O vice-presidente da Bolívia, Álvaro Garcia Linera, destacou em entrevista ao jornal Página 12 que “uma das chaves para a sustentabilidade de um governo progressista é e deve ser a economia” e que seu país vem registrando índices positivos devido ao controle dos setores estratégicos e a prioridade que vem sendo dada pelo governo ao mercado interno. Neste ano, por exemplo, graças ao crescimento de 4,61% do Produto Interno Bruto (PIB), de junho a junho, foi garantido o pagamento de um décimo quarto salário aos trabalhadores dos setores público e privado.
De acordo com o também escritor Linera, há o entendimento de que a condução da economia deve apontar para quatro questões centrais: “Primeiro: que o Estado controle como proprietário os principais setores geradores de excedente econômico: hidrocarbonetos, eletricidade e telecomunicações. Segundo: redistribuir a riqueza, mas de forma sustentável, para que os processos de reconhecimento e promoção social dos setores subalternos, populares e indígenas, ocorra ao longo do tempo. Terceiro: sustentar o mercado interno; Quarta: articulação entre o capital financeiro e o produtivo, o que implica que 60% das economias dos bancos vão para o setor produtivo, gerando mão de obra. E, finalmente, estabilizamos a moeda e bolivianizamos as economias”.
Na avaliação do vice-presidente boliviano, “se esgotou a narrativa e a acumulação neoliberal surgida nos anos 70”, “com uma lógica de um mundo dirigido a processos cada vez mais globalizadores e de aberturas de fronteiras, que se supunha que iriam gerar bem-estar e progresso para todos”. “Isso não funcionou, é uma promessa falida, e os primeiros mal estares apareceram na América Latina, onde as forças progressistas tentaram dar uma resposta. Depois vimos como chegaram os descontentamentos às articulações centrais da economia mundial”, acrescentou.
Questionado sobre o papel das “fake news”, Linera disse não considerar que as redes sociais fabriquem vitórias, mas que atuem para “debilitar a fortaleza do opositor”. “O que é explorado pelas redes é um conjunto de componentes do sentido comum neoliberal: o medo, o individualismo, a concorrência, o racismo e a salvação externa”, frisou.
Em relação à manipulação do uso das informações pessoais para fins políticos, o dirigente boliviano acredita que este é um ponto importante para ser mais debatido, aprofundado e combatido, pois pegou os governos progressistas de “calça na mão”. “Porque os que são mais hábeis para manejar estes temas são os que usam os algoritmos nas empresas, os que já fazem negócios. Quando entras no celular essas empresas já sabem sobre as tuas compras, tuas preferências. Há um algoritmo que é utilizado para incentivar a comprar outra coisa. Enquanto estamos pensando em nos mostrar educados nas redes, outros souberam utilizar as emoções para gerar antipatia contra os companheiros. O setor empresarial nos levava uma vantagem de pelo menos meia década. O que fizeram foi transferir o uso econômico das redes para o uso político, enquanto nós recém estamos descobrindo o uso político de uma maneira muito ingênua. E isso contribuir a que estejamos atrasados nesta batalha”.
Questionado sobre o que ocorreu para a deposição ou derrota de outros governos da região apontados como mais à esquerda, o vice-presidente boliviano disse que não podia fazer “considerações particulares”, “porém sei que não é possível ficar permanentemente impune diante das queixas da população”. “Os abusos que estão aumentando na América Latina não podem e não vão ser indefinidos. As pessoas têm tolerância, são flexíveis, mas isso não é um cheque em branco para um uso indefinido dessas tolerâncias morais das pessoas. As queixas se acumulam, os abusos se instalam e chega um tempo em que as pessoas se cansam do abuso e dos maltratos. E é aí que surgem os protestos, resistências e indignações morais que movem as sociedades. Então todo governante tem que saber que a boa fé das pessoas não pode ser abusada indefinidamente, que as pessoas cedo ou tarde acordam, e rompem os moldes, as tolerâncias e passam a conta para o governante”, ressaltou.
Sobre as eleições do final de 2019, Linera acredita que a candidatura de Evo Morales à reeleição é um trunfo das forças populares. “Nós temos uma vantagem: a direita na Bolívia não tem capacidade de desafiar as estruturas de crescimento do nosso país, ou seja, o que está em debate nas próximas eleições não é um modelo econômico, como acontece no resto das eleições da região. O debate gira em torno de quem dá continuidade ao nosso projeto econômico. Essa é a nossa vantagem e o que temos de transmitir é que Evo é o único que pode garantir a continuidade”, concluiu.