“O Brasil se transformaria em uma roça, a fazenda do mundo, exportando apenas commodities e matérias-primas, assim como empregos de qualidade, para as economias mais desenvolvidas”, reage o presidente da CNI
Representantes da indústria e economistas rechaçaram nesta quinta-feira (21) as declarações do presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Carlos Von Doellinger, em entrevista ao Valor, na qual defendeu que o Brasil deixe de investir na indústria para focar no agronegócio e mineração.
“Lamentável”, afirmou o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Braga de Andrade, afirmando que “o Brasil se transformaria em uma roça, a fazenda do mundo, exportando apenas commodities e matérias-primas, assim como empregos de qualidade, para as economias mais desenvolvidas”, criticou.
“A posição do presidente do IPEA demonstra que ele não tem a mínima noção da importância do segmento industrial para a produtividade e o desenvolvimento dos demais setores da economia”, completou Andrade.
Carlos Von Doellinger, que é considerado um dos integrantes da área econômica do governo Bolsonaro mais fiéis ao ministro Paulo Guedes, defendeu na última terça-feira (19), que “a gente precisa se conscientizar que o Brasil precisa apostar em suas vantagens comparativas, suas vantagens competitivas… Nosso caminho não é a indústria manufatureira, a não ser aquela ligada a beneficiamento de produtos naturais, minérios”, disse Doellinger citando, como exemplo, países como Austrália, Chile e Canadá, que acabaram com suas indústrias para focar na produção de minérios e agropecuária.
“Se isso fosse uma verdade, Japão e Coreia do Sul, que são países industrializados, não seriam economias desenvolvidas”, rebate o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), José Velloso. Para o executivo, reduzir a indústria a setores em que há vantagem comparativa por abundância de recursos naturais significaria desmontar parques de capital intensivo num País que investe pouco. “Se a gente fizer um estudo de impacto disso, certamente o saldo será negativo”, afirmou Velloso.
RETORNO À REPÚBLICA VELHA
O diretor de relações institucionais da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), André Cordeiro, disse que o raciocínio defendido pelo presidente Ipea repete a lógica da medida tomada pela rainha Maria I – popularmente conhecida por “a Louca” – que há mais de dois séculos proibiu no Brasil fábricas e manufaturas para não atrapalhar atividades agrícolas e extrativas.
“Isso não deu certo. A indústria que é capaz de gerar maior renda e bem-estar para a população. A Austrália tem apenas 22 milhões de habitantes, o Brasil não pode se dar ao luxo de concentrar atividades. O Brasil não pode prescindir de uma indústria grande e de base tecnológica”, defendeu Cordeiro.
O economista e professor da Universidade de Brasília (UnB), José Luis Oreiro, também criticou o posicionamento de Doellinger. Para Oreiro, o raciocínio exposto pelo integrante da equipe econômica de Guedes significa “o retorno do Brasil ao período pré-1930, o período da República Velha, no qual os bancos, o capital estrangeiro e os grandes fazendeiros controlavam, com mão de ferro, os destinos desse país”.
“Ele diz que devemos nos contentar com nossas vantagens comparativas na produção de soja e minério de ferro. Esse é um argumento ridículo e totalmente contrário a evidência empírica disponível. Entre 1930 e 1980 o Brasil cresceu a uma taxa média de 8% a.a. puxado pelo crescimento do setor manufatureiro, que ampliou a sua participação no PIB de 16% em 1948 para 27% em 1974”, lembrou. “O período de redução do crescimento e posterior estagnação da economia brasileira coincidiu precisamente com a desindustrialização, ou seja, a perda de participação da indústria de transformação na economia brasileira”, escreveu o economista em seu Blog.