Com boneco inflável gigante do ‘baby Trump’, cartazes de “Dump Trump” – joga Trump no lixo – e conclamações contra a guerra, o racismo e a xenofobia, dezenas de milhares de pessoas protestaram no centro de Londres na terça-feira (4) contra a presença do presidente norte-americano no país e rechaçaram sua cínica oferta de acordo comercial bilateral, em que “tudo” estaria sobre a mesa, “até o NHS”, o sistema de saúde pública britânico que nem o Thatcherismo conseguiu destruir. Ocorreram atos também Glasgow, Birminghan, Edimburgo, Oxford e outras cidades.
A manifestação começou na Trafalgar Square e seguiu até Whitehall, com os participantes bradando ao som de tambores, e mais cartazes, como “tire suas mãos pequenas de nossa Rainha e do NHS” e “Tranque-o na Torre”. Presentes desde ambientalistas até defensores da paz no Iêmen e dos direitos palestinos, passando por sindicalistas, lideranças feministas e parlamentares da oposição. Na sede do governo britânico na Downing Street 10, o biliardário se reunia com a fracassada – e demissionária – primeira-ministra Theresa May. Os manifestantes seguiram depois até o parlamento inglês.
O que não faltou foi bom humor para expressar o repúdio do povo inglês ao bilionário xenófobo no poder na Casa Branca. Um popular vendia rolos de papel higiênico com a cara de Trump. Um garotinho Trump riquinho em tamanho grande, sentado no troninho (de ouro), fazendo o que Trump mais sabe fazer, era outra das gozações que chamavam a atenção. Nas redes sociais, internautas se divertiram registrando a presença do passaralho por onde Trump e sua comitiva iam. Um ou dois débeis mentais, que resolveram aparecer com bonezinho de ‘Make America Great Again’, foram corridos aos gritos de “fora com a escória nazista”.
“NOSSO NHS NÃO ESTÁ À VENDA”
Em seu discurso no ‘Carnaval da Resistência’ – como o ato foi chamado por seus participantes – o líder do Partido Trabalhista, Jeremy Corbyn, reiterou que “o nosso NHS não está à venda” e apontou que o debate em curso na Grã Bretanha “sobre nosso relacionamento com a Europa e o resto do mundo” deve ser sobre “como proteger os empregos e os direitos”. “Não sobre como ir para um Brexit sem acordo” ou “oferecer nosso serviço público de saúde de bandeja às companhias americanas”, alertou.
Corbyn entrou, também, na polêmica entre Trump e o prefeito da capital inglesa, Sadiq Khan. Disse que tinha orgulho de que Londres “tenha um prefeito muçulmano” e que “possamos perseguir a islamofobia, o anti-semitismo, qualquer forma de racismo em nossa sociedade”.
Após se referir às concepções de Trump sobre imigração, guerra e meio ambiente, o líder trabalhista – que aponta como saída para a atual crise na Grã Bretanha a realização de eleições gerais – disse que em seu governo trabalharia com “os governos do planeta inteiro” para criar “um mundo pacífico”.
Lindsey German, presidente da coalizão Pare a Guerra – entidade que já foi encabeçada por Corbyn – afirmou que os ministros britânicos, ao invés de jantarem com Trump para discutirem mais ameaças de guerra, deveriam tê-lo denunciado pelas ofensas ao prefeito Khan. “Este protesto não é apenas sobre o governo dos EUA, mas também sobre o nosso”, acrescentou. “Temos o governo mais desacreditado de nossa história”, assinalou, convocando a volta “à igualdade e à justiça” por meio de uma eleição geral.
“A verdadeira razão pela qual ele está aqui é que ele quer um pedaço do NHS”, denunciou a presidente da central sindical britânica TUC, Francis O’Grady. Ela também manifestou solidariedade às vítimas do último tiroteio em massa na Virgínia, dizendo que Trump devia “go home” [ir para casa] e “instaurar o controle das armas”. Saudou ainda o movimento sindical e os trabalhadores norte-americanos, completando que “amamos o povo americano – nós apenas não aguentamos seu presidente”.
Quando a manifestação chegou diante do parlamento inglês, já estava lá um pequeno grupo de adeptos do presidente bilionário, com bandeiras de Israel, e cantando “USA, USA” e “Trump é o maior”. Após a manifestação, questionou a existência do o protesto e se gabou de suas ligações com a Inglaterra, onde tem “dois campos de golfe”. Um deles, o de Trunberry, em Ayrshire, foi alvo de manifestação de ambientalistas contra Trump.
ACORDO TÓXICO
Já a Global Justice Now (GJN) colocou uma grande faixa na ponte da Torre de Londres alertando contra o “acordo tóxico” de “Dump Trump”. O diretor da GJN, Nick Dearden, advertiu que um acordo comercial com Trump “ameaça reduzir nossos padrões alimentares e servir nosso NHS em um prato para corporações americanas”.
Ele acrescentou que isso “destruiria os meios de subsistência de muitos agricultores, daria aos gigantes das grandes empresas americanas ainda mais poder na internet e sujeitaria futuros governos britânicos a contestar de multinacionais norte-americanas em tribunais ‘corporativos’ secretos”.
“É TTIP [o pacto transatlântico de comércio e investimento tentado no governo Obama] em esteróides”, acrescentou Dearden. “Nós derrotamos o TTIP há três anos e podemos derrotar este terrível acordo com Trump”.
Outra entidade, a Campanha Contra o Comércio de Armas, denunciou que “as vendas de armas nos EUA e no Reino Unido alimentaram e possibilitaram a devastadora guerra no Iêmen, que criou a pior crise humanitária do mundo”.
Segundo Andrew Smith, porta-voz da entidade, “por décadas sucessivos governos dos Estados Unidos têm falado sobre liberdade e democracia enquanto armaram e apoiaram regimes em todo o mundo que violam os direitos humanos”. Ele apontou que as políticas que o governo Trump segue “são racistas, reacionárias e belicistas” e devem ser “desafiadas em casa e condenadas no exterior”.
DEPLORÁVEL-EM-CHEFE
Para a CNN, fazia tempo que um presidente norte-americano se imiscuía tão abertamente nos assuntos ingleses – até quase “nomeou” Boris Johnson próximo primeiro-ministro. Por via das dúvidas, o agraciado preferiu não se reunir com ele. De acordo com pesquisa do YouGov, apenas 21% dos britânicos têm uma opinião positiva sobre Trump. Entre as mulheres, esse número cai para 14%.
Em entrevista à Rádio BBC 4, a deputada trabalhista Emily Thornberry disse que “uma visita de estado é uma honra e não achamos que este presidente merece uma homenagem”. Ela acrescentou que a verdade “é que ele tentou fechar as fronteiras com países de maioria muçulmana, está enjaulando pequenas crianças mexicanas, agarrou mulheres e se gabou disso. Ele é um predador sexual, ele é racista e é certo dizer isso – precisamos pensar quando foi que nosso país se assustou tanto?”
A diatribe de Trump contra o prefeito de Londres, foi respondida por um porta-voz de Khan, que o classificou de “o exemplo mais notório de uma crescente ameaça de extrema direita em todo o mundo, colocando em risco os valores básicos que definiram nossas democracias liberais por mais de 70 anos”. Na segunda-feira, uma pequena multidão se juntou do lado de fora do Palácio de Buckingham para abrilhantar o banquete em homenagem a Trump com panelas, frigideiras e apupos.
A.P.