Limites e perspectivas do Fundo Social do Pré-Sal, por Iago Montalvão

Iago Montalvão - Foto: Richard Silva/PCdoB na Câmara

Entre 2010 e 2022, o Fundo Social do Pré-sal (FSP) arrecadou cerca de R$ 146 bilhões. No entanto, a falta de planejamento de longo prazo, aliada à baixa transparência e ao uso dos recursos como alívio fiscal, tem limitado a capacidade do fundo de converter as riquezas do pré-sal em benefícios concretos para o país

O economista Iago Montalvão, pesquisador na área de Preços e Fiscal do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), alerta, neste artigo que reproduzimos no HP, e que foi publicado originalmente no Le Monde Diplomaticque, para a falta de transparência na gestão dos recursos do Fundo Social do Pré-sal (FSP).

O autor destaca que boa parte dos recursos, que deveriam ser usados em projetos de desenvolvimento, estão servindo para amortização da dívida pública. Iago Montalvão afirma que “a PPSA divulga informações sobre a comercialização do petróleo e do gás natural da União, contudo, não há registros claros dos valores destinados ao Fundo Social. Assim, a visão geral sobre a arrecadação e a destinação do fundo encontra-se limitada e fragmentada”. Confira o artigo na íntegra!


Limites e perspectivas do Fundo Social do Pré-Sal

IAGO MONTALVÃO [*]

Instituído em 2010 pela Lei 12.351, o Fundo Social do Pré-Sal (FSP) foi criado para direcionar parte da renda da nova província petrolífera para o desenvolvimento nacional, baseado no princípio da justiça intergeracional. No entanto, ao longo de sua trajetória, o fundo revelou fragilidades, como a falta de transparência, a baixa efetividade na aplicação dos recursos e a ausência de prioridade às dimensões sociais e ambientais que justificaram sua criação. Esse cenário tem limitado a capacidade do fundo de converter as riquezas do pré-sal em benefícios concretos para o país.

Conforme o texto original da lei, além da vinculação obrigatória de 50% de suas receitas para a educação, o FSP também teria como objetivos financiar investimentos nas áreas de saúde, ciência e tecnologia, cultura, meio ambiente e ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. No entanto, a falta de regulamentação específica permitiu que parte significativa dos recursos fosse utilizada de forma dispersa ou para fins diferentes dos previstos, revelando fragilidades na governança e na orientação estratégica do fundo.

Um levantamento do Tribunal de Contas da União (TCU) apontou que, entre 2010 e 2022, o FSP arrecadou cerca de R$ 146 bilhões. No entanto, ao final de 2022, apenas R$ 20 bilhões permaneciam em caixa. O TCU identificou, ainda, que aproximadamente R$ 64 bilhões foram destinados à amortização da dívida pública durante o governo Bolsonaro, entre 2021 e 2022. O levantamento conclui que houve esvaziamento e distorção dos objetivos originais do fundo e ausência de mecanismos adequados de governança, controle e transparência.

Nos dados divulgados pela ANP sobre a destinação dos royalties do petróleo no regime de partilha, os valores referentes ao FSP aparecem zerados. Questionado a respeito, o órgão respondeu que a gestão desses recursos é de competência do Conselho Deliberativo do Fundo Social (CDFS).[1] Até o momento, porém, não há informações públicas detalhadas que esclareçam essa ausência de dados. Por sua vez, a PPSA divulga informações sobre a comercialização do petróleo e do gás natural da União, contudo, não há registros claros dos valores destinados ao Fundo Social.[2] Assim, a visão geral sobre a arrecadação e a destinação do fundo encontra-se limitada e fragmentada.

Em março de 2025, o Governo Federal editou a Medida Provisória (MP) 1291/2025, aprovada e publicada como Lei 15.164, trazendo mudanças ao FSP. Entre elas, a regulamentação do CDFS e a ampliação das áreas de aplicação dos recursos, incluindo infraestrutura social, habitação popular e enfrentamento às calamidades públicas. A medida tem potencial para fortalecer o FSP, embora também possa ampliar o espaço para que seus recursos sejam utilizados para cobrir eventuais lacunas orçamentárias no curto prazo.

De modo geral, observa-se que os recursos não vinculados do FSP têm sido utilizados de forma pouco estratégica. Por exemplo, de acordo com dados da Transparência do Orçamento Federal, em 2025, até o mês de setembro, dos R$ 25,93 bilhões autorizados ao fundo, apenas R$ 15 bilhões foram empenhados e somente R$ 4 bilhões foram executados. Esses recursos foram direcionados ao financiamento do Programa Minha Casa Minha Vida, após a inclusão desse tipo de despesa nos objetivos do fundo via MP. Embora esse investimento em habitação seja causa justa – diferentemente da utilização direta para amortização da dívida pública – tal movimento sugere que o uso dos recursos parece atender mais a demandas de curto prazo e ao alívio momentâneo do orçamento federal do que a uma estratégia de longo prazo.

O FSP representa um instrumento estratégico para o país, capaz de transformar a riqueza finita do pré-sal em alavanca para o desenvolvimento nacional e para a transformação ecológica. No entanto, a falta de planejamento de longo prazo, aliada à baixa transparência e ao uso dos recursos como alívio fiscal, pode comprometer o papel estratégico do fundo e sua legitimidade social.

[*] Iago Montalvão é economista, mestre e doutorando em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisador na área de Preços e Fiscal do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep).

[1] O conselho foi estabelecido pela lei que criou o FSP em 2010, mas só foi regulamentado por decreto do governo federal em abril de 2025. É composto por um representante do Ministério da Fazenda, um do Ministério das Cidades e um do Ministério da Casa Civil, sob a coordenação deste último.

[2] A Lei 12.304/2010 (que criou a PPSA) determina que a receita de comercialização destinada ao FSP exclui tributos, gastos diretamente relacionados à operação de comercialização e da remuneração da PPSA ou outro agente comercializador.

Publicado originalmente em Le Monde Diplomatique

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