
Lançado na quinta-feira (12) em São Paulo, o livro “Cultura e Identidade Nacional”, do dirigente comunista Carlos Lopes, analisa as raízes da cultura brasileira e conclui: “um país livre é aquele que tem uma economia própria, um Estado próprio e uma cultura própria”
O lançamento do livro “Cultura e Identidade Nacional”, do médico, escritor, jornalista e dirigente nacional do PCdoB, Carlos Lopes, movimentou a noite gelada desta quinta-feira (12) no auditório da livraria e da sede do partido no centro de São Paulo. O próprio autor se surpreendeu com tanta gente interessada no livro e no debate que ocorreu sobre o tema candente da cultura, da independência e da identidade nacional.
DEBATE IMPRESCINDÍVEL
O ato, dirigido por Rosanita Campos, presidente da Cátedra Cláudio Campos, da Fundação Maurício Grabois (FMG), abriu os trabalhos e compôs a mesa com o ex-deputado Nivaldo Santana, representando o presidente da FMG, Walter Sorrentino, Rovilson Brito, presidente do diretório estadual do PCdoB de São Paulo, Alcides Amazonas, presidente do diretório municipal do partido em São Paulo, Ubiraci Dantas de Oliveira, vice-presidente da CTB e Guilherme Bianco, vereador de Araraquara.

Rosanita Campos chamou a atenção para a importância de Carlos Lopes escrever “uma coisa tão fundamental como cultura e identidade nacional numa época em que o nosso partido vive a preparação do seu 16º congresso”. “Isso é muito bom e muito oportuno”, disse. Ela destacou o texto colocado pelo autor na contracapa de sua obra que afirma: “a questão nacional é o fundo sobre o qual se destaca a cultura. Não existe cultura que não seja cultura nacional – por mais que uma cultura nacional seja influenciada por culturas de outras nações”.
GIGANTES DA ANÁLISE LITERÁRIA
O historiador Fernando Garcia, coordenador o Centro de documentação e Memória da Fundação Maurício Grabois, comenta no livro, que “parte dos excelentes artigos de Carlos Lopes se encontram neste “Cultura e identidade Nacional”. “O recorte temático aponta a cultura enquanto um dos esteios da formação da identidade nacional. Mais da metade dos artigos tratam da literatura brasileira. São textos que problematizam a relação do fazer literatura com a construção da nação. O leitor assiste a um diálogo entre nosso contemporâneo Carlos Lopes e gigantes da análise literária brasileira”, diz Garcia,

Nivaldo Santana brincou em sua fala, dizendo que chegou cedo e já tinha conseguido o autógrafo de Carlos Lopes. E não só o autógrafo, ele se regozijou também de ter conseguido adiantar um debate de alguns temas do livro com o autor. “Eu estava conversando para ele que sobre um período histórico do nosso país, nós temos um evento que é a Semana da Arte Moderna que tem interpretações diversificadas. Ele estava explicando o acúmulo teórico que ele alcançou ao debater essa matéria”, contou Nivaldo.

NOVAS VIRTUDES
Nivaldo afirmou que o livro é excelente. “Eu acho que a Fundação Maurício Grabois se sente honrada e gratificada de ter no seu acervo de publicações uma obra da lavra do Carlos Lopes, que ao ler, eu descobri novas virtudes e novos talentos que eu não conhecia”. “Eu o conheço como grande dirigente político, vice-presidente do nosso partido, e eu vi que a atividade dele é múltipla e diversificada, mostrando que para usar uma linguagem popular ele é o tipo de líder político que é pau para toda obra”, completou.
O presidente estadual do PCdoB-SP, Rovilson Brito, disse que “é um prazer a gente estar aqui com o Carlos, que é nosso dirigente, nosso camarada, e é também um desses intelectuais que nos ajudam a analisar, desde a questão política em si, mas também as outras dimensões”. “Nós estamos vivendo um período em que a extrema-direita proclamou uma guerra cultural, não é, Carlos? A extrema-direita proclamou uma guerra cultural. Então, vamos à guerra”, acrescentou.

GUERRA CULTURAL
“Acho que o livro diz isso, vamos à guerra. Vamos à guerra cultural também, a guerra cultural como uma das dimensões da guerra política e ideológica que nós temos que travar contra as ideias de dominação de uma nação, contra a ideia de destruir a identidade e a cultura de uma nação. E eu acho que o livro vem em um bom momento, um momento em que nós precisamos nos atentar, e não só nós, todo o campo da esquerda, precisa se atentar de que são múltiplas as frentes que nós precisamos guerrear, múltiplas as frentes”, afirmou o dirigente estadual do PCdoB.
Bira, dirigente da CTB, saudou Carlos Lopes e disse que o autor do livro é uma referência de moral e de vida. “Ele é uma pessoa que ajudou a construir a minha moral, a minha determinação, a minha honra, em estar lutando pelo meu país, pelo meu povo. É um homem que se dedicou integralmente à vida do povo”, afirmou Bira. “Desde que eu o conheço, há 50 anos aproximadamente, é assim”, completou o sindicalista.
Alcides Amazonas destacou que “a cultura é um elemento fundamental para o desenvolvimento de qualquer nação, e da nossa nação também. Lamentavelmente, nos quatro anos do inominável que governou ou desgovernou o nosso país, nós tivemos um grande retrocesso em todas as áreas. Na área da cultura não foi diferente”, afirmou o dirigente do PCdoB da capital. “Desmontando as estruturas que garantiam uma expansão da cultura no nosso país. E aqui a riqueza na área cultural do nosso país, na arte, é gigantesca. Mas o povo vem reagindo, o mundo vem reagindo”. Disse Amazonas.

O vereador Guilherme Bianco afirmou que o livro vem em boa hora. “Quando a gente está discutindo justamente a questão da cultura e da identidade nacional, é mais só do que falar de arte de forma geral”, afirmou.
BRASIL PRECISA SE RECONHECER
“A gente conseguiu disputar uma questão mais profunda de projeto de país para o presente e para o futuro. Se é verdade que a gente tem que fazer uma disputa cultural com a extrema-direita, é verdade também afirmar que a gente tem que ter uma disputa cultural dentro do nosso campo, do campo político de esquerda, que tem muita gente que ainda faz um contrabando de ideologias que vêm do exterior para tentar aplicar na nossa realidade, e que muitas vezes não se aplicam aqui. O conjunto do povo brasileiro não se reconhece”.
“Esse livro não é só um livro para a gente degustar as palavras do Carlos Lopes, mas é uma arma na mão de todos aqueles e aquelas que querem um Brasil brasileiro, que querem construir um Brasil com a nossa cara, que querem um socialismo verde e amarelo. Essa é a nossa luta, essa é a luta do PCdoB, e eu tenho certeza de que poder dividir as fileiras com um dos maiores marxistas ideólogos vivos, que é o Carlos Lopes, e poder usar da sua inteligência e da sua abnegação pela libertação nacional todos os dias é uma honra para todos nós”, completou Guilherme.

CARLOS LOPES E O LIVRO
Carlos Lopes agradeceu a todos os que ajudaram na publicação do livro e do ato de lançamento e saudou todos os presentes antes de falar sobre sua obra. Em seguida, ele entrou no tema. “O problema principal é o seguinte. Nós não vamos nos libertar, nós não vamos chegar à liberdade no Brasil sem ter uma cultura própria. Um país livre é aquele país que tem uma economia própria, um Estado próprio e uma cultura própria. Sem cultura própria, isso não existe”, destacou.
“E o que o Brasil é, fundamentalmente, nesses anos todos, desde a descoberta? Essencialmente, o Brasil é um país de formação principalmente negra, mas não apenas negra, é uma mistura razoável e uma mistura importante, mas a gente só consegue chegar à independência e a partir da independência, na medida em que ele consegue formar uma cultura nacional”, disse Carlos, prosseguindo. “E essa cultura nacional, não é à toa que o Machado de Assis, quando era crítico, antes de começar sua carreira como romancista, o principal artigo dele chama-se O Instinto da Nacionalidade. Ele aponta, fundamentalmente, que no Brasil é necessário cultivar a nacionalidade”.

LITERATURA
“E é essa a questão principal que você tem. Então, no essencial, esses artigos aí, que foram publicados primeiro na Hora do Povo, eles se dedicam a apontar quais são as raízes da nossa cultura. Eu, como a minha vocação é principalmente literária, eles são principalmente literários, embora também tenham, Marcos (dirigindo-se ao maestro Marcos Vinícius), realmente artigos sobre música, particularmente um sobre você”, acrescentou o autor.
“Mas é fundamentalmente no sentido de apontar quais são as bases da nossa cultura. Porque, essencialmente, o que acontece? Hoje em dia, é uma verdadeira vergonha, você para encontrar um livro que tenha sido escrito recentemente, é uma dificuldade. Agora, tem escritores, tipo Graciliano, Jorge Amado, José de Alencar, Machado de Assis, que são imprescindíveis para o brasileiro”, salientou.
“Como você não lê isso, você não tem cultura nacional”, prosseguiu Carlos Lopes. “É bom lembrar que o nosso primeiro grande escritor, José de Alencar, que travou uma polêmica imensa sobre a língua nacional, em que ele era acusado de escrever uma língua que não era o português. E ele, em um prefácio a um romance chamado ‘Sonhos Douro’, levantou o seguinte aspecto. Nós temos que escrever de acordo com e como a gente fala e escreve no Brasil, e não necessariamente como se escreve e fala em Portugal. Esse é o problema principal que ele levantou naquela época”, lembrou.

“É verdade que hoje em dia, levanta-se muito contra José de Alencar o fato de ele ter sido escravagista. É até engraçado, ele era escravagista, mas o principal amigo dele era negro, era Machado de Assis, por exemplo. Ele era um indivíduo contraditório, e é isso aí que eu tento apontar no livro”, prosseguiu.
SAMBA E HIP-HOP
“Então, meus amigos, é isso, fundamentalmente, o que eu tentei, através desse livro, estabelecer, como eu coloquei no texto que a Fundação me pediu, um cânon da cultura nacional no sentido de nós nos reconhecermos como país. Porque, hoje em dia, o mais difícil é se reconhecer como país. E o contrabando que geralmente vem em cima da cultura nacional é imenso”, denunciou.
“É aquele negócio, né? O Irapuã, lá do Rio de Janeiro, é que fala. Ele diz que, vamos ouvir aqui a nossa cultura. Aí é o samba, o hip-hop e, não sei o que mais, algum troço estrangeiro. Quando, na verdade, nós podemos perfeitamente absorver contribuições de outras culturas, não tem dúvida. Mas nós temos que ter uma cultura própria. Caso contrário, nós deixamos de ter características próprias, características nacionais distintivas”, apontou Carlos.