e transparência. Haveria que renovar o Conselho Nacional Eleitoral, mas não como uma repartição de cargos entre os par tidos políticos, poderes instalados e em disputa, mas com a participação aberta da cidadania, sob forma que teria que ser discutia. Isso não é garantido nem pela burocracia de Maduro nem pelo binômio Guaidó-Trump.