O recurso da Procuradoria Geral da República contra o envio ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de São Paulo do inquérito em que Temer, Moreira Franco e Eliseu Padilha foram investigados pelo dinheiro que receberam da Odebrecht, é extremamente bem documentado.
A Polícia Federal concluíra que os três elementos receberam R$ 14 milhões da Odebrecht, “apontando a prática de crimes de corrupção passiva, corrupção ativa e de lavagem de dinheiro pelos investigados” (v. Agravo Regimental da PGR, 03/12/2018).
Entretanto, o ministro Luiz Edson Fachin decidira enviar a parte do inquérito que se refere a Padilha e Moreira Franco para a Justiça Eleitoral.
Daí o recurso – denominado “agravo regimental” – da procuradora geral Raquel Dodge.
DOIS ESQUEMAS
O inquérito (Inquérito nº 4462) revelou dois esquemas criminosos.
No primeiro, “no início do ano de 2014”, portanto, no governo Dilma, “Moreira Franco solicitou vantagem indevida, em razão da função pública que ocupava na Secretaria da Aviação Civil, no montante de R$ 4 milhões, por beneficiar o grupo Odebrecht no contrato de concessão do Aeroporto do Galeão/RJ de responsabilidade daquela secretaria”.
A propina foi recebida, além de Moreira Franco, por Temer e Padilha.
Para resumir:
1) “Moreira Franco solicitou, em Brasília, no primeiro quadrimestre de 2014, vantagem indevida a Paulo Cesena e Claudio Melo Filho”, da Odebrecht, “em reunião na Secretaria de Aviação Civil”.
2) “Eliseu Padilha cobrou a vantagem indevida, vindo a receber R$ 1 milhão de reais via Luciano Celaro Begni, em 14/03/2014 e 19/03/2014, na cidade de Porto Alegre”.
3) “Já Michel Temer recebeu, por meio de João Baptista Lima Filho, vantagem indevida no montante de R$ 1.438.000,00, nos dias 19, 20 e 21/03/2014, em São Paulo”.
No segundo esquema criminoso, Padilha pediu “em unidade de desígnios com Michel Temer, vantagem indevida no valor de R$ 10 milhões de reais, indicando, a pretexto de destinação, campanha eleitoral”.
Resumindo o segundo esquema:
1) “A nova solicitação foi feita em jantar no Palácio do Jaburu com a presença dos colaboradores Claudio Melo Filho e Marcelo Odebrecht”.
2) “Eliseu Padilha efetivamente recebeu, via Ibanez Filter, a quantia de R$ 1.000.000,00, nos dias 15/08/2014 e 18/08/2014, em Porto Alegre”.
3) “Michel Temer recebeu, por meio de José Yunes, o valor de R$ 1 milhão em 04/09/2014”.
4) Houve R$ 5.169.160,00 que foram canalizados para a campanha de Paulo Skaff, candidato do PMDB ao governo de São Paulo.
A procuradora observa que houve uma disputa pela propina entre o PT e o “PMDB da Câmara”, que resultou na conhecida carta de Temer para Dilma, em sete de dezembro de 2015:
“A senhora, no segundo mandato, à última hora, não renovou o Ministério da Aviação Civil onde o Moreira Franco fez belíssimo trabalho […] Sabia que ele era uma indicação minha. Quis, portanto, desvalorizar-me. […] No episódio Eliseu Padilha, mais recente, ele deixou o Ministério em razão de muitas ‘desfeitas’, culminando com o que o governo fez a ele, Ministro, retirando sem nenhum aviso prévio, nome com perfil técnico que ele, Ministro da área, indicara para a ANAC”.
PRIMEIRO ESQUEMA
A Odebrecht havia fracassado, em 2012, na privatização dos aeroportos de Guarulhos, Campinas e Brasília.
Em 2014, Dilma resolveu privatizar os aeroportos do Galeão e Confins.
Havia dois itens, no edital, que favoreciam a Odebrecht, mas não aos demais concorrentes – que, evidentemente, berraram.
Esses itens tinham origem no PT, como depois apareceu em um dos depoimentos de Antonio Palocci: “à vista do recente depoimento prestado no dia 06/09/2017, pelo ex-Ministro Antonio Palocci, que foi denunciado no inquérito que tratava da organização criminosa do PT, este afirmou que o enrijecimento das regras para a participação no leilão do Aeroporto do Galeão teria sido uma inciativa do próprio Governo para favorecimento do Grupo Odebrecht, o qual, inclusive, sagrou-se vencedor do certame licitatório para a concessão do citado Aeroporto” (cf. Inquérito nº 4.327, Relatório Conclusivo da Polícia Federal, cit. PGR, Agravo cit.).
Porém, o ministro da Secretaria de Aviação Civil era Moreira Franco, do PMDB – e não do PT.
Assim, o problema da Odebrecht era impedir que Moreira Franco alterasse o edital.
“Ao final do processo de concessão, os interesses da Odebrecht foram atendidos, pois não foram alteradas as cláusulas de interesse do grupo, sagrando-se vencedora na concessão do Aeroporto do Galeão”.
Em troca disso, Moreira Franco recebeu os R$ 4 milhões. No entanto, este indicou outra pessoa para pegar o dinheiro: Eliseu Padilha.
Os valores vieram do Setor de Operações Estruturadas [o departamento de propina] da Odebrecht, onde foram registrados sob o codinome “Primo” (posteriormente, Marcelo Odebrecht esclareceria que esse codinome “foi atribuído a Moreira Franco em razão do suposto parentesco com Claudio Melo Filho”).
Aqui, ainda quanto ao primeiro esquema, há dois depoimentos interessantes.
CONFISSÕES
O primeiro é o de Cláudio Melo Filho, diretor de Relações Institucionais da Odebrecht:
“… embora não esteja entre suas atribuições, nesse caso específico, acabou tendo alguma atuação em razão de ter recebido um telefonema de Eliseu Padilha;
“… Eliseu Padilha pediu uma reunião com o declarante;
“… questionado se Eliseu Padilha ligou para o telefone pessoal do declarante, diz que foi a secretária dele que agendou com a secretária do declarante;
“… Eliseu Padilha pediu que o declarante ‘visse’ para ele algo relacionado com uma espécie de promessa, conforme conotação dada pelo próprio Eliseu Padilha, que Paulo Cesena [da Odebrecht] teria feito ao ‘Moreira’, que é como ele se referia ao Moreira Franco;
“… repassou a demanda de Eliseu Padilha inicialmente para Benedicto Junior e num segundo momento a Paulo Cesena;
“… Benedicto comentou com o declarante que não haveria jeito de não contribuir, teriam que fazer alguma contribuição, dada a importância dos envolvidos, Eliseu Padilha e Moreira Franco” (cf. Termo de Depoimento nº 12 de Cláudio Melo Filho).
O outro depoimento é o de José de Carvalho Filho, que auxiliava Cláudio Melo Filho no lobby a favor da Odebrecht:
“… recebeu uma solicitação de Benedicto Junior para informar a Eliseu Padilha no sentido de que havia uma disponibilização de doação de 4 milhões;
“… foi o declarante, pessoalmente, que fez a comunicação a Eliseu Padilha;
“… explica que, além das duas situações ocorridas em 2014, teve outra situação envolvendo pagamento de verbas de caixa dois a Eliseu Padilha, contudo se trata de fato ocorrido por volta do ano de 2000;
“… a primeira situação de 2014, ocorrida por volta do mês de março, está relacionada com o pedido de Benedicto Junior, e a segunda situação, ocorrida em agosto ou setembro também de 2014, está relacionado com um jantar no Palácio do Jaburu;
“… foi sozinho encontrar com Eliseu Padilha;
“… se recorda que Eliseu Padilha repassou o endereço onde deveria ser entregue o dinheiro e que o declarante o repassou a Benedicto Junior, que operacionalizou os pagamentos;
“… obteve alguns endereços que estavam registrados no sistema Drousys [o programa de computador do departamento de propina da Odebrecht];
“… identificou os pagamentos feitos a Eliseu Padilha, relacionados com o fato que está relatando, através das datas de pagamento e também pelo fato de suas iniciais, JCF, constarem no campo observação das planilhas;
“… no sistema Drousys localizou o seguinte endereço: Rua Siqueira Campos, 1184, Centro, 12ª andar, observação ‘entregar ao Lucian’, sendo que a palavra Lucian está cortado”.
DOCUMENTOS
Os primeiros documentos importantes sobre esse esquema são as planilhas do departamento de propina da Odebrecht.
Além disso, a quadrilha usava, para transportar dinheiro, os serviços de uma empresa – a Transexpert. A PF conseguiu localizar os empregados dessa empresa que fizeram serviços para a quadrilha de Temer.
Além disso, existem as gravações telefônicas – e essas envolvem Temer.
João Baptista Lima Filho, o coronel Lima, era quem recebia as propinas por Temer.
Então, “ocorreram três entregas de valores, sucessivamente em 19, 20 e 21/03/2014, envolvendo R$ 500 mil, R$ 500 mil e R$ 438 mil, respectivamente, todas no endereço Rua Juatuba, 68, em São Paulo”.
Vejamos o relato da procuradora geral:
“No dia 19/03/2014, houve um imprevisto no momento da entrega dos valores, o que ocasionou uma série de contatos entre os envolvidos.
“As conversas por intermédio de Skype, os dados telefônicos e as localizações geográficas obtidas via registros de ERBs mostram-se harmônicos e revelam a entrega de valores pela empresa Transnacional a João Baptista Lima Filho.
“Como João Baptista Lima Filho não estava no local no momento da entrega dos R$ 500 mil, os agentes da Transnacional entraram em contato com a Hoya Corretora, que por sua vez efetuou ligação para João Baptista Lima Filho”.
Há, então, um diálogo via Skype entre o preposto de Temer e um funcionário da Hoya Corretora:
LIMA: Alô?
EDIMAR: Seu João?
LIMA: Ele mesmo.
EDIMAR: Meu pessoal tá aí … o senhor já tá no local da … aquela encomenda?
LIMA: Não! Eu tô fora. Não … nós não falamos antes. Eu tô aí com uns compromissos agora. Eu só vou estar lá na minha base por volta das 14:30. Como é que o senhor vê aí? Dá pra passar às 14:30?
EDIMAR: Eu vou ver aqui e retorno. O senhor tá longe de lá, né?
LIMA: Estou longe. Eu tô aqui pro lado de Santo Amaro, viu? E … aí com um compromisso que eu não posso deixar de atender, viu? Então 14:30, 15 horas é que eu tô chegando lá na minha base.
EDIMAR: Então vou ver se consigo marcar para as 15 horas. Qualquer coisa…
LIMA: O senhor faz o favor, me dá uma ligada, tá bom?
EDIMAR: Tá bom, tchau!
LIMA: Obrigado!
Logo em seguida, Lima telefona para a sua empresa, a Argeplan, e, depois, para a vice-presidência da República.
Depois, Lima telefonou para um número registrado em nome de Temer. E, aí, volta a falar com a Hoya Corretora:
LIMA: Alô?
MÁRCIO: Senhor João?
LIMA: Ele mesmo!
MÁRCIO: Ah, sim! Bom dia!
LIMA: Tudo bem!
MÁRCIO: Bem. Hoje então aquela reunião foi adiada, né? Vai ser entre 3 e 5 horas. Das 15 às 17.
LIMA: Ok. Tô por lá nesse horário.
MÁRCIO: Tá. Só que nós temos 3 etapas dessa reunião, que vai ser 5ª e 6ª feira. Agora, 5ª e 6ª eu gos… bem, eu queria ver com o senhor se pode ser entre 10 e 12 horas, na 5ª e na 6ª?
LIMA: Veja se vocês podem me fazer isso daí às 12 horas. Eu faço de tudo para tá às 12 horas. É possível?
MÁRCIO: De 12… vamo marcar então de … é que tem sempre que dar um espaço de tempo, de 12 até que horas, mais ou menos?
LIMA: 12 às 13, tudo bem?
MÁRCIO: 12 às 13. Nos dois dias?
LIMA: 12 às 13. Nos dois dias.
MÁRCIO: Então tá combinado.
LIMA: Combinado, um abraço!
MÁRCIO: Grande abraço, até logo!
LIMA: Outro! Tchau!
Em seguida, Lima telefonou “para o terminal de Michel Temer às 11:51h, em ligação que durou 4 minutos e 58 segundos”.
Existem outros diálogos e gravações de telefonemas, porém, em relação ao primeiro esquema, achamos suficiente (sempre o leitor poderá consultar a íntegra do documento da PGR, em caso de curiosidade ou de dúvida).
Quanto ao segundo esquema, já publicamos bastante sobre ele – por isso, não achamos necessário repetir os mesmos fatos (mas o leitor poderá rememorá-los: p.ex., v. Temer recebeu R$ 1,4 milhão de propina da Odebrecht, conclui a PF ou STF põe a Polícia Federal no encalço dos crimes de Temer).
C.L.