
A guerra está declarada entre o presidente Donald Trump e seu maior doador de campanha, além de homem mais rico do mundo, Elon Musk, os dissabores pipocam menos de uma semana após o dono da Tesla, Space X e da plataforma X deixar oficialmente o governo
Desde seu ingresso no governo Trump 2.0, analistas dos EUA comentavam como seria difícil a convivência entre dois egos tão inchados – além de fascistas -, mas o embate em si é revelador das contradições geradas internamente pela política de Trump no plano econômico.
Após o confronto aberto, as ações da Tesla despencaram 14,26% na bolsa de Nova Iorque na quinta-feira (5), a maior queda desde março e o segundo pior dia desde setembro de 2020, com a montadora perdendo US$ 150 bilhões em valor de mercado.
O caldo entornou quando Musk chamou publicamente, pela sua conta no X, a “Lei Grande e Bonita” (orçamentária) de Trump de “abominação repugnante”, que passou na Câmara e irá a votação no Senado.
Só pelo nome da lei, já dá pra perceber que é a cara de Trump, um projeto de lei MAGA de cerca de 1000 páginas, que entre outras coisas tira 11 milhões de pobres do Medicaid [assistência médica aos miseráveis] para sobrar dinheiro para o corte de impostos das altas rodas, para as guerras do Pentágono e para Big Oil. Além de cortar subsídios para a compra de carros elétricos, por acaso, o principal produto da Tesla.
Na réplica, Trump disse que Musk conhecia “o funcionamento interno deste projeto de lei melhor do que quase ninguém” e “não tinha nenhum problema com isso”. Contraditoriamente, Trump disse que “Elon” – até recentemente só se tratavam no primeiro nome – ficou “perturbado” com uma parte da legislação que cortaria subsídios para veículos elétricos.
“De repente, ele teve um problema e só desenvolveu o problema quando descobriu que vamos cortar o incentivo de EV que é de bilhões e bilhões de dólares”, disse Trump.
Em outra postagem, Musk contestou a alegação de Trump. “Falso, esse projeto de lei nunca me foi mostrado uma única vez e foi aprovado na calada da noite tão rápido que quase ninguém no Congresso conseguiu lê-lo!”, ele denunciou em sua conta X.
E revidou: “Mantenha os cortes de incentivo EV/solar no projeto de lei, mesmo que nenhum subsídio de petróleo e gás seja tocado (muito injusto !!), mas abandone a MONTANHA de CARNE de PORCO NOJENTA no projeto de lei”.
No jargão político local, “carne de porco” é aquele tipo de acréscimo em qualquer lei para favorecer alguém em particular, e manter o pujante setor de lobistas da economia norte-americana.
Em outros comentários nas redes sociais, Musk asseverou que a Lei de gastos de Trump iria “empurrar os EUA para a escravidão da dívida”. E aproveitou para alfinetar o presidente, reproduzindo uma postagem de 2013, em que Trump se dizia contra aumentar o teto da dívida. Exatamente o contrário do que está na lei.
“Não posso acreditar que os republicanos estão estendendo o teto da dívida – sou republicano e estou envergonhado!”, escrevera Trump no post de janeiro de 2013. “Palavras sábias”, ironizou Musk nesta quinta-feira.
O enorme projeto de lei tributária de Trump praticamente eliminaria um crédito de até US$ 7.500 para compradores de veículos elétricos até o final deste ano — sete anos antes do previsto. O que causaria um impacto de US$ 1,2 bilhão no lucro anual da Tesla, segundo analistas do JPMorgan.
Já Trump, durante seu encontro na Casa Branca com o neto de nazista recém empossado como primeiro-ministro alemão, Herr Friedrich Merz, se disse “surpreso” e “desapontado”.
“Elon e eu tivemos um ótimo relacionamento”, disse Trump a repórteres. “Não sei se vamos mais.” “Ajudei muito Elon”.
Trump nomeou como outra razão pela desavença o fato de ter preterido, para a direção da Nasa, aliás, a principal pagadora da Space X, o nome indicado por Musk, supostamente por ser um democrata de carteirinha.
“Ele não disse [nada] de ruim sobre mim pessoalmente, mas tenho certeza de que é o que vem a seguir”, comentou ainda Trump.
Em minutos, segundo a mídia norte-americana, pelas redes sociais Musk, que coçou o bolso e colocou US$ 250 milhões na campanha presidencial de Trump, deu o troco: “quanta ingratidão”.
“Sem mim, Trump teria perdido a eleição, os democratas teriam controlado a Câmara e os republicanos teriam 51-49 no Senado”, enfatizou o magnata.
Na trocação, Trump ameaçou acabar com os subsídios e contratos governamentais com Musk, de quem disse ter “enlouquecido” pelo cancelamento das deduções fiscais para carros elétricos.
“Em vista da declaração do Presidente cancelando meus contratos governamentais, a SpaceX começará a desmontar sua nave espacial Dragon imediatamente”, respondeu Musk no X.
Depois disso, e com o nível do debate abaixo da fossa das Filipinas, Musk afiançou que o nome de Trump está na “agenda de Epstein”. Aquele que se suicidou a contragosto em uma prisão de Nova Iorque, depois de ter sido por duas décadas o mais notório cafetão de pedófilos do planeta – além de dono do “Lolita Express” e amigo do Príncipe Edward e de Bill Clinton.
Na semana passada, em furo de reportagem, o The New York Times revelara que Musk faz uso de drogas pesadas. Antes do entrevero, Trump era só elogios sobre Musk, que por três meses encabeçou um assim denominado departamento de eficiência governamental (Doge), onde se dedicou a executar demissões em massa e esvaziamento de órgãos públicos.
Também merece registro a contradição entre a política de tarifaço de Trump e o fato da gigafábrica da Tesla ficar na China. Pouco antes de sua autodemissão, Musk havia dito já ter feito “o suficiente”, acrescentando não ver mais “nenhum motivo” para fazer doações políticas.
Em entrevistas recentes, Musk admitiu que sua incursão na política gerou efeitos colaterais negativos para seus negócios e o tornou mal visto por consumidores e até investidores. De “visionário da alta tecnologia”, passou a ser visto como o cara que fez a saudação hitlerista “Sieg Heil” para comemorar a posse de Trump.
Ao se tornar uma das faces mais visíveis da “era Trump 2.0”, Musk viu seu patrimônio cair de US$ 480 bilhões em dezembro do ano passado para US$ 330 bilhões em abril. As receitas da Tesla caíram 57% desde 2023. Boa parte do repúdio a Trump foi transferido para Musk, pelo seu papel à frente do DOGE, tornando-se comum nos protestos cartazes de “deportem Musk” e, nos carros Tesla, adesivos explicando que “comprei antes dele enlouquecer”.